
Diante do desafio de pensar em caminhos que levem a uma transição agroalimentar justa e de baixo carbono, a adoção de modelos produtivos que valorizem a diversificação das culturas pode ser estratégica para o cenário brasileiro. O tema, assim como experiências exitosas alcançadas no Estado do Pará rumo a um sistema produtivo mais sustentável, foi um dos aspectos discutidos no encontro Aterra, realizado pelo Imaflora nos últimos dias 20 e 21 de agosto, no Sesc Santo Amaro, em São Paulo.
A diversificação da produção agroalimentar pode ser um caminho para a manutenção da produtividade, da biodiversidade e, inclusive, da qualidade e segurança alimentar. Nesta perspectiva, o professor do Programa de Planejamento Territorial da Universidade Federal do ABC (UFABC), Arilson Favareto, destacou que o agro brasileiro possui uma característica própria de heterogeneidade, traduzida em experiências tanto nas formas de produção, de transformação e de distribuição, quanto nas formas de preparo e consumo dos alimentos. “Esse é um patrimônio fantástico que o Brasil tem e que construiu ao longo da sua da sua história”.
Apesar dessa riqueza, o professor reforçou que o modelo dominante de produção atual não valoriza essa diversidade. É preciso repensar o modelo atual. “A grande questão que está posta para o Brasil, hoje, é que nós estamos vivendo o esgotamento daquele padrão que, há 50 anos, fez o Brasil sair da condição de um país deficitário na produção de alimentos para ser um dos maiores exportadores mundiais”, avalia. “Assim como todos os países que fizeram a modernização agrícola, o Brasil fez isso ao longo de 50 anos com base em um determinado modelo que hoje já não se sustenta mais. Em nome de aumentar a produção e a produtividade, que era o grande desafio naquele momento, o mundo construiu um padrão tecnológico que se baseava na eliminação da diversidade e, em vez disso, a seleção de espécies, a padronização de culturas e de formas de cultivo”.

Neste cenário, Arilson avalia que o país passa por um momento de transição, em que esse modelo ainda predominante coexiste com iniciativas alinhadas a uma transição para uma agricultura e uma agropecuária regenerativa, onde se destaca, por exemplo, o uso de bioinsumos. “Os bioinsumos são um exemplo de um arquipélago de inovações tecnológicas que estão tentando reintroduzir a diversidade no interior da própria produção agropecuária”.
Também compondo o painel “Do campo ao prato: caminhos para uma transição agroalimentar justa e de baixo carbono”, realizado no primeiro dia de programação, o especialista em uso da terra e agricultura sustentável do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Pedro Zanetti, apontou exemplos de iniciativas inovadoras que já são colocadas em prática pelo setor agropecuário no Brasil e que exemplificam essas experiências que podem direcionar para essa transição de modelo de produção.
“Cabe ressaltar, realmente, o poder e o protagonismo da agricultura brasileira tropical quando a gente pensa em produção de grãos e, nos últimos anos, com a adoção de bactérias fixadoras de nitrogênio que, basicamente, substituem a necessidade de uso de nitrogênio; agora a chegada dos bioinsumos; do plantio direto”, enumera. “Então, realmente, quando a gente compara isso com outros grandes produtores mundiais, o Brasil já está, de certa forma, na vanguarda. Mas, claro, a gente ainda tem alguns desafios”.
Pecuária Sustentável
Ainda na trilha que discutiu “o agro que alimenta o futuro”, o estado do Pará foi destaque ao apresentar iniciativas voltadas à pecuária sustentável, como o programa pioneiro que prevê, em lei, a rastreabilidade de 100% da cadeia da pecuária do Estado.
Participando do painel “A expansão da agropecuária sustentável”, o secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará, Raul Protázio, destacou a importância da atuação conjunta dos diferentes atores envolvidos no setor para que se consiga vencer os desafios de se buscar a expansão da sustentabilidade na pecuária.
“A implementação do Programa de Pecuária Sustentável do Estado do Pará, que é talvez uma das políticas públicas mais ambiciosas que a gente tem em implementação, hoje, na mesa, sem uma coalização de atores não acontece”, pontuou. “Se tem um capital que é gratuito, é o capital de mobilização e de engajamento. E a gente conta com a indústria, com a academia, com o terceiro setor para que a gente consiga mobilizar mais e mais atores em direção a isso”.
Além do secretário, também participaram do painel o coordenador da Aliança Paraense pela Carne, Francisco Victer; a líder de engajamento da plataforma Trase, Paula Bernasconi; a diretora executiva do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), Cláudia Trevisan, com moderação da gerente de Políticas Públicas no Imaflora, Marina Guyot.
Ao longo da programação gratuita, que se divide entre três espaços dentro do Sesc Santo Amaro, em São Paulo, o público também acompanha discussões alinhadas às trilhas “Clima em transição” e “Florestas vivas”.
Encontro faz alusão aos 30 anos do Imaflora
Conectando soluções que vêm da floresta, da agricultura, da ciência e do conhecimento tradicional, o Aterra integra a programação em alusão aos 30 anos do Imaflora. Durante o encontro, diferentes setores e atores discutem o que é preciso fazer para se alcançar a tão esperada transição para um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável.
Ainda que se tenha alcançado grandes avanços no movimento socioambiental como um todo nos últimos 30 anos, o caráter de urgência imposto pela emergência climática leva à necessidade de fazer as mudanças acontecerem em uma escala e em uma velocidade ainda não vista.
“Os últimos 30 anos foram marcados por conquistas importantes: a valorização dos territórios, o avanço da agricultura familiar, os compromissos climáticos – principalmente o Acordo de Paris -, o fortalecimento das comunidades tradicionais, a ampliação da pecuária sustentável, mercados mais conscientes, a construção de políticas públicas e os compromissos corporativos. O Imaflora esteve presente em muitos desses momentos, mas sabemos que ainda não é o suficiente”, considerou a diretora executiva do Imaflora, Marina Piatto.
“Esperamos um mundo onde produzir não significa destruir e a gente já provou que isso é possível; onde conservar seja um ato coletivo, não só dos ambientalistas; onde a justiça social caminhe lado a lado com a transição climática e onde o conhecimento das florestas, dos campos e das comunidades seja central e não periférico. É justamente essa visão que o Imaflora tem cultivado, unindo o clima, a agricultura e a floresta como dimensões indissociáveis de uma mesma transformação”.
Dentro desse escopo de dimensões que se somam em busca de um modelo de desenvolvimento mais sustentável e justo, a arte e a cultura também têm um espaço. Durante o evento, a reflexão sobre as questões ambientais também se traduziram em exposições e através da música. Entre as apresentações, o grupo de carimbó formado por mulheres indígenas, as Suraras do Tapajós animaram o público no encerramento do primeiro dia de programação.