Fazenda da Esperança: o projeto que transforma dependentes químicos em protagonistas da própria história
Fazenda da Esperança: o projeto que transforma dependentes químicos em protagonistas da própria história. Foto: Carla Azevedo

Mais do que um espaço de recuperação, a Fazenda da Esperança é um lugar onde a vida recomeça. Fundada sobre os pilares do trabalho, da convivência e da espiritualidade, a instituição acolhe pessoas em situação de vulnerabilidade – especialmente aquelas marcadas pela dependência química, emocional e social – e oferece a elas uma nova chance de viver com dignidade, propósito e fé.

Reconhecida pela Igreja Católica e presente em 26 países, a Fazenda da Esperança conta com mais de 180 unidades ao redor do mundo. Há mais de quatro décadas, tem sido sinônimo de transformação profunda e verdadeira, abrindo caminhos para que homens e mulheres possam reconstruir suas histórias, reencontrar suas famílias e redescobrir a si mesmos.

Na unidade de Mosqueiro, distrito de Belém (PA), cerca de 100 pessoas são acolhidas em um ambiente de simplicidade, trabalho e fraternidade. Ali, os dias são preenchidos por atividades que fortalecem o corpo e o espírito: padaria, marcenaria, horticultura, apicultura, piscicultura, entre outras oficinas que geram não apenas autossustento, mas também autoestima e qualificação profissional.

Durante a edição 2025 da Manhã dos Eleitos, realizada no final de setembro, os acolhidos da Fazenda foram os grandes homenageados pela Diretoria da Festa de Nazaré, em reconhecimento à jornada de superação que vivenciam diariamente.

Um dos momentos mais emocionantes foi a presença do Arcebispo Emérito Dom Alberto Taveira Corrêa, fundador da unidade de Mosqueiro, que ressaltou o papel da Fazenda como “experiência de família” e destacou histórias inspiradoras que nasceram dentro da comunidade:

“A Fazenda da Esperança é um projeto que tem uma característica importante. Nós acreditamos que somente a evangelização é capaz de curar as pessoas — não só os dependentes químicos, mas qualquer situação humana. Aqui, através da vivência do Evangelho, da convivência e da espiritualidade, da oração, acreditamos na mudança das pessoas.

Hoje a Fazenda tem mais de 180 centros pelo mundo. É impressionante o alcance que tem. E veja: aqui não se fala de droga. Só falamos de vida, de Jesus Cristo, de oração e de convivência — e Deus é quem recupera”.

Dom Alberto Taveira Corrêa, fundador da unidade de Mosqueiro, que ressaltou o papel da Fazenda como “experiência de família”
Dom Alberto Taveira Corrêa, fundador da unidade de Mosqueiro, que ressaltou o papel da Fazenda como “experiência de família”. Foto: Carla Azevedo

Dom Alberto também refletiu sobre os desafios do pós-acolhimento, fazendo um apelo direto à sociedade:

“Aqui os acolhidos aprendem ofícios importantes. Temos marcenaria, hidroponia, criação de porcos, de frangos, padaria. São atividades que podem se tornar uma profissão.

O grande desafio vem depois: encontrar instituições que acolham e acreditem nessas pessoas quando elas saem daqui, oferecendo oportunidades de trabalho e reintegração. Quem passa um ano aqui não ouve uma palavra sobre droga — só sobre vida. Então, é um apelo que faço: precisamos acolher esses irmãos com dignidade”

Durante a celebração, o arcebispo também apresentou a visão para o futuro da unidade de Mosqueiro, que inclui a construção de uma nova capela, uma praça e outros espaços de convivência, reforçando a proposta de uma verdadeira comunidade de fé e superação.

Transformações que inspiram: vozes de quem renasceu na Fazenda

Entre as oficinas, orações e a rotina comunitária da Fazenda da Esperança, emergem histórias comoventes de recomeço. São vozes de homens que enfrentaram a dor da dependência, a perda dos vínculos familiares e a ausência de sentido — e que, ao atravessarem o portão da Fazenda, iniciaram uma jornada de reencontro consigo mesmos, com a fé e com o amor da própria família.

“Aqui foi onde eu me encontrei” — André Luiz Brito, 42 anos

Natural de Bragança, André Luiz está há 11 meses na unidade de Mosqueiro e se prepara para concluir seu ciclo de um ano na Fazenda da Esperança. Durante esse período, ele reconstruiu não apenas sua vida, mas também a relação com sua família — e, acima de tudo, consigo mesmo.

Natural de Bragança, André Luiz está há 11 meses na unidade de Mosqueiro e se prepara para concluir seu ciclo de um ano na Fazenda da Esperança.
Natural de Bragança, André Luiz está há 11 meses na unidade de Mosqueiro e se prepara para concluir seu ciclo de um ano na Fazenda da Esperança. Foto: Carla Azevedo

“Eu cheguei aqui muito destruído, como muitos irmãos que passam por essa dor. Sem perspectiva de vida, sem o amor da minha família, perdendo o respeito até por mim mesmo. Estava sem caráter, com medo, carregando muitas mazelas causadas pela droga. Mas foi aqui que eu me encontrei.”

Na Fazenda, André teve a oportunidade de se profissionalizar com cursos de panificação e biscoitaria, mas conta que o verdadeiro alicerce da mudança veio de dentro:

“A gente vive aqui um tripé: trabalho, convivência e espiritualidade. E foi esse tripé que me sustentou. Principalmente a espiritualidade. Aqui não se trabalha com remédio. Aqui a gente se trata com fé, com oração, com convivência. Isso nos fortalece.”

