
Estudo do CEUB mostra que cada vez mais brasileiros descobrem outros caminhos após o fim de relacionamentos longos
Até que a morte os separe — ou não? Cada vez mais homens e mulheres decidem encerrar uniões estáveis mesmo após décadas de casamento. Embora faltem estatísticas consolidadas no Brasil, as histórias se multiplicam e mostram que nunca é tarde para buscar a felicidade. Pesquisa do Centro Universitário de Brasília (CEUB) revela que o chamado Gray Divorce, ou “divórcio grisalho”, carrega sentimentos contraditórios: da solidão ao alívio, da ruptura dolorosa ao entusiasmo por recomeçar. Apesar do impacto social, muitas pessoas se reinventam em atividades como dança, estudos, viagens e novos relacionamentos.
Responsável pela pesquisa, a psicóloga recém-formada pelo CEUB, Manuela Borges, explica que o termo Gray Divorce descreve a crescente onda de separações entre pessoas acima dos 50 anos, já amplamente conhecida nos Estados Unidos e que começa a ganhar relevância no Brasil. Segundo ela, especialistas associam o fenômeno ao fim do estigma social em torno do divórcio, à síndrome do “ninho vazio” e à busca por realização pessoal em uma fase da vida marcada por mais autonomia e expectativa de longevidade.
Para realizar o estudo, Manuela entrevistou homens e mulheres entre 61 e 90 anos, todos divorciados depois dos 60. O objetivo era compreender os impactos da separação tardia nas relações familiares, sociais e na adaptação individual. “Os relatos revelaram uma mistura de sentimentos que vai da solidão angustiante à sensação libertadora de recomeçar”, afirma.
Entre os depoimentos colhidos, um entrevistado confessou que, logo após a separação, questionava se “fazia sentido alguém de 60 anos se divorciar”, como se estivesse julgando a si mesmo. Outro relatou ter encontrado em aulas de dança não só novos amigos, mas também uma nova paixão. Houve ainda quem buscou nos estudos a oportunidade de preencher o tempo. “Muitos disseram que antes se sentiam como uma metade. Com o divórcio, começaram a se reconstruir até se sentirem novamente inteiros”, descreve a pesquisadora.
Entre a dor e a reinvenção
Se, para os entrevistados, o divórcio representou um recomeço, para familiares e amigos a reação inicial foi, muitas vezes, de choque e resistência. De acordo com o estudo do CEUB, não foram raros os episódios de espanto, incompreensão e até afastamento. Com o tempo, porém, parte da família reconheceu a melhora na qualidade de vida dos pais ou parentes. “A família não espera uma separação depois de 30 ou 40 anos. Esse choque inicial vem carregado de angústia, mas pode se transformar em compreensão ao perceber os benefícios da decisão”, avalia a orientadora e professora de Psicologia do CEUB Izabella Melo.
Os fatores que adiaram a decisão do divórcio também chamam atenção: preservar a imagem social do casal, cumprir compromissos profissionais e esperar os filhos crescerem foram os mais recorrentes. Paradoxalmente, a saída dos filhos de casa acabou funcionando como gatilho para muitos se separarem. “O contexto em que esses casais se formaram, nos anos 1970, era outro. O divórcio era tabu. Hoje, com maior independência, sobretudo das mulheres, e a perspectiva de uma vida mais longa, eles sentem que não precisam permanecer em relações insatisfatórias”, contextualiza Izabella.
Novos caminhos após os 60
A solidão foi apontada como o desafio mais marcante enfrentado pelos divorciados, sobretudo no início da nova rotina. Na contramão, muitos entrevistados relataram abertura inesperada para novas experiências, sejam amizades, hobbies ou relacionamentos amorosos. “O casamento constrói um ‘nós’. A separação exige a reconstrução do ‘eu’. É doloroso, mas profundamente transformador. Essas pessoas sabem o que querem e não têm mais tempo a perder”, resume a pesquisadora.
A pesquisa conclui que, mesmo diante das dores e rupturas, os idosos conseguiram se reinventar e encontrar novos sentidos para a vida. Para a psicóloga do CEUB, ainda há muito a ser explorado no Brasil, país marcado por fortes tradições religiosas e pelo simbolismo do casamento: “Como desdobramento, pretendo ampliar a pesquisa, comparar experiências de homens e mulheres e incluir recortes socioeconômicos. Mas, desde já, as histórias mostram que nunca é tarde para recomeçar”.