
Não é exagero dizer que, hoje em dia, de alguma forma, a Inteligência Artificial (IA) está presente em praticamente tudo que fazemos: pedir comida, escrever e-mails, planejar viagens, estudar para uma prova ou até tirar dúvidas complexas, tudo está a um clique de distância. A tecnologia trouxe uma agilidade impressionante, mas é chegada a hora de ponderar o custo de tanta praticidade.
Cientistas e educadores começam a chamar atenção para um fenômeno que ganha força nos últimos anos: o chamado “sedentarismo cognitivo”. Inspirado na ideia do sedentarismo físico, o termo descreve o que acontece quando o cérebro deixa de ser estimulado com frequência por causa da dependência excessiva de tecnologias, especialmente da inteligência artificial.
Assim como o corpo precisa de movimento para se manter saudável, o cérebro também exige esforço e desafios para funcionar bem. Quando entregamos à IA a responsabilidade de pensar, criar ou resolver problemas por nós, perdemos oportunidades valiosas de exercitar memória, raciocínio lógico, atenção e criatividade. Essa passividade mental pode, ao longo do tempo, afetar diretamente a aprendizagem e contribuir para quadros de esgotamento, ansiedade e perda de concentração.
Para a professora da Faculdade de Comunicação da UFPA e pesquisadora do Centro de Computação de Alto Desempenho e Inteligência Artificial (CCAD-IA/UFPA), Ana Prado, o risco está no uso acrítico da tecnologia.
“A IA genérica pode ser um bom auxiliar quando se quer produzir algumas sínteses de ideias, mas deve ser usada como apoio, não como produto final. Se a pessoa não parar para pensar nem para escrever uma simples mensagem, isso pode impactar na forma como o cérebro aprende”, explica.
Segundo ela, esse efeito se conecta diretamente com teorias clássicas da educação. “Nosso cérebro aprende a partir de estímulos. Jean Piaget, filósofo suíço falecido em 1980, fala sobre como o processo de aprendizagem é baseado em estímulo e resposta. Se deixarmos de estimular nosso cérebro, a geração de conhecimento tende a se estagnar”, reforça.
Ainda assim, Prado destaca que reduzir a inteligência artificial apenas às ferramentas generativas seria um erro. “A IA não é apenas o ChatGPT. Na pesquisa, ela tem sido fundamental para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. No CCAD-IA desenvolvemos dezenas de projetos que usam IA em aplicações de grande relevância social e com impacto direto na vida das pessoas”, relata.
Entre os exemplos, ela cita o projeto Rede Brasil++, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), cujo objetivo é agilizar o diagnóstico precoce do câncer de colo do útero. “Ensinamos a IA a reconhecer padrões de células anormais em lâminas de papanicolau. Com isso, o tempo de espera pelo resultado é muito mais rápido — e quando se trata de câncer, pode significar salvar a vida de uma mulher”, explica.
Esse projeto envolve pesquisadores de universidades nacionais e internacionais, e na semana passada realizamos foi realizado o primeiro workshop do projeto – e para o evento vieram pesquisadores do Japão, Inglaterra, Portugal e outros países.
Outro caso é o carro inteligente desenvolvido em parceria com a Universidade de São Paulo USP), que já circula em Canaã dos Carajás, no sudeste do estado. “Essa aplicação de computação visual monitora desde a qualidade do ar até buracos e restos de materiais de construção. Costumamos dizer que desenvolvemos ‘IA do bem’, focada na melhoria direta da qualidade de vida das pessoas”, comenta a pesquisadora.
Mesmo diante desses avanços, Ana Prado ressalta que a tecnologia não substitui capacidades humanas essenciais. “A IA não pode substituir em plenitude o senso crítico, a criatividade e a complexidade do nosso cérebro. A humanidade vai precisar ainda mais de pessoas dispostas a exercitar o processo de aquisição de conhecimento. Quem confia cegamente em uma IA generativa deve lembrar que essas ferramentas funcionam a partir de algoritmos produzidos por Big Techs, empresas com interesses comerciais”, atenta.
Para ela, a mensagem é clara: “Não dá para parar de ler, consumir informação de qualidade e exercitar o aprendizado achando que a IA vai resolver tudo”, conclui.