
A cada semana que passa, fica mais evidente que a COP30 não é apenas um desafio logístico ou diplomático para o Brasil é, sobretudo, uma guerra de narrativas. E nessa guerra, a grande imprensa brasileira decidiu escolher seu inimigo: Belém.
Nos últimos meses, assistimos a uma avalanche de notícias falsas, distorcidas ou simplesmente mal apuradas. Um exemplo clássico é a chamada “Avenida Liberdade”, que liga a Perimetral à Alça Viária em Marituba. Manchetes e comentários insinuaram que a obra estaria diretamente ligada à COP30, construída às pressas para “melhorar a infraestrutura” da capital paraense. Tudo mentira. A avenida não passa por áreas turísticas, não tem ligação com os espaços oficiais do evento e sequer se conecta à rede hoteleira central de Belém. Mais uma vez, a desinformação venceu o compromisso com a verdade.
Outro espetáculo patético foi o estardalhaço sobre os preços de hospedagem. Usaram anúncios amadores de plataformas não oficiais para reforçar a narrativa de caos, como se esse fenômeno não tivesse ocorrido em qualquer outro evento mundial de grande porte. Ignoraram, convenientemente, que já existem iniciativas locais para criar uma plataforma oficial que organiza e coíbe abusos. Mas claro, admitir organização não dá manchete.
A mesma imprensa que ridicularizou a alternativa de hospedagem em motéis e sim, como se empreender fora da lógica tradicional fosse um erro, também tratou com deboche a proposta de apoio de transatlânticos em Outeiro. Como se fosse um custo absurdo, quando na verdade trata-se de uma solução inteligente: fortalece a infraestrutura da ilha, não cria elefantes brancos e ainda deixa legado turístico permanente para a região. Mas isso, claro, não rende cliques nem alimenta o preconceito.
E chegamos à cereja do bolo. A edição da revista Veja, de 26 de setembro de 2025, trouxe a manchete de capa “Desafio Amazônico”. À primeira vista, parecia uma chamada honesta: o Brasil correndo contra o tempo para entregar a COP30. Mas bastou chegar ao fim da carta ao leitor para o vexame aparecer. Lá, os editores afirmam que, superados os problemas, Belém ganharia um legado com “a modernização do sistema de trens metropolitanos”. Trens metropolitanos? Desde quando Belém tem trens metropolitanos?
Preconceito contra a Amazônia
O que está em curso, e amplamente divulgado, é a implementação do sistema de BRT Metropolitano na BR-316, conectando Ananindeua e Marituba a Belém. Um projeto rodoviário, não ferroviário. Ou seja: um erro primário, grotesco, vexatório. Um erro que não é apenas descuido: é um retrato da preguiça intelectual, do descompromisso e do preconceito embutido no jornalismo que insiste em tratar a Amazônia como uma terra distante e exótica, onde qualquer bobagem pode ser publicada sem checagem.
É repulsivo, é vergonhoso, é imoral.
O problema não é só a mentira, mas o efeito dela: alimentar a xenofobia, reforçar o estigma contra Belém e construir a narrativa de que a cidade não merece sediar um evento global. A desinformação, neste caso, não é acidental, é sistemática.
A Soberania Narrativa e o Papel da Imprensa na COP30
E é por isso que precisamos ser implacáveis em denunciar esse jornalismo preguiçoso e preconceituoso. A COP30 não é apenas sobre clima, é também sobre soberania narrativa. E Belém não pode aceitar ser diminuída por uma imprensa que, de tão ansiosa em criticar, tropeça no próprio ridículo. (Rodrigo Lopes, jornalista e internacionalista)