
A Natura, gigante brasileira do setor de cosméticos, enfrenta uma série de condenações e ações judiciais que colocam em xeque sua imagem de empresa voltada para a inclusão e a diversidade. Em diferentes estados do país, decisões da Justiça do Trabalho reconhecem a ocorrência de assédio moral, discriminação racial e práticas vexatórias contra funcionários.
Um dos processos mais emblemáticos foi julgado em Ananindeua (PA), onde a 4ª Vara do Trabalho condenou a companhia, em 2023, a pagar R$ 350 mil por danos morais coletivos. A ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) revelou um ambiente marcado por humilhações reiteradas dentro da fábrica local.
Caso Ananindeua: assédio reiterado na linha de produção
Segundo os autos, um coordenador de linha de produção ridicularizava publicamente trabalhadores com limitações físicas ou orientações sexuais diversas. Ele chegou a apelidar um funcionário com dificuldade de locomoção de “rasga bota”, enquanto outro, que utilizava um olho de vidro, era chamado de “piratas do Caribe”. Testemunhas relataram ainda episódios de agressão física durante confraternizações da empresa.
Embora o assediador tenha sido demitido, o juiz Ricardo André Maranhão Santiago reconheceu que a empresa falhou ao não interromper a prática abusiva em tempo. Em sua decisão, destacou a contradição entre o discurso de responsabilidade social da Natura e a realidade constatada: “A mera existência de canais de denúncia não afasta o fato de que houve inúmeros episódios de assédio moral”, registrou o magistrado. Os valores da condenação foram destinados ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Discriminação Racial e Ações Judiciais
Discriminação racial em Minas Gerais
Em Belo Horizonte (MG), o Ministério Público do Trabalho também acionou a Natura, em 2024, após denúncia de uma funcionária vítima de racismo. Ela relatou ser chamada de “sombra” por colegas de trabalho, em referência à cor da sua pele.
Na ação individual, a empresa foi condenada a pagar R$ 30 mil por danos morais, com posterior acordo que elevou a indenização para R$ 85 mil. O episódio levou o MPT a ajuizar uma ação civil pública com pedidos mais amplos: além de indenização de R$ 2 milhões por danos morais coletivos, a procuradoria exige que a empresa adote medidas concretas de combate ao racismo, como campanhas internas obrigatórias, canais de denúncia mais eficazes e acompanhamento permanente de condutas discriminatórias.
Para o procurador do Trabalho Max Emiliano Sena, que atua no caso, a reincidência de episódios demonstra fragilidade nas práticas da companhia. “O fato de os funcionários se sentirem à vontade para praticar atos racistas, inclusive em grupos de WhatsApp que incluíam gestores, mostra que as medidas adotadas até agora não se revelaram eficientes”, afirmou.
Práticas vexatórias em Ponte Nova
Ainda em Minas Gerais, outro processo expôs condutas consideradas vexatórias. Em Ponte Nova, a Justiça condenou a Natura e a Avon — integrantes do mesmo grupo econômico — por obrigarem funcionárias a usar fantasias quando não alcançavam metas de vendas.
As trabalhadoras eram expostas em reuniões trimestrais, em que rankings de desempenho destacavam em vermelho os vendedores com resultados abaixo do esperado. Quem aparecia na lista negativa era obrigado a se fantasiar diante dos colegas e a arcar com os custos das roupas. Testemunhas confirmaram a prática, que incluía personagens como Mulher-Maravilha e integrantes do grupo Tropa de Elite.
A decisão fixou indenização de R$ 10 mil por danos morais e determinou o pagamento de valores retroativos devidos em comissões.
Entre o marketing e a realidade
Em todos os processos, a Natura defendeu que mantém políticas internas de diversidade, programas de inclusão e canais de denúncia. Contudo, tanto para o Judiciário quanto para o Ministério Público do Trabalho, a repetição de casos em diferentes unidades da empresa revela falhas estruturais no enfrentamento ao assédio e à discriminação.
No caso de Ananindeua, o juiz Ricardo André Maranhão Santiago destacou a incoerência da companhia em exaltar campanhas públicas de inclusão ao mesmo tempo em que funcionários eram submetidos a práticas humilhantes. Em Minas Gerais, os procuradores reforçam que a ausência de respostas imediatas da gestão permitiu que condutas racistas e vexatórias se naturalizassem dentro do ambiente de trabalho.
As condenações, que somam valores de dezenas de milhões em pedidos e indenizações, colocam em xeque a imagem da Natura como referência em responsabilidade social e reforçam o debate sobre a necessidade de mecanismos mais efetivos de prevenção ao assédio moral e à discriminação nas empresas brasileiras.