Do fitness à cardiologia: smartwatches que detectam problemas antes dos sintomas

Esqueça os smartwatches (ou relógios inteligentes) que contam apenas seus passos e as calorias gastas. A tecnologia vestível, também conhecida pelo termo em inglês “wearable”, entrou oficialmente no cenário da saúde. Hoje, esses acessórios não apenas informam quantas calorias você queimou; eles monitoram sua frequência cardíaca, pressão arterial e até mesmo detectam possíveis problemas de saúde antes de qualquer sintoma. E, na maioria dos casos, esses parâmetros podem ser compartilhados com um médico.

O engenheiro civil Guilherme Rabello, de 56 anos, vivenciou essa situação. Usuário desse tipo de tecnologia desde 2019, ele se surpreendeu quando, no início do ano, seu smartwatch, um Samsung Galaxy Watch5, alertou para uma arritmia cardíaca. Ele não pensou duas vezes, e entre a notificação do aparelho e a chegada ao pronto-socorro foram apenas 10 minutos.

– Quando cheguei ao hospital, já tinha avisado minha médica. Mostrei os resultados e o aviso do relógio sobre o potencial de arritmia. Fizemos um exame complementar para confirmar e começamos o tratamento – conta.

Além da Samsung, diversas empresas fabricam monitores de eletrocardiograma (ECG) vestíveis para uso doméstico, incluindo Apple, Withing, Fitbit e AliveCor.

– Os wearables vieram realmente para revolucionar uma boa parte do cuidado do indivíduo – afirma Ben-Hur Ferraz Neto, diretor do Instituto do Fígado Américas.

Dispositivos vestíveis são acessórios ou peças de roupa usados sobre ou próximos ao corpo que monitoram e rastreiam parâmetros de saúde e atividade física. Os relógios são os mais comuns hoje em dia, mas existem também pulseiras, anéis e roupas inteligentes.

O primeiro dispositivo que popularizou os vestíveis fitness foi a Fitibit classic, pulseira lançada em 2009 que acompanhava número de passos, sono e calorias. Em 2014, veio o primeiro Apple Watch, com função de monitoramento cardíaco, o início da era dos smartwatches de massa.

Já em 2018, esses acessórios passaram a ter um foco em saúde avançada, com funções de eletrocardiograma (ECG), oxímetro, além de detecção de queda e de afogamento, por exemplo. De lá para cá, esse foco em saúde só se intensificou.

Se nos primórdios muitos médicos torciam o nariz para esse tipo de equipamento, por acharem que sua precisão deixava a desejar, hoje a maioria já os encara como um aliado.

– Qualquer dispositivo vestível que possa coletar dados em tempo real e traduza um pouco da fisiologia e do comportamento do paciente em tempo real pode gerar informações relevantes para profissionais – pontua o cardiologista Diandro Mota.

Segundo Mota, que é doutor em medicina/tecnologia e intervenção em cardiologia pela Universidade de São Paulo (USP) e diretor médico da Neomed Healthtech, a análise conjunta de parâmetros como a movimentação ao longo do dia, estresse e padrão de sono podem apontar algum comprometimento da saúde mental. Mas já existem recursos menos subjetivos que ajudam na tomada de decisão clínica.

É consenso entre os médicos que os recursos que monitoram o coração são os mais precisos e avançados. Tanto que este ano o American College of Cardiology lançou um documento orientando cardiologistas e clínicos sobre as funcionalidades dos smartwatches.

Por exemplo, o Apple Watch e o Galaxy Watch são aprovados por agências regulatórias, como a Anvisa brasileira, para detecção e controle da fibrilação atrial, uma arritmia cardíaca que favorece a formação de coágulos no coração que podem se soltar e parar no cérebro, causando um AVC.

Atualmente, cinco softwares estão aprovados pela Anvisa para smartwatch para medir pressão arterial, eletrocardiograma e ritmo cardíaco. Há também três dispositivos aprovados para detecção de apneia do sono. Porém, funções como controle da glicemia e medição da saturação de oxigênio ainda não são recomendados pela agência.

O empresário Tadeu da Ponte, de 46 anos, começou a usar tecnologias voltadas à saúde há cerca de 15 anos, por influência da irmã cardiologista. Ela o incentivou a caminhar 10 mil passos por dia para sair do sedentarismo.

Com o tempo, Ponte passou a se interessar por maratonas e a usar outras funções, como o monitoramento cardíaco, que identificou uma arritmia.

– Senti que as batidas do meu coração estavam diferentes e usei o Apple Watch Ultra 2 para fazer um eletrocardiograma. Mostrei os resultados para a minha irmã, que confirmou o episódio de arritmia e me encaminhou a um cardiologista.

Apesar de todos os benefícios e de seu potencial, que só deve evoluir drasticamente nos próximos anos, existem alguns pontos de alerta. Especialista ressaltam que a tecnologia não substitui os check-ups de rotina nem a avaliação clínica.