Gilmar Pereira faz balanço e diz que universidade será peça-chave na COP30.
Gilmar Pereira faz balanço e diz que universidade será peça-chave na COP30. Foto: Wagner Almeida

Na data em que o país celebra o Dia do Professor, neste 15 de outubro, o reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Gilmar Pereira da Silva, completa o primeiro ano à frente da maior instituição de ensino superior da Amazônia. Em meio ao desafio de gerenciar a universidade que é reconhecida pela CAPES como a que mais produz ciência sobre a Amazônia justamente no ano que o estado do Pará se prepara para sediar a Conferência da ONU sobre Mudanças do Clima (COP30), a UFPA assumiu para si a máxima de que não é possível realizar uma COP completa, sem os amazônidas e sem a ciência produzida na região.

Em um balanço detalhado sobre a sua gestão, o reitor da UFPA falou ao DIÁRIO sobre a expectativa para a conferência do clima, sobre o fortalecimento das relações internacionais através de acordos de cooperação, sobre as iniciativas de melhoria da infraestrutura e de resgate do patrimônio histórico, além das prioridades para o próximo ano.

P: A UFPA chega ao primeiro ano da atual gestão com conquistas importantes. Que balanço o senhor faz desse período?

R: A gente tem se desafiado. Eu tive a sorte e o desafio de ser reitor em um momento interessante do nosso estado. A COP, que é o mote de todos esses debates, têm nos permitido fazer um diálogo nacional, internacional e que tem sido muito interessante para projetar o que a gente deseja para essa instituição. AUFPA é a segunda maior universidade federal do país, mas dependendo dos cálculos que você faça, ela se torna a primeira. Se você considerar o aluno equivalente, os indicadores são diferenciados. Nós temos mais alunos à noite, nós temos mais alunos nos campi do interior, as distâncias são desafiadoras. Então, quando se analisa a quantidade de alunos, a maior é a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mas quando você pega todos esses indicadores e faz os cálculos, a UFPA passa a ser a primeira.

P: Com relação à COP, a UFPA assumiu uma posição muito ativa na construção das discussões ligadas à COP30 e não é de hoje que a universidade discute e pesquisa, nas diferentes áreas do conhecimento, temas que são foco da conferência. Como está a expectativa agora que ela se aproxima?

R: Esse envolvimento não foi tão difícil porque a gente tem uma trajetória de pesquisa na área de clima, na área ambiental, que vem do nascimento da universidade. Nós temos dois núcleos importantes que estudam fortemente o clima, o NAEA (Núcleo de Altos Estudos Amazônicos), que é dos anos 70, e o NUMA (Núcleo de Meio Ambiente). São dois institutos que passaram a vida discutindo a questão ambiental, mas, fora isso, a gente tem no Instituto de Educação professores que estudam a questão ambiental; no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas; no Instituto de Letras e Artes pessoas que estudam a questão indígena, língua indígena, que estudam o cotidiano dos indígenas. Então, quando veio a notícia que a COP seria realizada aqui, eu comecei a dialogar com os governos federal e estadual, e sempre disse: ‘COP sem os Amazônidas não será uma COP completa; e sem a ciência também, ainda mais sem a ciência da Amazônia’. Todo mundo fala da Amazônia com teorias importantes e nós respeitamos e reconhecemos isso. Agora, a maneira como nós estudamos a Amazônia é diferente porque a gente vive a Amazônia. Eu falo de populações ribeirinhas e eu estou aqui em uma universidade ribeirinha, você olha da janela e está aqui o Rio Guamá. Se você atravessa o rio, está uma ilha de populações tradicionais que já trabalhavam há muito tempo e continuam trabalhando a biodiversidade. Então, ao longo desse tempo, a partir de outubro e novembro do ano passado de forma mais intensa, a gente foi se dando conta que estávamos intervindo e sendo aceitos no processo de uma forma relativamente natural. Não havia essa expectativa de que a gente se envolvesse tanto, mas hoje a gente dialoga com todos os estados brasileiros. Eu tenho ido para São Paulo, para Brasília, para Goiás, para o Amazonas, fui para Portugal, para a França falar do dia a dia da COP. Então, há uma mobilização muito grande e um reconhecimento do papel que a universidade tem. Os próprios reitores das nossas universidades do Brasil reconhecem isso. O Ministério da Educação vai coordenar um evento em que três reitores daqui, entre eles eu, iremos falar na Zona Verde da COP. Fora isso, a gente tem um evento com a França, vamos ter um navio que vai vir de Manaus para cá. Na semana que vem vamos ter o almoço dos reitores da Amazônia, também com o embaixador da França, lá em Brasília, a convite dele. Então, a COP tem sido um instrumento de visibilidade daquilo que a gente já fazia. Para se ter uma ideia, a UFPA hoje é a universidade que mais produz ciência sobre a Amazônia. E essa fala não é minha, apesar de eu replicá-la. É uma fala da CAPES [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior], que é a instituição de fomento da pesquisa no Brasil.