Hoje, já na reta final do seu acolhimento, ele celebra a recuperação dos vínculos familiares e sente o chamado de seguir evangelizando outros, assim como foi evangelizado:

“Graças a Deus, hoje eu tenho de volta o carinho, o amor e o respeito da minha família. Aqueles que antes me evitavam por causa da droga hoje me olham com orgulho. E eu só quero seguir esse caminho, levar essa chama da esperança a quem precisa. Aqui aprendemos a não parar — aprendemos a evangelizar com a própria vida.”

“A Fazenda mudou a minha vida” — Egberto Oliveira, 26 anos

Natural de Porto de Moz, Egberto Oliveira chegou à Fazenda da Esperança em Mosqueiro há pouco mais de um mês. Apesar do curto tempo, ele já sente como se estivesse ali há muito mais, tamanho o impacto que a convivência e a rotina comunitária tiveram em sua vida.

Natural de Porto de Moz, Egberto Oliveira chegou à Fazenda da Esperança em Mosqueiro há pouco mais de um mês
Natural de Porto de Moz, Egberto Oliveira chegou à Fazenda da Esperança em Mosqueiro há pouco mais de um mês. Foto: Carla Azevedo

“Eu estava passando por um momento difícil e algumas pessoas me indicaram a Fazenda. Fui muito bem recebido ainda lá fora, no escritório, e depois vim para cá. Desde então, a Fazenda mudou a minha vida. Aqui eu estou aprendendo a conviver com os outros, a ser mais solidário. A gente compartilha tudo, vive tudo junto. É uma experiência muito boa.”

Egberto conta que nunca teve uma ligação forte com a fé, mas foi na Fazenda que passou a descobrir a espiritualidade de forma prática e profunda:

“Eu não era muito ligado à religião, nem frequentava igreja. Mas aqui estou conhecendo mais a fé, aprendendo a rezar o terço, a meditar a Palavra de Deus. Isso me toca, me transforma. Já fui até graduado de casa, porque aqui a gente vai passando por etapas. Com um mês e meio, me reconheceram pelo esforço, e isso me deu ainda mais motivação.”

Ele relata que a decisão de vir não foi fácil — deixou para trás família, filho e responsabilidades materiais. Mas mesmo planejando ficar apenas três meses, hoje Egberto considera permanecer por mais tempo:

“Não foi fácil largar tudo. Meu pai, minha mãe, meu filho. Minha família mora longe. Mas eu precisava me reencontrar. Vim para passar só três meses, mas a convivência aqui está sendo tão rica, tão significativa, que agora eu penso em ficar mais. O tempo passa diferente aqui — parece que já estou há mais tempo, de tanta coisa que a gente vive junto.”

Atualmente, Egberto trabalha na parte da Fazenda que lida com doações, além de já ter passado por outras áreas. Para ele, cada tarefa é parte do processo de transformação:

“Comecei cuidando dos porcos, depois fui para o trator e hoje trabalho na Formosinha, onde a gente organiza as doações de alimentos e outros itens. Tudo aqui tem um propósito. Cada atividade ensina alguma coisa. A gente aprende a valorizar o que é simples.”

Impactos da vivência na Fazenda da Esperança

As histórias e vivências na Fazenda da Esperança causam impactos profundos. Mais do que um espaço de recuperação, é um lugar de ressurreição. Cada homem que passa por ali não apenas deixa para trás os vícios, mas renasce para uma vida com propósito, fé e dignidade.

“Só tenho a agradecer a Deus por todas as bênçãos” — Marlucio da Silva Gomes, 53 anos

Natural de Macapá (AP), Marlucio da Silva Gomes celebrou seu aniversário de 53 anos de uma forma inesquecível: acolhido na Fazenda da Esperança de Mosqueiro e tocado pela visita da imagem peregrina de Nossa Senhora de Nazaré.

Natural de Macapá (AP), Marlucio da Silva Gomes celebrou seu aniversário de 53 anos de uma forma inesquecível
Natural de Macapá (AP), Marlucio da Silva Gomes celebrou seu aniversário de 53 anos de uma forma inesquecível. Foto: Carla Azevedo

“Tenho 52 anos e, aliás, hoje estou completando 53. Olha a bênção! Vim fazer minha formação e fui acolhido aqui na Fazenda da Esperança em Mosqueiro. Graças a Deus, fui muito bem recebido. Sou católico, apostólico.

Tive problemas, como muitos irmãos que estão aqui, com a drogadição. Mas fui eu que resolvi procurar ajuda. Não foram meus familiares, embora muitas vezes eles tenham me pedido, me convidado. Mas eu nunca tinha sentido no coração esse desejo de mudança. Com o tempo, percebi que era hora de procurar a minha melhora.

Hoje eu vejo que não foram eles que se afastaram de mim — fui eu que me afastei deles. E principalmente de Deus. Mas Deus nunca se afasta da gente. Hoje eu reconheço isso com toda clareza.

Fui acolhido na Fazenda de Macapá no dia 30 de abril deste ano. E graças a Deus, pelo meu comportamento e pelo envolvimento nas atividades e terapias da fazenda, tive a oportunidade de vir para essa formação. Isso tem sido maravilhoso. Deus tem feito muitas maravilhas na minha vida.

Agora, acolhido aqui na Fazenda de Mosqueiro, fui surpreendido com uma bênção. O responsável, Sr. Luciano, anunciou que a fazenda tinha sido contemplada com a visita da imagem peregrina de Nossa Senhora de Nazaré. E isso justamente hoje, dia 27 de setembro — no dia do meu aniversário! Só tenho a agradecer a Deus por todas as bênçãos, e à Nossa Senhora por me trazer ainda mais esperança de uma vida nova.”