Próximo da baía do Guajará, o cheiro de andiroba, patchouli, copaíba e ervas é uma das características do Ver-o-Peso, em Belém. Com a proximidade do Círio de Nazaré e a contagem regressiva para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), a feira mais famosa de Belém entra em ebulição e as erveiras se preparam para viver um dos momentos mais movimentados da cidade.
Mais do que vendedoras de perfumes, banhos e garrafadas, elas são guardiãs de saberes ancestrais, herdeiras de tradições indígenas, africanas e caboclas, que resistem ao tempo com sabedoria, simpatia e muito perfume. Com a expectativa de receber turistas de dezenas de países durante a Conferência do Clima da ONU, em novembro de 2025, as erveiras já se organizam para dar conta da demanda e da curiosidade internacional.
Miraci Alexandre, 60 anos, grande parte deles no Ver-o-Peso, conta que já está acostumada a lidar com estrangeiros, mesmo sem falar outra língua. “Eu só falo português, mas nunca deixei de vender. Sempre vem turista. Agora vem mais, mas eu desenrolo tudo no mimiquês. Quando complica, meu filho me ajuda com o inglês”.
Ela garante que o interesse pelos produtos vai além da curiosidade: “Eles adoram as essências. Já chegam sabendo o que querem. Mas se a gente explica e estimula, eles levam mais. Leva para abrir caminho, para chamar dinheiro, até para arrumar namorado! Mas não é qualquer namorado, tem que ser bom. Não adianta ser rico e tratar mal”.
Os nomes dos perfumes são, por si só, um espetáculo à parte: “Chora nos meus pés”, “Abre Caminho”, “Arranja Mulher”, “Tira Zica”, “Afastador de Urucubaca”. Entre risos e olhares curiosos, são os produtos mais vendidos, especialmente entre os turistas.
Clarice Simões, 67 anos, 40 de feira, conta que o planejamento começa cedo: “A gente tem que encomendar vidros, embalagens, tudo com antecedência. No Círio já vende muito, e agora com a COP, temos que nos preparar melhor ainda”. Ela lembra que, embora muita gente compre pela brincadeira, há vários que levam a sério. “Esses perfumes com nomes engraçados são os que mais saem. O pessoal acha divertido e leva pra brincar, pra dar de presente… Mas tem quem use mesmo, com fé”.
Na banca de Nazaré Coelho, 78 anos e 60 de Ver-o-Peso, já chegaram os ingredientes indispensáveis: andiroba, copaíba, patchouli, breu-branco, jucá. “Já está chegando mercadoria. Mas o principal é o freguês. Sem freguês, não adianta ter produto”, diz ela, sorrindo.
Para ela, há espaço para todos: os jovens, que buscam os produtos “mais brincalhões”, e os mais velhos, que procuram os itens tradicionais, como o sabão de cacau e os banhos de ervas. “Os jovens querem levar perfume com nome engraçado para presentear os amigos. Mas tem freguesa que vem todo ano buscar sabão de cacau, banho de ervas. Tem coisa que não muda”, diz Nazaré.
Mesmo com barreiras linguísticas, a comunicação acontece. Gestos, sorrisos, olhares e intuição constroem diálogos silenciosos, mas cheios de significado. “Eles gostam da nossa crença. Leva pra abrir caminho, pra chamar coisa boa. É fé. E fé, todo mundo entende, em qualquer idioma”, resume Miraci.
CÍRIO E COP
- Em outubro, com o Círio de Nazaré reunindo milhões de fiéis nas ruas de Belém, a movimentação deve ser ainda maior. E para as erveiras, o momento é duplamente simbólico: tradição religiosa e projeção internacional se encontram no mesmo espaço.
- Enquanto o mundo volta os olhos para a Amazônia, elas seguem firmes com seus banquinhos, seus frascos, suas receitas e sua fé. Mais do que vender, elas encantam. E como dizem por aqui: quem vem ao Ver-o-Peso, leva mais do que produto, leva história, leva cheiro e crença.