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Crítica sobre a série Pssica

Série da Netflix faz jus às paisagens bonitas do Pará, mas peca com roteiro e atuações estereotipadas em excesso e montagem irregular

Pssica traz diversos personagens com destinos entrelaçados. Foto: Divulgação
Pssica traz diversos personagens com destinos entrelaçados. Foto: Divulgação

Há uma sensação geral que o Pará está na “moda”, como o próprio diretor Fernando Meirelles (Cidade de Deus) definiu em uma entrevista recente. Realmente, nosso Estado é rico em cultura, geografia e muitas outras virtudes, que já conhecemos e o mundo agora está compartilhando. O problema é quando essa “partilha” vem de fora para dentro, em um contexto de apropriação cultural e pouca “partilha real” das riquezas geradas a partir das nossas realidades.

O livro Pssica, de Edyr Augusto, é um marco para a literatura paraense. Com uma escrita ágil, crua e agonizante, o escritor desfila situações do cotidiano que permeiam esse mundo real do tráfico para exploração sexual de meninas, uso de drogas e ação de piratas do rio.

A publicação de Edyr é o ponto de partida da série “Pssica” (2025), lançada pela Netflix e comandado por Fernando e seu filho Quico Meirelles, além do roteiro de Bráulio Mantovani, Fernando Garrido e Stephanie Degreas. Os dois diretores trazem sua experiência com o audiovisual e dão um apuro visual importante para a história, transformada em quatro episódios a partir dos personagens do livro.

Mas, então, há os problemas de percurso. Um deles é a montagem, que tenta reproduzir o texto ligeiro e cortante de Edyr, mas só fica confusa, picotada. Em alguns casos, como a perseguição de um barco pelos ratos d’água, é tão frenética que tive de voltar outras duas vezes para entender a cena.

E, claro, o pior de tudo, o olhar (ainda) “de fora”, que teima em se estabelecer a partir de um constructo colonizador. E o resultado, mais do que ser uma homenagem, é um arremedo de situações estranhas para nós, paraenses, pela falta de um olhar mais apurado sobre a nossa vivência cotidiana. Isso inclui o trabalho dos atores que não são paraenses (qual o sentido de não usar elenco 100% daqui? Temos tanta gente boa de cinema e teatro…), que dão um tom “novelesco” em gírias fora de contextos, sotaques decorados e trejeitos que não condizem com a nossa realidade. O próprio uso da expressão título é errada, como se ela estivesse no nosso vocabulário diário.

Sem contar as falhas de localização e espaços de cena que estão longe de representar nossa realidade. Como as cenas que retratam nossa periferia, como um cortiço moderno onde todos fumam crack pelas calçadas. Ou com pessoas tomando açaí em vasilhas de plástico em praças, exibindo dentes sujos de roxo por aí.

Nesse sentido, Pssica só se mostra uma obra incompleta, que se perde na sua narrativa e não faz jus ao trabalho literário de Edyr. Para mim, um pouco decepcionante, principalmente pela expectativa gerada.