Belém guarda, em cada esquina, marcas de sua própria história. Igrejas centenárias, praças que testemunharam mudanças políticas e sociais, mercados que resistem ao tempo e ainda pulsam no dia a dia da cidade. Esses espaços não são apenas belas construções ou pontos turísticos: são heranças vivas que contam quem foram e ajudam a entender quem são as pessoas que aqui habitam. No Dia Nacional do Patrimônio Histórico Cultural, celebrado neste 17 de agosto, essa reflexão ganha ainda mais peso, sobretudo em uma capital que abriga importantes conjuntos arquitetônicos e paisagísticos.
Para o historiador Márcio Neco, o conceito de patrimônio vai muito além da ideia de “casarões antigos”, sendo multifacetado. “Seria patrimônio tudo aquilo que é relevante, que assume grande importância na vida de um povo, de uma sociedade. A ideia da herança de pessoas deixada para as pessoas. E pode ser cultural, natural ou imaterial”, afirma.
Nas divisões mais básicas para trabalhar os tipos de patrimônio, Márcio explica que há “o material, que é aquela ideia de edificações antigas, construções, e isso temos no Brasil a partir da década de 30, quando começamos então a ter esse olhar de valorizar essas edificações. E já nos últimos anos, a partir de 2003, temos a ideia do patrimônio imaterial, que são todos os saberes que são passados de geração em geração”.
E ele destaca que a imaterialidade pode ser vista através de danças, ritos ou até cânticos. “Essa imaterialidade é tão importante quanto as edificações, quanto às igrejas, palácios, muralhas. É interessante que o Brasil está na vanguarda desse pensamento progressista de patrimônio imaterial, que não fica, digamos assim, restrito, apenas aquilo que foi construído. De pedra, cimento, tijolo, mas vai além, também é patrimônio esses saberes, essas construções, a maneira de ser, fazer, viver determinadas experiências culturais”, ressalta.
A proteção ao patrimônio, em nível nacional, cabe ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e, no cenário internacional, à Unesco. Mas, segundo Neco, preservar não é apenas função de órgãos oficiais – é responsabilidade de todos. “Todo patrimônio tem uma função educativa. É errônea a mentalidade de dizer que são casarões velhos, isolados. Não existe patrimônio estático. Ele vive do presente, porque ajuda a construir o nosso presente. Ele educa seja no aspecto histórico, no aspecto arqueológico, antropológico. A preservação precisa ser um processo coletivo”.
Celeiro de bens históricos e culturais
Para Neco, Belém é um “grande celeiro” de bens históricos e culturais, que vão desde edificações imponentes da Belle Époque até saberes tradicionais herdados de povos originários, escravizados e comunidades simples. Alguns bens são emblemáticos e conhecidos, como o Theatro da Paz, o Cemitério de Nossa Senhora da Soledade e o Mercado do Ver-o-Peso, que reúne riquezas materiais e imateriais.
FOTO: Octávio Cardoso
Outros, no entanto, ainda passam despercebidos por boa parte da população. “A Igreja de São João, na Cidade Velha, e a Igreja do Carmo, com o Largo do Carmo à frente, onde no passado a Igreja do Rosário dos Homens Brancos. Esses lugares precisam ser mais visitados e valorizados. Do ponto de vista imaterial, ainda é necessário aprofundar estudos sobre o carimbó e sobre o Círio de Nazaré, que têm uma riqueza indescritível”, cita.
História e cultura de Belém
Para ele, a capital paraense é um verdadeiro laboratório a céu aberto para se compreender a história e a diversidade cultural. Um desses exemplos é o Parque Zoobotânico Museu Paraense Emílio Goeldi, localizado no bairro de São Brás. Fundado em 6 de outubro de 1866, mas a inauguração ocorreu apenas em 15 de agosto de 1895, contempla 5,4 hectares e é aberto para visitação de cerca de 250 a 400 mil pessoas por ano.
“Imagine, do ponto de vista educativo, o Museu Paraense Emílio Goeldi, que é local de inúmeras pesquisas e preserva a fauna e a flora da Amazônia. Ou o Cemitério da Soledade, onde podemos estudar a expansão urbana, famílias tanto da elite quanto famílias escravizadas que tínhamos na cidade”, exemplifica.
Outro ponto é o famoso Mercado Ver-o-Peso. No bairro da Campina, localizado às margens da baía do Guajará é considerado o maior mercado aberto da América Latina e um dos cartões-postais mais emblemáticos da cidade. Ele surgiu em 1627, logo depois da fundação de Belém do Pará, em 12 de janeiro de 1616. O espaço se transformou em um vibrante centro de comércio popular, onde se encontra de tudo: peixes frescos, ervas medicinais, frutas amazônicas, artesanato e comidas típicas.
“Não é só um local, um patrimônio histórico, como também um local que contém patrimônios, sejam eles reconhecidos ou não, de grandeza: são os saberes, as formas – não a alimentação em si, mas a forma como ela é feita, as sociabilidades –”, pondera Neco.
Memórias e legados da cidade
Na história de cada um, algum ponto da cidade é como um legado. A corretora de imóveis Geane Tavares, de 59 anos, moradora há 20 anos nas proximidades do Museu Goeldi, e conta que o espaço faz parte da sua rotina e de momentos especiais com a família. “Desde que vim para cá, costumo frequentar com minha neta. Gosto muito da parte do aquário, que encanta as crianças. É um lugar rico, que fez e faz parte da vida de quem mora por aqui”, comenta.
Já para o mecânico Jheyme Silva, de 22 anos, o Mercado Ver-o-Peso carrega memórias afetivas e significado cultural. “Desde a minha infância, eu venho, porque meu pai saía do trabalho e a gente vinha quase todo fim de semana fazer compras e almoçar. Para gente que mora aqui, é um lugar histórico. Tem muita gente de fora que desconhece, mas só quem vive sabe o quanto é bom. É o maior mercado aberto da América Latina e é nosso”, diz.