A inadimplência voltou a ocupar espaço central no debate econômico brasileiro. Em meio a um cenário de crédito caro, inflação resiliente e renda instável, milhões de famílias enfrentam dificuldades crescentes para honrar suas dívidas. Mas a inadimplência no Brasil não é um fenômeno novo, nem fruto exclusivo da má gestão individual. Trata-se de um problema estrutural, que mistura fatores históricos, econômicos e culturais.
Crédito caro: o peso dos juros sobre as famílias
Um dos pontos mais críticos é o custo do crédito. O Brasil convive há décadas com taxas de juros entre as mais altas do mundo, reflexo de uma combinação de fatores que vão desde o risco fiscal e a insegurança jurídica até a baixa concorrência no setor bancário.
Na prática, isso significa que modalidades amplamente usadas pela população, como o cartão de crédito rotativo e o cheque especial, cobram juros que ultrapassam 300% a 400% ao ano. Uma dívida de R$ 1.000, se não for quitada rapidamente, pode se multiplicar em questão de meses. Essa realidade transforma o crédito, que em outros países funciona como ferramenta de estímulo ao consumo e ao investimento, em um fardo que aprisiona milhões de brasileiros em ciclos de endividamento.
Renda instável e informalidade: o orçamento no fio da navalha
A estrutura do mercado de trabalho brasileiro também explica a inadimplência. Cerca de 40% dos trabalhadores estão na informalidade, sem carteira assinada, proteção trabalhista ou salário fixo. Esse contingente vive de rendas variáveis, que oscilam mês a mês, dificultando qualquer tentativa de planejamento financeiro.
Essa instabilidade é agravada pela baixa renda média nacional. Segundo dados recentes do IBGE, a maior parte da população ganha até dois salários mínimos, valor insuficiente para cobrir despesas básicas e compromissos financeiros ao mesmo tempo. Quando a renda mal paga alimentação, transporte e moradia, a quitação das dívidas se torna um luxo distante.
Inflação e custo de vida: o inimigo invisível
Outro fator determinante é o avanço do custo de vida. A inflação brasileira, mesmo em períodos de relativa estabilidade, costuma atingir com mais força bens e serviços essenciais, como alimentos, energia elétrica e combustíveis. Para as famílias de baixa e média renda, isso significa menos espaço no orçamento para honrar compromissos financeiros.
O efeito é cumulativo: a cada reajuste no supermercado, na conta de luz ou na passagem de ônibus, mais brasileiros se veem obrigados a escolher entre pagar as contas do dia a dia ou manter as dívidas em dia.
Educação financeira e cultura do parcelamento
Somado a isso, há um componente cultural. O Brasil consolidou uma cultura de consumo fortemente apoiada no parcelamento. É comum adquirir bens duráveis, roupas, eletrônicos e até itens de supermercado em 10, 12 ou 24 vezes. Essa prática, incentivada pelo comércio e facilitada pelos cartões de crédito, dá a sensação de acessibilidade, mas compromete a renda futura de forma silenciosa.
A baixa educação financeira potencializa esse quadro. Muitos consumidores não têm clareza sobre o impacto dos juros ou sobre o risco de comprometer parcelas significativas da renda com dívidas de longo prazo. Sem reservas de emergência, qualquer imprevisto como desemprego, doença ou conserto de veículo, desorganiza totalmente o orçamento, levando rapidamente ao atraso nos pagamentos.
Crises econômicas: o gatilho da inadimplência em massa
O histórico recente mostra que choques econômicos funcionam como gatilhos imediatos da inadimplência. Durante a pandemia da Covid-19, por exemplo, milhões de brasileiros perderam renda de forma abrupta. O mesmo se observa em períodos de recessão ou alta do desemprego.
Esse mecanismo cria um círculo vicioso: famílias endividadas consomem menos, o comércio e a indústria reduzem atividade, a economia desacelera, o desemprego aumenta e novos atrasos se acumulam.
Impactos sociais e econômicos
A inadimplência não é apenas um problema para os indivíduos. Seus efeitos se espalham por toda a economia. Empresas deixam de receber, o sistema financeiro reduz a oferta de crédito e encarece ainda mais as taxas, criando barreiras para novos investimentos.
Do ponto de vista social, o endividamento excessivo compromete o bem-estar das famílias, gera estresse e dificulta a mobilidade social. Pessoas endividadas tendem a consumir menos em áreas importantes, como educação, saúde e lazer, perpetuando ciclos de vulnerabilidade.
Caminhos possíveis
Enfrentar a inadimplência no Brasil exige uma abordagem multifacetada. É preciso, em primeiro lugar, reduzir o custo do crédito, ampliando a concorrência bancária e promovendo maior transparência na oferta de financiamentos. Programas de renegociação de dívidas, como os que vêm sendo implementados pelo governo, podem aliviar parte do problema, mas não resolvem a raiz da questão.
Outro caminho é investir em educação financeira, desde a escola até campanhas públicas. Ensinar o consumidor a planejar, poupar e entender o impacto dos juros é fundamental para evitar que a dívida se torne um peso insustentável.
Por fim, a inadimplência só será efetivamente reduzida se houver crescimento econômico sustentado, com geração de empregos formais e aumento real da renda. Sem estabilidade no orçamento das famílias, qualquer avanço será pontual e temporário.
A inadimplência no Brasil é o resultado da interação de fatores estruturais: crédito caro, renda instável, inflação, baixa educação financeira e crises recorrentes. Mais do que um problema individual, trata-se de um fenômeno coletivo que afeta diretamente o ritmo da economia e a qualidade de vida das famílias.
Enquanto o crédito for caro e a renda instável, milhões de brasileiros continuarão vivendo à beira do endividamento, e o país seguirá convivendo com índices elevados de inadimplência como reflexo de suas fragilidades econômicas.