Gilmar Pereira reforça protagonismo da universidade em debates ambientais e científicos rumo à COP30.
Gilmar Pereira reforça protagonismo da universidade em debates ambientais e científicos rumo à COP30. Foto: Wagner Almeida

P: O fortalecimento dessas relações internacionais também é um marco desse primeiro ano da atual gestão. Como que essas parcerias chegam até os estudantes?

R: Eu fui duas vezes a Portugal, uma vez à França, ano que vem também estamos com um projeto de focar em países da África e uma coisa que eu tenho feito em todos os lugares que eu vou é organizar eventos em que a gente coloque a possibilidade de participação dos nossos jovens nos países que a gente tem visitado e de trazer os jovens de lá para cá. Já estamos fazendo isso. A gente tem um convênio com a UGM, que é um grupo de universidades de Montevidéu, mas que hoje congrega um conjunto de universidades da América Latina, e a gente tem mobilidade com eles. Alunos nossos vão para lá e os alunos deles vêm para cá. E o que a gente quer é intensificar isso. A gente assinou um acordo com países do BRICS, no Rio de Janeiro, no início do ano; assinamos convênio com universidades russas, com universidade da Índia; com universidade da China. Eu acredito que assinamos mais de 20 acordos de cooperação neste ano e a intenção é que esses acordos sirvam para que os nossos jovens tenham acesso a outro tipo de cultura. A gente não abre mão de ter as atividades mais curriculares, que são de 6 meses ou 1 ano, mas a gente quer também essas atividades que o jovem possa passar 15, 20 dias. A gente está trabalhando para dar maturidade para isso e eu acho que isso vai se fortalecer muito com a COP porque vai ter gente de muitos países aqui e a gente está estruturando a UFPA para receber as pessoas. Os reitores das universidades virão, e a gente vai receber cientistas do mundo inteiro.

P: Recentemente houve a entrega da primeira etapa da reforma do Complexo dos Mercedários, que além da importância histórica do prédio para a cidade, vai ter uma participação na COP recebendo as atividades do BNDES. Mas, para depois da COP, como a universidade vai utilizar o espaço?

R: Aquele espaço é lindo. É um espaço que a gente já utiliza, nós temos um curso de graduação e de mestrado em restauro funcionando lá. Na parte de baixo vai ficar uma parte do nosso museu, vai ter uma livraria da nossa editora especializada na questão do restauro, vai ter uma parte da Escola de Música da UFPA, vai ter um café. Em cima tem um gabinete que o reitor utiliza, além disso tem os escritórios, o gabinete da direção do instituto e as salas que o BNDES vai ocupar agora durante a COP e que eles vão, além de receber as pessoas, fazer atividades culturais com pessoas daqui. Eles têm sido muito generosos. Nós já estamos com recurso para terminar a obra, é uma obra longa e que deve terminar em 2027 porque nós vamos restaurar também a Igreja das Mercês. Mas é um espaço muito legal e o que eu, particularmente, desejo para aquilo é que seja um espaço público, que as comunidades tenham acesso. Que vão lá tomar um café, que vão lá ouvir uma música, assistir a nossa Escola de Música tocar. É esse o propósito. Mas além daquele prédio, a gente tem a Capela Pombo que está linda. A parte que era a capela nós já restauramos, mas como nós temos um quintal e a gente está com recurso, nós vamos fazer um auditório para receber as pessoas. Temos o Fórum Landi, que nós vamos inaugurar, também a primeira parte, entre 6 a 8 de novembro. Terá uma maquete que já está pronta e que mostra toda a Cidade Velha, tem um espaço para exposição, nós vamos fazer uma exposição durante a COP, e tem um auditório. Para além disso, a gente tem o Centro de Memória da Amazônia, que fica onde era a nossa antiga gráfica; temos na Praça da República o Instituto de Ciências da Arte, aquele prédio do lado do Teatro Waldemar Henrique; e temos também o museu da UFPA. Na verdade, são outros campus da universidade e eu estou visitando e trabalhando para conseguir recursos. Esse recurso do BNDES, junto com a Vale, foi generoso, em torno de R$ 49 milhões. E foi a única maneira da gente fazer uma obra daquela proporção nos Mercedários. E uma coisa importante que sintetiza isso é que esse curso de restauro possibilita que a gente tenha o conhecimento. A gente não tem dinheiro, mas nós queremos ajudar e se precisarem da gente para ajudar no restauro do centro histórico, a UFPA está à disposição. A gente tem focado muito nessa parte histórica para mostrar para os nossos jovens que não se faz ciência sem se ligar à cultura, qualquer ciência, em qualquer área.

