Ritmo frenético, em uma ação que se desenrola em cenários bem conhecidos dos paraenses – do Ver-o-Peso às ruas da Cidade Velha, aos rios da Amazônia paraense e praias do Marajó. É nesse fluxo que se passa a trama de “Pssica”, série que chega hoje à Netflix, com quatro episódios, numa estreia para 190 países. Baseada na novela homônima do escritor paraense Edyr Augusto, a produção acompanha as histórias de Janalice, Preá e Mariangel, três vidas que se cruzam numa avalanche de acontecimentos que eles entendem quase como uma maldição. Ou, no bom linguajar amazônico, uma “psica” das boas.
A atriz paraense Domithila Cattete estreia no audiovisual como Janalice, uma adolescente que vê sua vida mudar após um vídeo íntimo com o namorado vazar e ela acabar sendo excluída da escola, da comunidade e da vida da família, obrigada a ir morar com uma tia em Belém, onde acaba se tornando presa de uma rede de tráfico de pessoas para exploração sexual.
Lucas Galvino – de produções como “Guerreiros do Sol” e “Mar do Sertão” – é Jonas, o Preá, um jovem que vive a realidade do crime nos rios da Amazônia, “herdeiro” de um bando de ratos d’água que rouba cargas de embarcações, em “paradas dadas” e que depois as revendem para os próprios donos das cargas, a essa altura já bonificados pelos seguros, num esquema criminoso que enreda poderosos e autoridades.
Na correnteza dessas águas, surge Mariangel, vivida pela colombiana Marleyda Soto – a Ursula da adaptação da Netflix para “Cem Anos de Solidão”-, personagem que não existe na história original de Edyr Augusto, mas que acrescenta outros contornos à adaptação, trazendo consigo uma memória de violência que ela tenta deixar para trás, numa vida pacata com o marido e o filho na Amazônia, mas pela qual acaba novamente dragada.
O diretor Quico Meirelles – que tem o pai Fernando Meirelles como codiretor em um dos episódios, além de coprodutor, através da O2 Filmes – deixou claro, em uma conversa com a imprensa, no lançamento da série, que não demorou para enxergar sua protagonista na jovem atriz de Belém. Domithila, que vinha de experiências no teatro na capital paraense (fez parte da escola Tiago de Pinho), disse que foi buscar as referências interioranas de sua família para achar o tom da personagem, junto com o apoio da preparadora de elenco Fátima Toledo.
“Grande parte da minha família é do interior de Marapanim, então parte da minha infância foi lá. Quando recebi a Janalice, com muito cuidado e muito carinho, eu vi muitas pessoas do meu cotidiano nela, na família dela. Juntar isso com a preparação de atriz foi algo muito profundo e gratificante, profissionalmente”, disse a atriz em entrevista ao DIÁRIO.
Para Galvino, a substância para o Preá veio mais da falta que da presença. “Penso que tem muitos meninos que passaram pela minha vida que têm esse lugar de desamparo. A gente foi buscando uns buracos, umas faltas de perspectivas de vida nele e criando esperança nisso, como uma motriz para ele insistir em algo. Essa violência específica, foi muito nesse lugar da falta que a gente foi buscando”, conta o ator.
“Vamos encontrando as nuances, as emoções, as tristezas, mas também seus pontos de virada. Todos eles têm pontos de virada muito forte. Esse olhar sensível dos diretores nos levou a esses personagens”, completa Marleyda Soto.
Assim como no livro, a violência é onipresente. O próprio Fernando Meirelles, que conheceu primeiro o livro numa passagem por Belém para uma filmagem no Festival de Ópera do Theatro da Paz, chegou a dizer que esse foi um ponto avaliado.
Durante o lançamento da série em São Paulo, há uma semana, enquanto a produtora Andrea Barata Ribeiro repetiu sobre as dificuldades de logística geradas em sete meses de trabalho distante do eixo Rio-São Paulo para uma produção desse porte, e com grande parte das ações filmadas dentro d’água, a vice-presidente de conteúdo da Netflix Brasil, Elisabetta Zenatti, confirmou que a proposta da adaptação ficou por algum tempo adensando nas ideias antes da decisão da plataforma de entrar no projeto. Mas ela também destacou que pesou a força da história e do cenário para a decisão de abraçá-lo. “‘Pssica’ é baseada em uma obra literária brasileira que retrata uma das regiões com maior riqueza cultural do país, movimentando a cidade de Belém e ressaltando a força criativa da Amazônia para o audiovisual nacional”, disse Zenatti.
Sim, como ressalta Domithila, os cenários são bem fotografados, as cores vibrantes, a geografia dos rios é bem apresentada. E, com uma derrapada ou outra de prosódia, nosso sotaque está presente, o ritmo, a música, as vibrações do Pará. “A cidade é mais que personagem, ela escreve a história”, aponta Galvino. Marleyda arremata: “Belém do Pará é um cenário para contar uma história que acontece ali, mas em todos os lugares do mundo. É uma realidade que tem a ver com todos nós. E as pessoas também vão poder observar a cultura paraense refletida na série, que permite que o rio seja protagonista, a cidade, o interior das casas”.