HISTÓRIA

Morango do amor não tem nada de novo: nasceu na devoção medieval

Historiador explica como o fruto saiu da simbologia sagrada para se tornar ícone do prazer e do romantismo.

O historiador conta que, no século XVI, São Francisco de Sales ainda falava do morango com sentido sagrado, mas na Alemanha protestante, o fruto perdeu esse peso religioso.
O historiador conta que, no século XVI, São Francisco de Sales ainda falava do morango com sentido sagrado, mas na Alemanha protestante, o fruto perdeu esse peso religioso.

A moda do “morango do amor” pode parecer coisa recente, mas segundo o historiador e cientista da religião Márcio Neco, a ligação do fruto com a ideia de amor vem de séculos atrás – mais precisamente da Idade Média.

“Naquele período, o morango era símbolo de perfeição moral e retidão. O homem medieval percebia que ele tinha o poder de modificar o humor das pessoas, porque é um importante antioxidante que reduz sentimentos de tristeza e melhora os efeitos cognitivos”, explica Neco. “Mas como não havia conhecimento científico na época, esses efeitos acabaram sendo interpretados como algo espiritual”, complementa.

Segundo ele, o morango ganhou dois significados principais: um associado à Virgem Maria e outro exclusivamente a Deus.

“O sentido Mariano está no contraste das cores: a flor é branca e o fruto, vermelho. Para os medievais, isso simbolizava a pureza de Maria, que mesmo imaculada foi capaz de dar o fruto que é Jesus”, conta o historiador. 

“Já a relação com Deus vem da própria planta: a folha tem três pontas, representando a Santíssima Trindade; a flor tem cinco pétalas, associadas às chagas de Cristo; e a forma do morango lembra uma gota de sangue derramada na cruz, um gesto de amor”, relata Márcio.

Com o passar do tempo, essa simbologia foi se transformando. O historiador conta que, no século XVI, São Francisco de Sales ainda falava do morango com sentido sagrado, mas na Alemanha protestante, o fruto perdeu esse peso religioso.

“O morango passou a ser visto como símbolo de volúpia, deleite e prazer, justamente por ter muitas sementes. Tornou-se um alimento associado à sensualidade, ao amor efêmero e prazeroso”, relaciona.

Mesmo com a mudança de significado,
continuou presente na arte renascentista, aparecendo em iconografias cristãs. Hoje, explica o pesquisador, o fascínio permanece, mas com novas leituras.

“Essa trajetória ajuda a entender por que o morango caiu no gosto popular. O que vemos agora é o renascimento desse imaginário, adaptado às culturas locais e, claro, às novas maneiras de falar de amor”, finaliza Márcio Neco.