Os voos secretos de Daniel Santos e Zequinha Marinho: denúncia envolve empresa milionária da Saúde
Os voos secretos de Daniel Santos e Zequinha Marinho: denúncia envolve empresa milionária da Saúde

A Altamed Distribuidora de Medicamentos, que possui contratos milionários com a Prefeitura de Ananindeua, estaria cedendo aviões para que o prefeito Daniel Santos e o senador Zequinha Marinho viajem a municípios paraenses para possíveis articulações políticas, às vésperas das eleições do ano que vem. A empresa recebeu mais de R$ 26,8 milhões da Administração do prefeito, entre 2021 e o último dia 2. Segundo o advogado Giussepp Mendes, o autor da denúncia, só nos últimos dois meses o prefeito teria visitado 10 municípios nesses aviões.

O dono da Altamed, Silvair Dias Ladeira Júnior, foi um dos denunciados à Justiça pelo MPPA, no último dia 3, por suposto envolvimento em um esquema de corrupção, fraudes licitatórias e lavagem de dinheiro, que seria comandado pelo prefeito. Silvair e Daniel são vizinhos em um condomínio de luxo, em Ananindeua. Na denúncia que protocolou no MPPA, Giussepp Mendes aponta indícios de irregularidades que podem resultar em até 11 anos de prisão para os supostos envolvidos.

Entre elas, atos de improbidade administrativa, “por enriquecimento ilícito, dano ao erário e violação dos princípios da Administração Pública”; infrações à Lei das Licitações, com o possível “favorecimento indevido” à empresa, para a obtenção de contratos; e o possível enquadramento na Lei Anticorrupção, por “atos lesivos” à Administração Pública, como desvio de recursos e ocultação patrimonial. Segundo ele, o uso desses aviões pode indicar a continuidade dos crimes apontados pela Operação Hades, que desbaratou o esquema criminoso que seria comandado pelo prefeito.

O caso foi denunciado em um programa jornalístico da rádio Joven Pan, no último 26 de setembro. Segundo o programa, o prefeito estaria realizando viagens “de caráter político”, pelo interior do Pará, em um avião da Altamed. A aeronave teria sido adquirida em junho, após “uma parceria” firmada entre Daniel Santos (PSB) e Zequinha Marinho (Podemos), provavelmente em torno das próximas eleições. Um dos fatos nebulosos dessa história, conforme a denúncia, é a maneira como essa aeronave estaria sendo cedida a Daniel e Zequinha, já que ela está proibida, pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), de servir de táxi aéreo.

Giussepp Mendes resolveu investigar o caso e descobriu que o escândalo pode ser ainda maior. Primeiro, devido aos recursos pagos à Altamed pela Prefeitura: mais de R$ 26,8 milhões, dos quais quase 80 por cento do ano passado para cá, quando o MPPA apertou o cerco a Daniel, e o Hospital Santa Maria, que pertence ou pertenceu a ele, teve os bens bloqueados, incluindo um avião. Segundo, porque seriam dois os aviões cedidos pela Altamed, para as viagens do prefeito e do senador. Só que, segundo a ANAC, a Altamed não é a proprietária dessas aeronaves e nem sequer a “operadora” delas: a entidade com direito de uso desses aparelhos. 

O primeiro avião é um modelo PA-28R-200, matrícula PT-JTF, fabricado pela Piper Aircraft, com 4 assentos, e o proprietário é Luiz Miguel dos Santos Machado. O segundo é um modelo BEM-810D, matrícula PT-VQS, fabricado pela Embraer, com 7 assentos, e o proprietário é Joana Dark Stoco. Eles estão registrados como aeronaves para serviço privado e tiveram operação negada para táxi aéreo, além de possuírem “gravame com cláusula de reserva de domínio”. Ou seja: podem ter servido de garantia em alguma transação financeira, ou podem até estar bloqueados judicialmente.

Ambos têm como “operadora” a empresa JR Participações e Investimentos, que pertence a Silvair Dias Ladeira Junior. O empresário e a mãe dele são os donos da Altamed. Há várias evidências de que as duas empresas pertencem ao mesmo grupo econômico. Elas funcionam no mesmo endereço: um prédio na Estrada do Curuçambá, 50, no bairro do Maguari. A única diferença é que a JR Participações diz ocupar a “sala 01, Galpão Industrial” daquele imóvel, cuja fachada tem a logomarca da Altamed. Além disso, é Silvair quem assina os contratos milionários da Altamed com a Secretaria Municipal de Saúde de Ananindeua, a Sesau.

