Um alimento que atravessa gerações, culturas e fronteiras: o pão. Mais do que um simples item à mesa, ele representa história, afeto e muita técnica. Da cozinha de casa, o gastrólogo paraense Felipe Castanho despertou para um caminho sem volta: o gosto pela panificação. E num movimento que começou no período da pandemia, ele passou a preparar massas que conquistaram o paladar de familiares. Proprietário da Nauta Padaria, ele é o convidado especial de uma masterclass com o chef italiano Giovanni Tesauro, que ocorre nesta terça-feira, 23, e quarta-feira, 24, em São Paulo.
“O chef Giovanni Tesauro é uma referência quando se trata de pizza e pão. Essa masterclass é só para pessoas que eles consideram importantes. Então foi uma honra estar nesse meio, fiquei bem feliz. Apesar de não estar no eixo Rio-São Paulo, eles me mandaram esse convite. Sou o único da região Norte que estará no evento, então fiquei bem empolgado. É um sinal que o nosso trabalho está tendo um pouquinho de relevância nesse cenário”, festeja Felipe, que vai ministrar uma aula e também aprender segredos sobre a produção de pizzas no encontro de chefs.
A trajetória do paraense na panificação começou no antigo Remanso do Bosque, empreendimento da família cuja cozinha era comandada pelo irmão Thiago Castanho, onde era servido um tipo de pão feito a partir do processo de fermentação natural, além de algumas pastas e manteiga de cupuaçu de acompanhamento.
Diferente dos pães feitos com fermentos comerciais, o pão de fermentação natural é resultado de um processo biológico lento e cuidadoso. A base é um fermento vivo, uma combinação de leveduras e bactérias láticas presentes naturalmente na farinha e na água. A fermentação pode levar de 12 a 48 horas, o que confere ao pão características únicas. O resultado é um pão com casca crocante, interior macio, sabor levemente ácido e um aroma inconfundível.
O interesse pela produção de pães cresceu e, durante as viagens pelo Brasil e outros países para fazer jantares e participar de eventos, palestras e workshops, Felipe Castanho foi descobrindo variedades de farinhas e pães de sabor mais complexo, como o que provou em Copenhague, na Dinamarca.
“Hoje em dia, a fermentação natural é uma coisa que as pessoas não têm muito conhecimento, imagina em 2015. A gente fazia um pão bom, tinha o seu valor. E quando provei aquele pão deles, que era um pão de centeio com farinha branca, senti o quanto ele é mais complexo, é mais saboroso e tem mais notas de sabor. Eu pude ver a diferença do uso de uma farinha específica atrás de um produto final, porque até então, todo mundo achava que farinha de trigo era uma só. Mas não, tem vários tipos que são designados para certos tipos de pães também. Daí minha cabeça explodiu”, lembra.
Felipe se aprofundou no estudo da panificação, experimentando receitas e processos, e aprimorando suas habilidades. Durante a pandemia, a produção de pães em casa se intensificou, e a troca de pães com amigos e vizinhos gerou a ideia de abrir uma padaria. Com o apoio do pai, o projeto se concretizou, transformando a paixão por pão em um negócio próprio, ainda em desenvolvimento.
De volta ao começo de tudo com a pizza
O convite do chef Giovanni Tesauro também foi recebido com alegria por Felipe Castanho porque a pizza está no começo da trajetória da família dele com a gastronomia, com o patriarca Francisco, no Remanso do Peixe. Quando o pai dos irmãos Castanho abriu o Remanso do Peixe, Felipe tinha 9 anos e Thiago, 11. “Meu pai começou o Remanso, faz mais de 25 anos essa história, e no início não era peixaria. Ele começou com pizza, inclusive eu e Thiago entregávamos a pizza na vizinhança. Aí, num certo dia, ele decidiu colocar um prato de peixe no cardápio, sem pretensão alguma, mas fez o maior sucesso, que era um filhote na chapa com manga grelhada, acompanhado de arroz à grega, batata frita, etc. As pessoas foram deixando a pizza de lado para comer o peixe”, recorda.
Com o curso, Felipe Castanho pretende incluir em seu empreendimento tudo o que aprender e ainda trazer novidades. “A gente está também lançando uma sidra que eu fiz em collab com a Companhia dos Fermentados, de São Paulo. A minha ideia, depois desse curso, é fazer um evento de lançamento da sidra e apresentar a pizza 2.0 da Nauta”, adianta o gastrólogo.
Particularmente, esse revisitar de memórias traz um significado importante para ele.
“É até meio forte, para falar a verdade. Sempre gostei de fazer pizza também, porque a minha infância toda foi vendo meu pai fazendo no nosso pátio, que hoje em dia é o Remanso do Peixe. E agora eu queria resgatar um pouco mais essa ideia da pizza. Antes do convite, eu já tinha comprado formas italianas específicas de ferro azul. As coisas foram se conectando. E o curso é como se fosse a cereja do bolo para melhorar o processo, tentar otimizar e entregar uma experiência melhor ao cliente”, diz ele, enquanto lembra a obra de Marinaldo Santos pendurada na parede do Remanso, feita com colagens do primeiro cardápio do restaurante, na época ainda da pizza.
“De vez em quando eu olho para esse negócio e me dá um calor na alma, porque inevitavelmente eu lembro desses momentos da gente pequeno e meu pai produzindo pizza ali. É como se eu tivesse resgatando esses momentos de família unida, trabalhando junto, naquela loucura, tentando entender uma coisa nova”.