Entre vozes e desencontros: Manoel de Oliveira e a arte de se entender sem traduzir
Entre vozes e desencontros: Manoel de Oliveira e a arte de se entender sem traduzir. Foto: Divulgação

Vivemos em um tempo em que há muitas ferramentas de comunicação e, paradoxalmente, ao mesmo tempo há tantos desencontros e desenganos. Além dos veículos tradicionais (jornais, TVs, rádios) há a internet que, hoje, fornece um sem número de possibilidades através de redes sociais e afins. E mesmo assim a coisa mais fácil é que nossas palavras sejam deturpadas ou retiradas de contexto.

Nisso me vem à memória o cineasta português Manuel de Oliveira, uma das maiores personalidades nascidas na cidade do Porto. Ele é um dos personagens no filme “O Céu de Lisboa”, do alemão Win Wenders, em que aparecem também a cantora Teresa Salgueiro e demais integrantes do grupo Madredeus. É aquele senhor que fala sobre a vida e, trajando terno, faz uma imitação do Carlitos. Lembraste dele?

O camarada teve uma carreira de mais de setenta anos e, aos 95 anos de idade, filmou uma obra que considero das maiores do cinema: Um Filme Falado. É uma película grandiosa justamente pela simplicidade: a história se desenrola em um cruzeiro pelo Mediterrâneo e nele há pessoas de várias nacionalidades. À primeira vista, há um toque felliniano que remete a E La Nave Va, mas a estética é outra.

Tudo parece bem comum até que acontece uma cena que põe o conforto de lado: quando alguns dos personagens sentam-se à mesa. Sim, mas e daí? O que há de extraordinário nisso? Outra vez o destaque vai para o básico e os atores conversam de forma amistosa. O detalhe é que muda tudo e causa o impacto único.

Manoel de Oliveira simplesmente coloca Catherine Deneuve falando francês, Stefania Sandrelli se expressando em italiano, Irene Papas em grego e John Malkovich em inglês. Cada um no seu idioma e todos se entendem. Qual o significado (ou significante?) desta cena? Apenas que ouvir e refletir continuam sendo os melhores remédios em tempos de intolerância e incompreensão.

Portuense até o fim

O cineasta nasceu na freguesia de Cedofeita, em 1908, e morreu 106 anos depois também na cidade do Porto, entretanto mais próximo ao mar, na Foz do Douro. Quando ele nasceu, Portugal tinha a monarquia como sistema de governo. Manoel viveu a república, o Estado Novo e partiu já no século XXI, quando as redes sociais, que hoje dominam o comunicar, já estavam consolidadas.

*Sérgio Augusto do Nascimento é um jornalista paraense que vive em Portugal. Foi repórter e editor e hoje é correspondente do DIÁRIO na Europa. 

Editado por Clayton Matos