A internet não é uma terra sem lei, embora muitos ainda insistam em tratá-la como um grande boteco virtual onde se pode “falar o que quiser”. Mas atenção: o que se digita entre risadas e arroubos de “liberdade de expressão” pode custar caro — três vezes mais caro, para ser exato.
A legislação brasileira é clara: liberdade de expressão não cobre injúria, difamação nem calúnia. O que muitos confundem com “direito de opinião” é, na prática, crime contra a honra — e, quando cometido nas redes, a punição é agravada. O Artigo 141, §2º do Código Penal estabelece que “se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena.” Ou seja, o teclado é uma arma potente — e de tiro triplo. O que antes poderia render meses de detenção ou multa, agora pode se transformar em anos, dependendo da gravidade e da repercussão da ofensa.
DANO PERMANENTE
O legislador reconheceu algo simples: na internet, o dano não se limita ao tempo nem ao espaço. Uma calúnia publicada em rede social se espalha como pólvora — é permanente, global e instantânea. É por isso que o crime digital tem maior peso. A ofensa atinge milhares de pessoas em segundos e permanece disponível mesmo após exclusões ou retratações. Além disso, a rastreabilidade das publicações torna praticamente impossível se esconder atrás do anonimato. Endereço de IP, geolocalização, prints e registros de servidores formam um rastro digital incontestável — e suficiente para garantir a condenação.
Na prática, isso significa que cada comentário, meme ou “brincadeira” postada em rede social pode gerar processos cíveis e criminais, com indenizações por danos morais e até pena de prisão. Por isso, antes de “lacrar”, é melhor pensar duas vezes — e, em caso de conflito, procurar orientação jurídica antes de agir (ou reagir).
INTERNET NÃO É VALE TUDO VERBAL
Especialistas alertam que o Brasil precisa avançar na educação digital, para que os usuários compreendam que as redes sociais são espaços públicos, com leis e consequências. A tecnologia pode ter mudado, mas a regra é antiga: palavra dita tem dono, e palavra publicada tem rastro.
“A internet não é território livre nem vale-tudo verbal. A liberdade de expressão é um pilar da democracia, mas ela não é absoluta. Quando uma manifestação atinge a honra, a imagem ou a dignidade de alguém, ela deixa de ser um direito e passa a ser uma infração penal”, explica o advogado criminalista Rafael Diniz, especialista em crimes cibernéticos.
Para Diniz, o maior desafio é cultural: “Muita gente ainda acha que pode tudo porque está atrás de uma tela. Mas a Justiça já entende o contrário — e a conta, cedo ou tarde, chega.”
A internet potencializa vozes — inclusive as que ferem. Mas o Código Penal deixou claro: quem usa esse megafone para espalhar ofensas não está exercendo liberdade de expressão, e sim cometendo um crime multiplicado por três. Em resumo, na era digital, a regra é simples: o que é proibido na vida real continua proibido online. E, na dúvida, silêncio é ouro — e pode valer a sua liberdade.
IMUNIDADE PARLAMENTAR NÃO COBRE OFENSAS
Um exemplo recente é o do deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO), que responde a processos por calúnia, injúria e difamação após ataques contra pessoas e instituições nas redes. Em decisões recentes, a Justiça tem determinado que a imunidade parlamentar não cobre discursos ofensivos ou mentirosos, sobretudo quando propagados em plataformas digitais com ampla repercussão. No caso de Gayer, o Ministério Público e o Judiciário reforçaram que a liberdade de expressão não se confunde com o direito de ofender — especialmente quando o conteúdo visa destruir reputações e é disseminado para milhões de seguidores.
A fronteira entre crítica legítima e crime contra a honra é o ponto mais sensível desse debate. Críticas, ainda que duras, são parte do exercício democrático. Mas quando há atribuição falsa de crime (calúnia), ataque à reputação (difamação) ou ofensa à dignidade pessoal (injúria), o direito de opinar dá lugar ao dever de responder judicialmente.
Casos que mostraram que a internet tem dono e leiAntônia Fontenelle x Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso
A influenciadora e atriz Antônia Fontenelle foi condenada a pagar R$ 30 mil de indenização por danos morais após publicar vídeos ofensivos contra o casal de artistas. A Justiça entendeu que o conteúdo “ultrapassou os limites da liberdade de expressão” e configurou difamação.
Monark (ex-Flow Podcast)
O ex-apresentador Bruno Aiub, o Monark, foi condenado em ação civil pública e obrigado a pagar R$ 300 mil após falas consideradas discriminatórias e injuriosas durante transmissão ao vivo. A sentença destacou o alcance nacional e o poder de influência do conteúdo como agravantes.
“Caso do grupo de WhatsApp” – Minas Gerais
Uma moradora de Belo Horizonte foi condenada a indenizar em R$ 5 mil uma vizinha por comentários ofensivos feitos em um grupo de bairro. O juiz ressaltou que “as redes sociais e os aplicativos de mensagem também são espaços públicos sujeitos à lei”.
Influenciadora de Goiás x servidora pública
Em 2024, uma influenciadora goiana foi condenada por injúria racial após ofender uma servidora em vídeo no Instagram. A Justiça impôs pena de reclusão convertida em prestação de serviços comunitários e multa de R$ 15 mil.
Empresário em São Paulo x ex-funcionário
Um empresário foi condenado a pagar R$ 20 mil por danos morais após difamar um ex-funcionário em stories, acusando-o falsamente de furto. A decisão apontou calúnia e difamação e determinou retratação pública.