
Com a taxa de filhos por mulher alinhada à de países ricos, especialistas alertam para os limites biológicos da maternidade e a necessidade de planejamento da fertilidade.
O debate sobre a queda global da fecundidade e o futuro da estrutura populacional chegou ao centro da agenda da medicina reprodutiva no Brasil. O tema “Queda da fecundidade e sustentabilidade reprodutiva” abriu a programação do primeiro dia do 29º Congresso Brasileiro de Reprodução Assistida (CBRA), o maior evento da área na América Latina, promovido pela Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA).
A discussão reflete uma urgência demográfica: a Taxa de Fecundidade Total (TFT) do Brasil é de 1,57 filho por mulher (dado de 2023, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE). Esse índice está abaixo do nível de reposição populacional, que é de aproximadamente 2,1 filhos por mulher, o que contribui para o envelhecimento da população e acende um alerta.
A escolha do tema como principal para o congresso deste ano visa mobilizar a sociedade e o setor de saúde para atuar na conscientização populacional e na viabilização da continuidade da vida. “O relógio social mudou, mas o biológico não. Ao colocar o tema como eixo do congresso, mobilizamos médicos, gestores e formadores de opinião para um consenso: autonomia reprodutiva exige planejamento, educação e equidade de acesso”, afirma Emerson Cordts, presidente do CBRA.
O Alerta da Biologia e a maternidade tardia
O Brasil tem uma taxa de fecundidade alinhada à média de nações ricas, embora não seja economicamente um país desenvolvido. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a taxa brasileira de 1,57 é quase idêntica à média dos países da OCDE, de 1,5. Essa baixa taxa é a principal causa do rápido envelhecimento da população brasileira, um desafio que a maioria dos países ricos já enfrenta.
A crescente inserção da mulher nas universidades e no mercado de trabalho leva, muitas vezes, ao adiamento da maternidade. “A média de idade das pacientes que buscam reprodução assistida, hoje, é de 38 anos, enquanto na década de 1980 era de 30”, pontua José Gonçalves Franco Jr., professor livre-docente em Ginecologia e Obstetrícia pela Universidade de São Paulo e o primeiro presidente da SBRA em 1996.
No entanto, esse adiamento, fruto de uma mudança cultural e de conquistas femininas por mais protagonismo, esbarra nos limites biológicos. “A fertilidade da mulher atinge seu pico por volta dos 25 anos e, depois, começa a cair lentamente. Após os 35, essa queda se torna mais acentuada”, explica Franco Jr.
Um dos palestrantes do painel de abertura, o presidente da Federação Internacional das Sociedades de Fertilidade (IFFS), Marcos Horton, sugere que as mulheres podem tomar medidas preventivas, como verificar a reserva ovariana. “Quase todos os consultórios hoje têm ultrassom que pode realizar esse exame. Trata-se de uma ecografia que mede a quantidade de folículos nos ovários”, explica.
Planejamento Reprodutivo e Tecnologia
O conceito que os especialistas buscam promover é o da autonomia reprodutiva , garantindo que as pessoas possam ter o número de filhos que desejam, nas condições ideais. “Quando estudamos reprodução humana na faculdade, o tema era ‘planejamento familiar’, e sempre com foco na anticoncepção”, diz Alvaro Ceschin, presidente da SBRA. “Mas agora vivemos uma nova realidade. Precisamos falar também sobre planejamento reprodutivo: não apenas como evitar uma gestação, mas como planejar tê-la no momento certo, quando for possível, viável e desejado”, complementa.
A medicina reprodutiva é um instrumento fundamental para quem decidiu adiar a gestação. “Essa especialidade surge justamente como um apoio a essas pessoas, oferecendo alternativas como a criopreservação de óvulos, sêmen ou embriões , garantindo a possibilidade de gravidez mais adiante”, afirma Ceschin.
O Desafio do Acesso e da Desigualdade
Embora a tecnologia exista, ela ainda é restrita. “Dentro da América Latina, o Brasil é tecnologicamente avançado, mas o acesso ainda é restrito pelo custo do tratamento”, diz Horton. A decisão de ter filhos no Brasil é influenciada por grandes barreiras sociais. Mais da metade das pessoas com desejo de ter filhos indicam os obstáculos econômicos como o principal impedimento, segundo relatório do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Outro fator de peso é a sobrecarga das mães: o número de famílias chefiadas exclusivamente por mulheres subiu 17,8% na última década (2012-2022), totalizando 11,3 milhões em 2022, de acordo com o IBGE.
“Os países que adotam políticas de sustentabilidade reprodutiva entendem outras necessidades: políticas pró-natalidade com incentivos fiscais e pacotes de apoio, além de acesso integral aos serviços de fertilidade e educação reprodutiva”, conta Marcos Horton.
Também contribui para o cenário, a falta de informação sobre fertilidade como, por exemplo, a redução do potencial reprodutivo a partir dos 35 anos. “É uma questão que segue como entrave silencioso para quem deseja ter filhos. É fundamental que os governos informem sua população não só sobre como evitar uma gravidez indesejada, mas também sobre como preservar a fertilidade. Educação reprodutiva e acesso aos serviços fazem diferença”, pontuou o especialista.
Emerson Cordts, presidente do CBRA 2025, concorda: “estamos em um cenário onde as taxas de fecundidade vêm caindo de forma progressiva e a economia global enfrenta desafios para gerir os efeitos do “de-growth” populacional. Por isso, é fundamental promover a conscientização social deste tema e propor uma discussão junto aos líderes governamentais, para buscarmos soluções eficientes para lidar com este momento”.
Destaques da programação
Com uma estrutura robusta distribuída entre o Ballroom e o Teatro do WTC, o CBRA 2025 contará até o dia 8 com simpósios, fóruns e painéis de discussão sobre temas como genética, epigenética, novas tecnologias, diversidade, inteligência artificial e acessibilidade. Serão mais de 2,5 mil participantes e palestrantes nacionais e internacionais, entre eles: Christina Hickman – pioneira global na aplicação de IA aos cuidados de fertilidade, Giles Palmer – Diretor Executivo da International IVF Initiative e Diretor de Comunicação Global da IVF 2.0 Ltd, Natalia Basile – embriologista sênior e diretora de desenvolvimento na clínica WeFIV e Samuel Ribeiro – Diretor Clínico do IVIRMA Lisboa.
O Congresso também terá uma sala destinada a tratamento cirúrgicos minimamente invasivos em ginecologia, o Hysterolatam; e também um espaço destinado aos estudantes de medicina, biomedicina, enfermagem e nutrição com interesse na área de reprodução assistida. Além disso, a programação científica foi cuidadosamente segmentada para atender às demandas de múltiplas áreas da saúde, incluindo: Clínica, Embriologia, Psicologia, Enfermagem e Nutrição. Essa estrutura multiprofissional reforça o compromisso do evento com uma abordagem integrada e colaborativa, refletindo a complexidade do cuidado em reprodução humana.