P: Outro ponto de destaque foi a criação do curso de Inteligência Artificial, pioneiro na Região Norte. Qual é o impacto dele para a formação e para a pesquisa na universidade?

R: Quando eu assumi a reitoria tinham três coisas que eram estruturantes pra mim, que a gente precisava fazer. Nós criamos duas superintendências e uma pró-reitoria. Elas existiam como departamentos, mas não com esse nível de autonomia. Então, criamos uma Superintendência de Inovação, uma Superintendência de Diversidade e uma Pró-Reitoria de Assistência Estudantil. E uma coisa que a gente se dá conta é que as tecnologias vão envolvendo a todos nós e não podemos fugir delas. A gente tem que mergulhar e entender. Aí pedi para o pessoal da Ciência da Computação e Sistema de Informação que me apresentassem uma proposta de um curso de inteligência artificial. E eles fizeram muito bem, as primeiras 30 vagas já deverão estar no Enem. É muito importante para a gente conviver com essas técnicas e torná-las ciência, torná-las filosofia de vida porque a gente apreende as tecnologias como técnica e é pouco. A gente tem que filosofar sobre as tecnologias, tem que dar sentido para elas. Os jovens hoje sabem lidar com as ferramentas, o que é importante, mas a gente quer que ele entenda isso e diga ‘isso tem impacto na minha vida, na vida da minha comunidade, dessa e dessa forma’. Eu quero que a gente entenda como podemos usar isso, e em função de quê? Que entenda que por trás de tudo isso, tem um ser humano. Esse curso tem que ter esse papel e ele tem que pensar isso em todos os cursos porque essa é uma questão transversal. Então, esse curso é muito importante para dar sentido a esse novo mundo que a gente está criando a cada momento.

P: E com relação às obras de infraestrutura em Belém e no interior?

R: A gente tem procurado trabalhar uma infraestrutura pesada. A gente está sem recursos e muita coisa tem sido feita com captação de recursos externos, mas temos tentado. A gente inaugurou dois prédios importantes, um prédio aqui universidade para uma faculdade do tecnológico; inauguramos um prédio no Instituto de Ciências Sociais Aplicada; estamos com dois prédios que a gente quer inaugurar até abril/maio e temos o Centro Cultural, que vamos retomar as obras agora, e que queremos ver se até o final do ano que vem a gente entrega. Para além disso, a gente está trabalhando em uma cidade universitária em Tucuruí, que a gente está retomando para ver se entrega também no ano que vem. Também temos um acordo com a Fadesp para fazer um Centro de Convivência em cada um dos campi, inclusive aqui em Belém. Já estamos fazendo um no Instituto de Medicina Veterinária em Castanhal, que a gente pretende entregar até janeiro ou fevereiro, mas a ideia é ter um em cada campus até o final do meu mandato. Estamos prospectando e muito animados com essa expectativa. Além disso, estamos licitando as obras do PAC, nós temos um PAC da Educação e nele nós teremos a ampliação do Restaurante Universitário (RU), vamos fazer um RU no setor de saúde [do Campus Guamá]; vamos fazer mais um prédio em Ananindeua; vamos fazer mais um prédio em Salinópolis, que é um campus que a gente não tinha prédio; vamos fazer um prédio para a Faculdade de Medicina de Altamira, que também está em andamento. E fora isso estamos tentando levantar questões sobre a estrutura acadêmica porque a gente cresce o tempo inteiro. Precisamos de mais técnicos administrativos, a gente tem muita falta de trabalhadores, em várias áreas, porque a gente cresceu demais. Na verdade, não somos uma universidade, nós somos 12, porque em cada campus que a gente vai… Altamira é um campus que tem 180 professores. Castanhal tem quatro doutorados. Sem contar que nós somos uma universidade que tem, hoje, mais cursos de pós-graduação do que de graduação. É uma mudança extraordinária e muito rápida porque até os anos 2000, a gente tinha em torno de 20 a 30 cursos de pós-graduação. Hoje, a gente tem 170 cursos de pós-graduação e mais de 160 cursos de graduação. É uma instituição muito viva, muito envolvente. A gente tem o orçamento do governo, que é muito importante e necessário, mas nós, os pesquisadores que orientam teses, que fazem pesquisa, quase todos têm projetos financiados, que contratam bolsistas de iniciação científica e de extensão. A UFPA é a maior universidade da Amazônia e a gente faz uma crítica porque poderia ter mais bolsas. A gente contribui com 10% do PIB e recebe menos de 5% das bolsas. Mas, mesmo assim, os nossos colegas pesquisadores, para usar um termo popular, ‘tiram leite de pedra’. Por exemplo, os pesquisadores que estudam petróleo têm projetos de milhões, se eles fossem esperar pelo orçamento da UFPA para montar os seus laboratórios, eles não teriam isso. Em Salinópolis, que nós temos um curso de Engenharia de Petróleo, nós temos um laboratório que tem equipamento de R$8 milhões. É um equipamento que estuda petróleo em águas profundas. Então, os nossos professores de Salinas recebem alunos para fazer pós-doutorado ou doutorado a partir desses laboratórios, dessas estruturas. A minha leitura, como cidadão, como professor, como reitor, é que a universidade só tem sentido se ela se pensar como um projeto de sociedade. E como projeto de sociedade, ela tem que ter um papel de desenvolver o seu estado. E aí, quando a gente vai procurar entender o que foi o estado do Pará nos últimos 50 anos, a gente vai ver que as mudanças todas passaram pela universidade. A formação de professores, a formação de engenheiros, a formação de médicos, a formação de jornalistas. E depois vieram as outras instituições, algumas delas com origem na UFPA, como é o caso da UFOPA, da UNIFESSPA, da UNIFAP – o campus do Amapá era um campus da UFPA.

