DIAGNÓSTICO

Casais com transtornos mentais compartilham diagnósticos

Algumas pessoas lavam as mãos compulsivamente dezenas de vezes por dia. Outras lutam contra a depressão e mal conseguem sair da cama

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Algumas pessoas lavam as mãos compulsivamente dezenas de vezes por dia. Outras lutam contra a depressão e mal conseguem sair da cama. Há também quem enfrente pensamentos acelerados, difíceis de controlar.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 1 bilhão de pessoas no mundo vivem com algum tipo de transtorno mental. Embora o número pareça alto, indica que a maioria da população global é considerada mentalmente saudável.

Um estudo publicado em agosto na revista Nature Human Behaviour revelou que pessoas com transtornos mentais tendem a se relacionar com parceiros que compartilham diagnósticos semelhantes. Os pesquisadores analisaram dados de 15 milhões de indivíduos em países como Dinamarca, Suécia e Taiwan.

Entre os quadros analisados estão esquizofrenia, transtorno bipolar, depressão, ansiedade, TDAH, autismo, TOC, anorexia e abuso de substâncias. A descoberta: quando uma pessoa apresentava um desses transtornos, a chance de o parceiro também ter algum, muitas vezes o mesmo, era significativamente maior.

“Presumíamos que, quando alguém sofre de ansiedade ou depressão, essa pessoa procura um parceiro que transmitisse estabilidade e segurança, mas acontece exatamente o contrário”, afirma Robert Plomin, professor de genética comportamental no King’s College de Londres, que não participou da pesquisa.

Embora critique a forma como os dados foram apresentados no estudo, Plomin reconhece a força do resultado, dada a ampla amostragem.

Padrão global: similaridades na Europa e na Ásia

A pesquisa também investigou se esse padrão de escolha de parceiros se repete em diferentes culturas. Para isso, foram analisados registros de mais de 50 anos em Taiwan, além de dados da Dinamarca e Suécia.

O resultado surpreendeu: mesmo com grandes diferenças culturais, o padrão se manteve quase idêntico. Em Taiwan, porém, casais apresentaram taxas mais altas de transtornos obsessivo-compulsivos, bipolares e anorexia do que nos países europeus.

Outro ponto importante: para a maioria dos transtornos, a chance de os dois parceiros compartilharem o mesmo diagnóstico se manteve estável ao longo das décadas. Em casos como abuso de substâncias, essa probabilidade até aumentou.

Por que isso acontece?

O estudo sugere três hipóteses:

  1. Identificação pessoal: a busca por alguém que compreenda e compartilhe a experiência;
  2. Ambiente compartilhado: ambos desenvolvem os transtornos juntos;
  3. Estigma social: limita as opções de relacionamento.

A explicação mais aceita, segundo o autor da pesquisa, Chun Chieh Fan, é a da “escolha assortativa”, em que pessoas se aproximam por características semelhantes, inclusive psicológicas. Isso pode incluir uma maior empatia mútua ou afinidades positivas, como a criatividade.

No entanto, o estudo não determina se o transtorno mental precede ou surge após o relacionamento, nem se essas relações são mais ou menos saudáveis do que outras.

Impacto nos filhos

Uma das descobertas mais relevantes do estudo está relacionada às crianças. Quando ambos os pais têm o mesmo transtorno mental, os filhos têm o dobro de risco de desenvolver uma condição semelhante.

“A transmissão de um transtorno mental se intensifica por meio da escolha do parceiro”, alerta Fan. O efeito foi mais evidente em casos de esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar e dependência química.

A conclusão é clara para especialistas: o tratamento de transtornos mentais deve considerar toda a família. Parceiros e filhos também podem se beneficiar de terapia e acompanhamento psicológico.