Na Operação Hades, o MPPA apontou indícios de que a JR Participações teria sido usada para a lavagem de dinheiro “de crime de corrupção passiva”, oriundo dos contratos entre a Altamed e a Prefeitura. A JR Participações teria pagado propina ao prefeito, através da quitação de uma parcela de R$ 300 mil, da fazenda que ele comprou no município de Aurora do Pará. Giussepp Mendes enfatiza que os registros da ANAC, apresentados na reportagem da Joven Pan, deixam claro que essas aeronaves não podem ser usadas em serviços remunerados.

E enfatiza que o uso delas “em benefício pessoal e político de agentes públicos, em especial de gestor responsável (o prefeito) por contratos milionários mantidos com a empresa titular do registro, indica troca de favores ilícita e vantagem indevida, em afronta à legislação penal e administrativa”. Destaca, ainda, que a Altamed não foi alvo “apenas” da Operação Hades: ela também é investigada pela Operação Higia, da Polícia Federal, que apura possíveis fraudes na área da Saúde, em licitações e contratos de prefeituras paraenses.

Na denúncia, ele pede que o MPPA requisite à ANAC e ao Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) todos os planos de voo, listas de passageiros, dados das tripulações, rotas, horários, matrículas, registros de abastecimento desses aviões, nos últimos 12 doze meses. E que requeira as imagens de câmeras de segurança dos pátios e hangares onde ocorreram os pousos e decolagens. Pede, ainda, que o MPPA solicite informações a um hangar, localizado em Goiânia, capital do estado de Goiás, onde o prefeito, “segundo relatos”, teria escondido uma aeronave de propriedade dele, para driblar o bloqueio de bens determinado pela Justiça.

O advogado também sugere que o MPPA peça à Justiça a quebra dos sigilos telefônicos, de email, fiscais e bancários de Daniel Santos e de todas as empresas de Silvair, nos últimos 12 meses. E que o MPPA solicite à Justiça mandados de busca e apreensão para as sedes dessas empresas e para as residências do prefeito e do empresário. Segundo ele, “tais medidas são fundamentais para o completo esclarecimento dos fatos, preservação das provas e responsabilização dos envolvidos, sendo justificadas pela existência de indícios consistentes de irregularidades, alinhando-se ao dever do Estado de resguardar o patrimônio público e garantir a probidade administrativa”.

Aqueronte e Hades contra Orcrim

A denúncia ajuizada contra o prefeito Daniel Santos, no último dia 3, teve por base as operações Aqueronte e Hades, realizadas de setembro do ano passado para cá. O MPPA afirma que Daniel, cinco empresários e dois ex-servidores públicos cometeram crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, fraudes licitatórias e organização criminosa. Os empresários são donos de 7 empresas que possuem ou possuíram contratos milionários com a Prefeitura de Ananindeua. Eles teriam pagado propinas ao prefeito, ajudando-o a adquirir cerca de R$ 30 milhões em bens. As fraudes licitatórias ultrapassam R$ 115 milhões.

Dos 5 empresários, 3 são vizinhos do prefeito em um condomínio de luxo, em Ananindeua. Lá também reside o ex-secretário municipal de Saneamento, Paulo Roberto Cavalleiro de Macedo, também denunciado, e que foi afastado do cargo, por ordem judicial, no ano passado. Os outros denunciados são: Manoel Palheta Fernandes, ex-presidente da Comissão Permanente de Licitação (CPL); e os empresários Danillo da Silva Linhares, Ronaldo da Silva de Souza, João Alfredo de Melo Martins, Márcio dos Anjos Rosa e Silvair Dias Ladeira Júnior.

Entre os bens que teriam sido adquiridos pelo prefeito com a ajuda de propinas estariam um avião, que custou R$ 10, 9 milhões; 3 fazendas, no município de Tomé-Açu, que somam 3.800 hectares (o equivalente a mais de 5.300 campos de futebol), adquiridas por R$ 16 milhões; uma fazenda de 300 hectares, no município de Aurora do Pará, que custou R$ 1,4 milhão; uma retroescavadeira de R$ 870 mil; e quase R$ 1,2 milhão em óleo diesel (ou 220 mil litros a preços de hoje).