“Quando caí do Céu”

Juliane Koepcke: adolescente 'caiu do céu' e enfrentou a selva amazônica

O avião, um Electra de 4 motores à hélice, que já partira com sete horas de atraso conforme conta a própria Juliane, foi atingido por um raio em meio a uma tempestade.

Décadas mais tarde, a sobrevivente voltou ao local da tragédia ao lado do cineasta Werner Herzog, experiência que transformou em documentário que acabou sendo chamado de “Asas da Esperança”. Foto:
Décadas mais tarde, a sobrevivente voltou ao local da tragédia ao lado do cineasta Werner Herzog, experiência que transformou em documentário que acabou sendo chamado de “Asas da Esperança”. Foto:

Na véspera do Natal de 1971, o que deveria ser uma simples viagem de avião para encontrar a família transformou-se em uma das mais impressionantes histórias de sobrevivência já registradas. A jovem germano-peruana Juliane Koepcke, então com 17 anos, sobreviveu a um acidente aéreo devastador e a uma queda de três mil metros de altura, apenas para enfrentar, sozinha, uma jornada de dez dias pela selva amazônica.

A bordo do voo 508 da companhia aérea peruana Lansa, Juliane viajava com a mãe, de Lima, pouco antes das 12h do dia 24 de dezembro em direção a Iquitos, no interior do Peru. A viagem de Juliane tinha como destino final passar o Natal com o pai, zoólogo, em uma estação de pesquisa na selva amazônica perto da cidade de Pucallpa, a primeira escala desse voo.

O avião, um Electra de 4 motores à hélice, que já partira com sete horas de atraso conforme conta a própria Juliane, foi atingido por um raio em meio a uma tempestade. Em questão de minutos, a aeronave se desintegrou no ar com 91 pessoas a bordo. Ela estava sentada ao lado da janela, no lado direito do avião, e repente se viu em queda livre, presa no assento triplo. 

O QUE A PRÓPRIA JULIANE CONTOU SOBRE O OCORRIDO

“Os passageiros estavam bem irritados porque o voo estava 7 horas atrasado, mas isso era normal no Peru. Mas quando entramos no avião, tudo parecia estar bem”, disse Juliane ao programa Outlook da BBC em 2012.

“Trinta minutos após a decolagem nos serviram um sanduíche, um lanchezinho, e, de repente, entramos em nuvens muito pesadas e escuras. As nuvens cobriram o avião alguns minutos depois. Estávamos no meio de uma tempestade muito, muito forte”.

“O avião estava pulando para cima e para baixo. A turbulência era muito, muito forte. Estava muito escuro ao nosso redor. E víamos relâmpagos ao redor do avião. Eu e minha mãe estávamos segurando as mãos uma da outra, completamente mudas”.

O caos se instalou entre os passageiros – “Passageiros começaram a chorar e a gritar. E os bagageiros em cima dos passageiros se abriram e tudo começou a cair. Pacotes, presentes, flores, bolos de Natal. (…) Depois de cerca de 10 minutos ou um pouco mais no meio dessa tempestade, vi uma luz muito, muito brilhante no motor externo direito da aeronave. E naquele momento minha mãe disse com muita calma: ‘é o fim, agora está tudo acabado’. E essas foram as últimas palavras que ouvi dela”.

“A partir daquele momento tudo aconteceu muito, muito rapidamente. O avião deu um salto e começou a cair. E eu me lembro até hoje das pessoas gritando desesperadamente. Estava escuro como breu ao nosso redor, e eu ouvia o rugido dos motores do avião em queda livre. (…) Foi um barulho que encheu minha cabeça completamente. E então, de um momento para o outro, tudo isso acabou, tudo isso parou. E eu estava fora do avião”.

Ela acabou perdendo a consciência. “Lembro claramente que me senti completamente sozinha naquele momento, em queda livre. Estava presa pelo cinto de segurança ao banco, de cabeça para baixo. E me lembro do sussurro do vento. Foi o único barulho que notei. Eu vi a copa da selva girando abaixo de mim. E então, perdi a consciência”.

MANHÃ SEGUINTE

Contra todas as probabilidades, Juliane acordou na manhã seguinte sobre a vegetação amazônica. Especialistas acreditam que a combinação do assento triplo, ao qual estava presa, pode ter funcionado com um paraquedas em meio a correntes ascendentes de ar provocadas pela forte tempestade, além do impacto amortecido pelas copas das árvores. 

