A 36ª Bienal de São Paulo foi aberta ao público no último sábado (6), no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera, em São Paulo, com entrada gratuita e duração estendida até 11 de janeiro de 2026 — a mais longa de sua história. Com patrocínio master do Instituto Cultural Vale, a edição deste ano reúne 125 artistas e coletivos de diversos países e é inspirada no poema “Da Calma e do Silêncio”, da escritora afro-brasileira Conceição Evaristo. O DIÁRIO DO PARÁ e o DOL estiveram presentes na abertura exclusiva para convidados, realizada no dia 5 de setembro, e acompanharam de perto as novidades da edição.
Sob o título “Nem todo viandante anda estradas – Da humanidade como prática”, extraído de um verso da poeta, a mostra propõe uma reflexão profunda sobre o que significa ser humano em tempos marcados por violência, fome, colonialismo, desinformação e crise ambiental. A curadoria geral é de Bonaventure Soh Bejeng Ndikung, ao lado dos co-curadores Alya Sebti, Thiago de Paula Souza, Anna Roberta Goetz, Keyna Eleison e da consultora de estratégia e comunicação Henriette Gallus.
“O poema de Conceição Evaristo nos faz questionar essa estrada em que a humanidade está viajando”, afirmou Ndikung. “Essa viagem ameaça uns aos outros com armas nucleares. Há também a viagem da fome, de manter as pessoas passando fome embora tenhamos tantos grãos e tantos silos no mundo todo. Temos também a jornada do colonialismo e de escravizar pessoas. Então, nós aqui estamos refletindo sobre que outros caminhos podemos seguir”, completou. Apesar dos desafios, o curador se declara otimista: “A arte nos dá a possibilidade, a sensibilidade e as ferramentas para reconsiderarmos o mundo no qual vivemos”.
Para ele, ser humano é mais do que um conceito: “Ser humano é superar a indiferença da dor dos outros e entender quais são as causas dela. Ser humano é ter consideração, ter compaixão, é abraçar as multiplicidades internas. É reconhecer que nas ruínas e nos escombros da nossa destruição, há abundância. É a gente pensar na riqueza que vai além do termo capitalista. Ser humano não é ser passivo. É uma prática ativa”.
Essa visão também guia a estrutura da exposição, que foi dividida em seis capítulos interligados e que exploram temas como deslocamento, memória, cuidado, beleza e resistência. Toda a expografia da Bienal foi concebida sob a metáfora de um estuário — local onde águas doces e salgadas se encontram, representando o cruzamento fértil entre diferentes culturas, saberes e experiências. A concepção visual do espaço é assinada por Gisele de Paula e Tiago Guimarães.
O primeiro capítulo, “Frequências de chegadas e pertencimentos”, convida o público a desacelerar por meio de uma instalação da artista Precious Okoyomon: um grande jardim vivo com pedras, lagos e plantas medicinais, comestíveis e invasoras oriundas das Américas, do Caribe e do Cerrado. O segundo núcleo, “Gramáticas de insurgências”, reúne obras que refletem formas de resistência à desumanização e convidam o visitante a se ver no outro. O terceiro, “Sobre ritmos espaciais e narrações”, aborda as marcas das migrações humanas, com destaque para a obra do artista Moffat Takadiwa: uma “nova Arca de Noé” feita com resíduos plásticos e metálicos, que propõe debates sobre capitalismo, racismo e colapso ambiental.
O quarto capítulo, “Fluxos de cuidado e cosmologias plurais”, apresenta práticas que rompem com lógicas coloniais e patriarcais. Em “Cadências de transformação”, o público encontrará obras que se modificam ao longo do tempo da exposição. Por fim, “A intratável beleza do mundo” celebra a beleza como ato de resistência e uma forma de imaginar futuros possíveis.
A presidenta da Fundação Bienal, Andrea Pinheiro, enfatizou a importância da ampliação do período da mostra para ampliar o acesso: “Estendemos a duração da Bienal por mais quatro semanas, com visitação até o dia 11 de janeiro, para ampliar esse projeto tão significativo, incluindo o período de férias escolares, que é um período super importante para os museus de São Paulo”. Ela destacou ainda o impacto das ações educativas: “Na última Bienal, quase 70 mil crianças foram atendidas aqui nesse pavilhão pelo nosso programa educacional. Este ano, ampliamos esses esforços de captação para estabelecer uma nova meta de 100 mil crianças participando das atividades educativas no pavilhão. Fora isso, vamos treinar 25 mil professores da rede pública, mais do que os 18 mil da última Bienal”.
Além das obras físicas, a mostra apresenta o projeto “Aparições”, que permite ao público acessar experiências em realidade aumentada por meio de um aplicativo. A proposta ultrapassa os limites do espaço físico da Bienal e leva obras digitais a locais simbólicos como o Parque Ibirapuera, a fronteira entre México e Estados Unidos e às margens do Rio Congo.
Durante a abertura, o diretor-presidente do Instituto Cultural Vale, Hugo Barreto, comentou sobre o apoio à Bienal e à diversidade de projetos culturais patrocinados pela instituição.
“O Instituto Cultural Vale foi criado há cinco anos, em 2020, no meio da pandemia, inclusive. E a gente tem uma premissa que gosta muito de usar: olhamos e patrocinamos projetos que todo mundo conhece e projetos que todo mundo precisa conhecer. Ou seja, esses projetos como a Bienal de São Paulo, como o Museu do Ipiranga, como o Museu Nacional, como o Inhotim, são muito importantes, são verdadeiros tesouros da arte e da cultura brasileira. E, de outro lado, a gente patrocina, por exemplo, projetos como o Mulheres de Barro, no Pará, que é uma cooperativa de mulheres em Parauapebas. Elas começaram por conta dos fragmentos de cerâmica encontrados nas escavações de Salobo, fizeram cursos e hoje têm sede própria. Pouca gente conhece. É esse movimento em torno de pequenos, grandes e médios projetos de diferentes regiões do Brasil. Adotamos o conceito de itinerância e de circulação, quase como uma contrapartida de projetos como esse da Bienal”.
Com entrada gratuita e acesso democrático, a Bienal de São Paulo reforça seu papel como o maior evento de arte contemporânea do Hemisfério Sul — e agora, com ainda mais tempo para ser vivida, debatida e sentida pelo público.
Confira a programação completa no site da Bienal.