O crescimento desordenado das metrópoles, frequentemente marcado por inundações, segregação social e crises climáticas, tem impulsionado a busca por um novo modelo de desenvolvimento que integre proteção ambiental, bem-estar social e viabilidade econômica. Conhecido como Urbanismo Sustentável, este modelo emerge como a chave para repensar o planejamento urbano, integrando as dimensões ambiental, social e econômica.
Para compreender mais claramente o conceito de Urbanismo Sustentável, o diretor-adjunto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará (FAU/UFPA), José Júlio Ferreira Lima, considera fundamental entender, antes de tudo, a abordagem de cada termo. Ele explica que urbanismo “refere-se à vida nas cidades e ao planejamento das funções econômicas, sociais, políticas e ambientais no modo como ocupamos o espaço urbano”, o que necessariamente envolve ações de intervenção territorial e políticas públicas que proporcionem oportunidades para que as pessoas tenham qualidade de vida nas diversas dimensões que compõem a cidade.
Já o termo sustentabilidade remete a uma trajetória longa. “Inicialmente, seu significado estava mais restrito ao campo ambiental, especialmente nos anos 1990. Desde então, o conceito se expandiu, incorporando outras dimensões, relacionando questões ambientais à conservação e, mais recentemente, à mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e das condições provocadas pela exploração econômica nas cidades”.
Neste sentido, em sua essência, o urbanismo sustentável busca garantir as condições ambientais e modos de vida que permitam a redução da emissão de gases do efeito estufa. Contudo, seu escopo é mais amplo, abrangendo também a garantia de justiça ambiental e o combate ao racismo ambiental. “Em um sentido mais amplo, inclui a oferta de infraestrutura que possibilite mais oportunidades de emprego, por meio de deslocamentos eficientes para trabalho e educação, e condições de aproveitamento econômico dos espaços urbanos sem comprometer aspectos como saneamento, uso de recursos hídricos e uso responsável do solo”.
Conciliando Crescimento Urbano e Proteção Ambiental
A grande questão para os planejadores, portanto, está em como conciliar o inevitável crescimento urbano com a proteção ambiental. Para o professor José Júlio Ferreira Lima, a solução reside em ações que garantam que a intensidade do uso do solo seja compatível com a capacidade de suporte da infraestrutura urbana. “O crescimento extensivo ou espraiamento urbano, com grandes loteamentos residenciais ou condomínios fechados sem atenção às nascentes e aos cursos d’água, e que exigem grandes deslocamentos diários, pode comprometer seriamente o meio ambiente”, alerta.
Dessa forma, para melhorar a qualidade de vida, especialmente em áreas vulneráveis como favelas e baixadas, o professor avalia que projetos de requalificação urbana devem priorizar padrões de densidade construtiva adequados às condições naturais do local. Isso envolve a criação de projetos habitacionais com qualidade arquitetônica e a oferta de espaços públicos de qualidade, que se integrem bem com o entorno.
Ele aponta, ainda, que é importante prever equipamentos urbanos essenciais (como escolas, creches e postos de saúde) com acesso facilitado, sem que a população dependa exclusivamente de veículos automotores. “Além disso, é fundamental preservar áreas verdes existentes, promover o plantio de novas árvores e adotar soluções baseadas na natureza para pavimentação, garantindo a permeabilidade do solo e respeitando o desenho das bacias de drenagem”.
Exemplos Práticos e Inovação
Diversas cidades já implementam soluções que unem viabilidade econômica e inclusão social. Um exemplo apontado pelo especialista é a utilização de instrumentos de cobrança pela densificação construtiva via zoneamento do solo, devolvendo à sociedade benefícios que compensem os custos ambientais.
No Plano Diretor de São Paulo, por exemplo, o instrumento denominado “cota de solidariedade” obriga grandes empreendimentos imobiliários a destinar parte de sua área construída para habitação de interesse social, o que contribui não só com a redução do déficit habitacional, mas também com a promoção de maior inclusão social.
“No âmbito local, soluções baseadas na natureza incluem jardins de chuva, telhados verdes, parques lineares em margens de rios e igarapés, restauração de encostas e projetos de agricultura urbana. Essas iniciativas utilizam processos naturais para aumentar a resiliência das cidades e comunidades a eventos climáticos, gerando também benefícios ambientais, sociais e econômicos”, aponta.
“Entre os exemplos brasileiros, destacam-se os jardins de chuva do Parque JK e do Parque Municipal Fazenda Lagoa do Nado, em Belo Horizonte, que, além de servirem como espaços públicos de lazer e contato com a natureza, contribuem para reduzir o risco de inundações, melhorando a permeabilidade do solo”.
Outro caso citado pelo professor é o dos telhados verdes em paradas de ônibus de Salvador (BA). Os jardins instalados sobre pontos de ônibus e prédios públicos ajudam a reduzir a temperatura local, especialmente em períodos de calor intenso, fortalecendo a resiliência climática.
Desafios e Soluções na Amazônia
Desafios na Amazônia
Para a Região Amazônica, que enfrenta um clima equatorial de altas temperaturas e umidade elevada, o urbanismo sustentável exige estratégias adaptadas. José Júlio Ferreira Lima considera que é fundamental qualificar os espaços públicos com sombreamento, além de garantir a permeabilidade do solo, utilizando revestimentos que absorvam água em áreas públicas e privadas, como a manutenção de quintais não pavimentados. “Do ponto de vista do planejamento de infraestrutura, é preciso romper ciclos de investimento apenas em áreas já consolidadas, garantindo manutenção preventiva, revertendo prioridades para compensar o aumento da densidade construtiva com instrumentos de financiamento que beneficiem áreas mais vulneráveis. Assim, é possível articular políticas de geração de emprego na bioeconomia com habitação para populações à margem do mercado formal”.
O Papel da Academia
E essa transição da teoria para a prática do urbanismo sustentável encontra soluções inovadoras nas universidades e centros de pesquisa, como é o caso da própria UFPA. O professor avalia que as instituições de ensino e pesquisa podem colaborar estudando soluções para o ordenamento territorial alinhadas às exigências ambientais dos biomas locais.
“No caso da Amazônia, isso inclui pesquisas voltadas para soluções inovadoras e adequadas ao contexto regional, tanto no campo dos princípios de projeto quanto na formulação de propostas de regulação urbanística que promovam equidade social e ambiental, como é o caso de pesquisa sobre os Planos Diretores Urbanos e a dinâmica econômica e social das cidades”.