Mas as marcas do acidente eram profundas: concussão grave (lesão cerebral traumática mais severa), clavícula quebrada, rompimento do ligamento de um dos joelhos, cortes, sendo alguns profundos nos braços e nas pernas.

“Eu estava bem tonta e não conseguia ficar de pé. Rastejei pelo chão e tentei procurar minha mãe. Gritei em espanhol, em alemão e também em inglês. E só ouvia as vozes da selva. Não achei ninguém. Eu estava completamente sozinha. Foi uma sensação bem desesperadora”.

O conhecimento adquirido na estação de pesquisa dos pais zoólogos foi essencial para sua sobrevivência. Mesmo machucada, usando apenas um mini vestido de verão sem mangas e a sandália do pé esquerdo – porque tinha perdido a outra –, ela seguiu andando pela floresta.

Ela chegou a ouvir, algumas vezes, o barulho de aviões sobrevoando a selva, que provavelmente estavam à procura da aeronave perdida, mas que ela não tinha como chamar a atenção deles. Para ela, foi desesperador; não tinha como ser avistada por eles. Além do local ser o extremo oposto a depender da hora do dia: a noite muito frio e de dia muito quente.

QUARTO DIA

Juliane seguiu andando pela floresta, se alimentando apenas das balas e doces que tinha encontrado em um saco plástico perto de onde tinha caído. Esses doces duraram até o quarto dia. Nos sete dias seguintes ela não tinha o que comer. Por outro lado, havia bastante água, pois passou a seguir a beira de um riacho que encontrou pelo caminho.

“No quarto dia, ouvi o barulho de um urubu-rei pousando. Eu conhecia aquele barulho, da estação de pesquisa dos meus pais. Fiquei bastante apreensiva, porque sabia que eles só pousam quando há muita carniça”.

Foi ali que ela deparou-se com corpos de outros passageiros.

“Numa pequena curva do riacho encontrei um assento triplo do avião, encravado no chão. O impacto com o solo foi tão forte que abriu um buraco de quase 1 metro. Os três passageiros sentados ali morreram imediatamente, o que de certa forma foi um alívio – achei que pelo menos eles não tinham sofrido. Mas foi a primeira vez na vida que vi cadáveres. Não sabia o que fazer. Fiquei paralisada de pânico”.

DÉCIMO DIA

Nos dias seguintes ao acidente, Juliane lutava cada vez mais contra a fome e o cansaço. No décimo dia de caminhada, já sem forças para permanecer de pé, seguiu o curso de um rio maior, sentindo-se sozinha e à beira de desistir. Foi nesse momento de fragilidade que avistou algo inesperado: um barco encostado na margem. A princípio pensou ser uma alucinação, mas ao se aproximar percebeu que era real, e esse encontro devolveu a ela a esperança de sobreviver.

Perto dali, encontrou uma cabana simples, coberta por folhas de palmeira. Exausta, decidiu passar a noite no local. Estava ferida e sofria com uma infecção no braço, infestada por larvas. Lembrando-se de um tratamento improvisado feito por seu pai em um cachorro, usou querosene de um motor de popa para expulsá-las. “Foi uma dor fortíssima. Mas os vermes finalmente saíram da ferida – consegui tirar cerca de 30 larvas. E fiquei bastante orgulhosa disso”, disse.

No dia seguinte, a jovem permaneceu no abrigo devido à forte chuva. No fim da tarde, ouviu vozes humanas e foi surpreendida por um grupo de pescadores. “Foi como ouvir as vozes de anjos”, recordou. Eles cuidaram de seus ferimentos, ofereceram comida e no dia seguinte a levaram de barco até um povoado.

O grupo viajou por várias horas até um assentamento. Juliane foi levada de avião a um hospital em Pucallpa, onde recebeu tratamento e se encontrou com seu pai.

Com as informações que forneceu, as equipes de busca localizaram os corpos das vítimas, incluindo o de sua mãe. Décadas mais tarde, a sobrevivente voltou ao local da tragédia ao lado do cineasta Werner Herzog, experiência que transformou em documentário que acabou sendo chamado de “Asas da Esperança”, e que ela descreveu como uma verdadeira terapia. 

ANOS DEPOIS

Depois de recuperada, Juliane Koepcke viajou pela primeira vez, à Alemanha, país de seus pais e onde sua incrível história despertou grande interesse da mídia. Acabou ficando e se formou em biologia. Após a morte de seu pai, ela trabalhou por um tempo no comando da estação de Panguana no Peru e, depois, voltou para a Alemanha. Em 2011, lançou uma autobiografia, chamada “Quando caí do Céu”.