P: Para finalizar, quais são as prioridades da gestão para o próximo ano?

R: Do ponto de vista da infraestrutura, eu quero acompanhar essas obras todas com muito detalhe. Logo depois da COP quero voltar às minhas viagens aos campi, porque eu não tenho tido tempo de ir agora. Eu fui vice-reitor por oito anos e cuidei muito dos campi do interior, então, eu gosto muito de ir lá ver como as coisas estão. Tem um conjunto importante de obras que a gente precisa fazer. A gente ainda tem alguns cursos que não estão bem alojados, que falta estrutura e que eu também vou colocar energia nisso. Na questão acadêmica, trabalhar essa avaliação dos cursos. Em janeiro nós devemos ter avaliação dos nossos programas de pós-graduação. Eu estou muito esperançoso que a gente tenha muitos programas passem de três para quatro, de quatro para cinco e estamos com o sonho que tenham alguns que passem até para nota 7 [os cursos são avaliados pela CAPES e classificados com notas de 3 a 7]. Para nós, é muito importante porque a universidade se consolidará cada vez mais. E tem uma coisa que parece pequena, mas que é muito grande, e que eu quero focar durante o ano que vem, que é dar garantia de laboratórios para os cursos das ciências da computação, da engenharia elétrica porque a gente tem esses cursos, mas os laboratórios muitas vezes ficam obsoletos, a gente precisa estar trocando o tempo inteiro. Com relação à pós-graduação, a pró-reitoria de pós-graduação conseguiu um recurso razoável e a gente está comprando computadores para a pós-graduação, mas a gente precisa ter essa estrutura na graduação. E uma coisa também que a gente não pode esquecer, que perpassa o dia a dia da nossa gestão, e que eu quero continuar fazendo com muita atenção é a inclusão social. Eu tenho conversado muito no Ministério sobre a necessidade de ampliar os recursos para a assistência estudantil. Mais de 80% dos nossos jovens são de origem pobre, muitos deles são os primeiros da família a entrar na universidade, mas a gente precisa garantir que eles fiquem. Eu acho que o maior instrumento de inclusão que temos é o RU, onde quase 7 mil jovens comem todo dia. Mas a gente ainda não tem isso nos campi do interior. A gente conseguiu fazer uma negociação em Altamira, que tem um restaurante popular, e os meninos de Altamira já estão se alimentando dessa forma. Mas o nosso desafio é deixar os 12 campi com alimentação, os meninos tendo um RU ou uma política de alimentação com voucher, com alguma coisa que eles possam ter para se alimentar e para manter os seus cursos, para além das bolsas que alguns deles já têm. São tarefas cotidianas e eu acho que ser reitor de uma universidade como a nossa é estar, a cada dia, procurando saídas e procurando incluir mais. A universidade no Brasil, e na Amazônia, é um espaço de muitos desafios, mas também de grandes conquistas.