SOB SUSPEITA

R$ 42 milhões em contratos da Prefeitura de Ananindeua estão na mira do MP

Advogado aponta como responsáveis pelas possíveis irregularidades o prefeito Daniel Santos e o secretário municipal de Saneamento, Rui Begot.

Construtora de vizinho do prefeito é alvo de investigação do Ministério Público por receber vultuosas quantias de Daniel Santos sem ao menos ter uma sede, além de laços com outros envolvidos em possível esquema
Prefeito Daniel Santos vira alvo de denúncia por suposto favorecimento a empresa vizinha .

A Prefeitura de Ananindeua teria fraudado uma licitação de R$ 42 milhões, para beneficiar a Construtora Santa Cruz Ltda. A denúncia é do advogado Giussepp Mendes, que protocolou pedido, na última sexta-feira (5), para que o Ministério Público do Pará (MPPA) investigue o caso. Ele aponta como responsáveis pelas possíveis irregularidades o prefeito Daniel Santos e o secretário municipal de Saneamento, Rui Begot. Como você leu no DIÁRIO do último domingo, a Santa Cruz seria uma empresa de fachada, que já recebeu mais de R$ 161 milhões (em valores atualizados), na administração de Daniel. Um dos sócios da empresa é vizinho do prefeito, em um condomínio de luxo.

Segundo Giussepp Mendes, a licitação 3/2025.032 foi realizada, em julho último, pela Secretaria Municipal de Saneamento e Infraestrutura (Sesan), na modalidade “Concorrência Eletrônica”, para o registro de preços de serviços de “revitalização, pavimentação e transposição de vias urbanas e rurais”. O primeiro problema, afirma o advogado, é que não há qualquer informação dessa Concorrência no portal municipal da Transparência e no mural de licitações do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Pará (TCMPA), o que é irregular. Segundo ele, as únicas informações e “documentos escassos” só foram encontrados no Portal de Compras Públicas.

Lá, a Ata das Propostas menciona mais duas empresas como supostas participantes da licitação: L. Melo Construções Ltda e Pilar Construção e Serviços Ltda. Mas esse é o único sinal delas naquela concorrência. Todos os documentos existentes são apenas da Santa Cruz, incluindo as propostas de preço apresentadas na “sessão de disputa”, que é uma espécie de leilão ao contrário, em que várias empresas vão propondo preços cada vez mais baixos, para conquistar o contrato licitado. Outro problema é o endereço registrado pela Santa Cruz, na Receita Federal: Travessa 7, Terreno 04, Setor G, 04, Quadra 10, no bairro do Distrito Industrial, em Ananindeua PA, CEP: 67035-330.

Segundo o advogado, quando se busca a localização desse endereço no Google Earth/Maps, o que se percebe é que ele fica em um terreno da Cabano Engenharia e Construções Ltda, que possui ou possuiu vários contratos com a Sesan. Além disso, um dos sócios-administradores da Santa Cruz, José Alfredo de Jesus Lobato Coelho, já atuou como representante da Cabano em pelo menos uma ocasião: a sessão pública da Tomada de Preços 2014.020, realizada pela Sesan, na qual a Cabano se classificou em primeiro lugar. Não bastasse isso, salienta o advogado, José Alfredo de Jesus Lobato Coelho mora no Residencial Castanheira, o mesmo condomínio onde reside o prefeito Daniel Santos.

Para Giussepp Mendes, os fatos indicam possíveis ilegalidades, falta de transparência e favorecimentos indevidos. Segundo ele, houve “flagrante violação” de princípios constitucionais da Administração Pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Em primeiro lugar, devido à falta de informações no portal municipal da Transparência e no Mural de Licitações do TCMPA, o que compromete a necessária publicidade daquela Concorrência e “restringe o acesso dos cidadãos a informações que, por força da Lei de Acesso à Informação, deveriam ser públicas e de fácil consulta”.

Ainda segundo ele, o princípio da competitividade, que é regra fundamental das licitações, foi “claramente comprometido”, já que a Santa Cruz foi a única participante efetiva da disputa e não há qualquer esclarecimento sobre o porquê desse fato. Isso indica, diz ele, possível crime de frustração do caráter competitivo das licitações, cuja pena pode chegar a 8 anos de prisão. Uma suspeita reforçada pelos vínculos entre a Santa Cruz e a Cabano, o que pode indicar um conluio, “para concentrar contratos públicos em um mesmo grupo econômico”. Outro possível crime é o patrocínio de contratação indevida, cuja pena pode chegar a 3 anos de prisão.

A suspeita se deve ao fato de um dos sócios da Santa Cruz ser vizinho do prefeito e do ex-secretário municipal de Saneamento, Paulo Roberto Cavalleiro de Macedo, que também mora no Residencial Castanheira. No ano passado, o secretário foi afastado do cargo, por ordem judicial, por suspeita de integrar de uma quadrilha que teria fraudado R$ 115 milhões em licitações. Para o advogado, essa relação de vizinhança “evidencia proximidade pessoal” entre o sócio da Santa Cruz e “agentes públicos diretamente ligados ao processo licitatório”.

Segundo Giussepp Mendes, os fatos apontam graves violações das leis e princípios que regem as contratações públicas, revelando “indícios concretos” de direcionamento e favorecimento indevido. Na denúncia, ele também menciona possível improbidade administrativa, devido ao conjunto de supostas ilegalidades, como a falta de transparência na licitação e os indícios de proximidade entre empresários e agentes públicos, o que pode configurar tráfico de influência. Menciona, ainda, possíveis crimes de fraude licitatória, associação criminosa e corrupção. E pede que o MPPA também comunique o caso ao TCMPA.

Um rio de dinheiro público

Desde o ano passado, a Santa Cruz (CNPJ 10.867.643/0001-90) vem passando por uma série de turbinagens, para justificar o crescente volume de recursos que recebe da Prefeitura. Ela comprou uma usina de asfalto, alugou máquinas pesadas e aumentou o capital social de R$ 300 mil para R$ 3,7 milhões, entre 2023 e 2025.

Em valores atualizados, a empresa recebeu da Prefeitura cerca de R$ 12,5 milhões, em 2021. Em 2022, R$ 17,5 milhões. Em 2023, quase R$ 23 milhões. Já no ano passado, a montanha de dinheiro praticamente triplicou: foram mais de R$ 62 milhões. E neste ano, só até o último dia 4, já foram mais de R$ 46 milhões.

Antes da administração de Daniel Santos, tudo o que ela recebeu daquela prefeitura foram R$ 697 mil, em 2019. A estruturação da empresa e a destinação de recursos públicos cada vez maiores estariam sendo provocadas pelas investigações do Gaeco, o grupo de Combate ao Crime Organizado do MPPA.

A Santa Cruz faria parte de um grupo de empresas “guarda-chuvas”, cujos contratos com a Sesan conteriam várias irregularidades. Pelo menos é isso o que indicam mensagens trocadas entre o ex-secretário de Saneamento, Paulo Roberto Cavaleiro de Macedo, e a ex-diretora financeira da Sesan, Marilene de Queiroz Nascimento Pinheiro.

As mensagens foram encontradas pelo Gaeco no smartphone de Paulo Macedo, apreendido durante a operação Aqueronte, em setembro do ano passado. A Aqueronte originou a operação Hades, realizada no mês passado, para desbaratar um esquema de fraudes licitatórias, corrupção e lavagem de dinheiro, que seria comandado pelo prefeito.

Segundo o Gaeco, em 21 de junho do ano passado, Paulo Roberto enviou mensagens de áudio à Marilene Pinheiro, pedindo que ela tomasse providências em relação a alguns contratos da Sesan, “pois estaria vindo ‘uma grande operação’ nos próximos dias” (provavelmente, a Aqueronte). Ele pediu que ela olhasse “os processos que estão com alguma ponta solta”.

Disse que era preciso “ver o que a gente tem que ajeitar nesses contratos, tá?” “Então, a gente tem que se precaver”. Marilene Pinheiro respondeu que o seu medo eram “os guarda-chuvas, Coelho, DSL e Edifikka”. Segundo o Gaeco, o “receio” de Marilene Pinheiro se referia a contratos “contendo múltiplas irregularidades”.

A Edifikka e a DSL pertencem ao empresário Danillo Linhares, que também é vizinho do prefeito. Elas seriam as beneficiárias dos R$ 115 milhões em fraudes licitatórias na Sesan. Já a outra empresa “guarda-chuva”, a Coelho, o Gaeco não diz quem é. Mas o DIÁRIO encontrou indícios de que se trata da JA de J Lobato Coelho Eireli, o antigo nome da Construtora Santa Cruz. 

A Edifikka e a DSL pertencem ao empresário Danillo Linhares, que também é vizinho do prefeito.
A Edifikka e a DSL pertencem ao empresário Danillo Linhares, que também é vizinho do prefeito.

Até o mês passado, o Gaeco já havia identificado 7 empresas e 5 empresários que estariam envolvidos em um esquema milionário de fraudes licitatórias, corrupção e lavagem de dinheiro, comandado pelo prefeito Daniel Santos. As empresas teriam pagado propina ao prefeito: compraram bens para a Agropecuária JD Ltda, cujo único dono é Daniel, ou realizaram transferências bancárias, para ajudar a quitar esses bens.

Graças a esse esquema criminoso, Daniel teria adquirido mais de R$ 30 milhões em bens: 1 avião, que custou R$ 10, 9 milhões; 3 fazendas, no município de Tomé-Açu, que somam 3.800 hectares, adquiridas por R$ 16 milhões; uma fazenda de 300 hectares, no município de Aurora do Pará, que custou R$ 1,4 milhão; uma retroescavadeira de R$ 870 mil; e quase R$ 1,2 milhão em óleo diesel.