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Super-Homem ressurge mais político, com crítica à guerra armada e à desgraça humana

Dois países entram em guerra. As armas de fogo são fornecidas por um empresário que pouco se importa com as vidas perdidas.

Super-Homem ressurge mais político, com crítica à guerra armada e à desgraça humana

Dois países entram em guerra. As armas de fogo são fornecidas por um empresário que pouco se importa com as vidas perdidas. Nas ruas, pessoas murmuram pedidos de socorro, clamando com fé por um salvador.

São cenas do novo “Superman”, mas servem também como um retrato do que está acontecendo em diferentes países da vida real. Esta é a quarta encarnação do personagem nas telas e também a mais política. A trama critica a indústria armamentista, o descaso de superpoderosos e a ganância em meio à desgraça.

É um aceno aos conflitos armados que são travados pelo mundo neste momento. “Ao escrever o roteiro, pensei: Esse é um mundo fictício com robôs, cães voadores e monstros gigantes, mas e se o Super-Homem fosse real? Como ele entraria em conflito ou apoiaria os governos? Ele seria um problema?”, diz o diretor do filme, James Gunn, que visitou o Rio de Janeiro em junho.

O Super-Homem nunca foi um personagem apolítico, mas tampouco bandeiras. Arcos dos quadrinhos como “Superman: Red Son”, que virou uma animação há cinco anos, até miram a política de forma mais direta, mas a maioria das histórias clássicas só assopram nas mazelas sociais, pintando ele como um herói apartidário, um “isentão”. É diferente do patriota Capitão América, por exemplo, e do Batman, que denuncia a criminalização dos subúrbios americanos.
Gunn deu nomes fictícios para os dois países que entram em guerra em seu filme, mas ambos têm nomes com grafias e pronúncias semelhantes aos de territórios reais do Oriente Médio, onde se desenrolam conflitos armados agora.

Em conversas com jornalistas durante a passagem da equipe do filme pelo Brasil, a Warner Bros. Pictures vetou perguntas sobre as guerras do mundo real. É que, naquela semana, dias antes de o elenco aterrissar no Brasil, o presidente americano Donald Trump havia anunciado o ataque dos Estados Unidos ao Irã no conflito com Israel.

Em linha com os vetos a perguntas sobre conflitos reais, Gunn evitava referências diretas ao falar sobre o tom político do filme e se limitou a dizer que essa abordagem está essencialmente ligada à história que ele sempre quis contar sobre o Super-Homem.

Abertamente crítico a Trump, Gunn foi demitido da Marvel em 2018 após apoiadores do presidente resgatarem publicações dele no X, antigo Twitter, que foram consideradas ofensivas, com piadas sobre pedofilia e estupro. À época, Gunn pediu desculpas, disse que havia mudado e acabou recontratado após pressão dos fãs.

Também viajaram ao Rio de Janeiro os atores David Corenswet e Rachel Brosnahan, que interpretam o Super-Homem e a jornalista Lois Lane, os protagonistas da trama. Para Corenswet, o filme debate política sem dar partidos ao super-herói. “Ele não representa um governo ou um país, mas ideais. E, acima disso, quer representar a si mesmo e seu desejo de fazer o bem, de ser um de nós, de elevar a humanidade.”

Rachel Brosnahan, escalada para o papel da repórter que é a namorada do Super-Homem, acrescenta que o filme deve levar os fãs a questionarem os conceitos de força, união e comunidade. “O que nos mantém em movimento, o que nos une? Isso parece particularmente importante agora”, diz.

Famosa por ter protagonizado a série “A Maravilhosa Sra. Masel”, a atriz faz uma jornalista que investiga não somente os problemas da cidade onde vive, mas também os do próprio Super-Homem, que nesta versão é menos parecido com um alienígena superpoderoso e mais com um humano cheio de falhas.

Gunn diz que sempre se interessou mais pela parte terrena das histórias do herói. “Nesse filme ele é teimoso demais, idealista e hipócrita. Não é um Deus. Na verdade, este Super-Homem quer ser como nós.”

Com o novo filme, a DC tenta reavivar um personagem que, apesar de ter cravado seu espaço no imaginário popular, vivia um período de baixa por ser considerado inalcançável, o suprassumo da bondade, de índole inabalável. Assim, em tempos de personagens que acertam e erram na mesma medida, o Super-Homem acabou sem apelo.

Mas Gunn é especialista em tornar chatos em personagens legais. Foi ele quem tirou do ostracismo os Guardiões da Galáxia, então esquecidos pelos fãs dos gibis da Marvel, que nas mãos do cineasta ganharam uma trilogia de comédia colorida e musical que rendeu quase US$ 2,5 bilhões.

Gunn foi uma das figuras mais importantes para o domínio da Marvel nas bilheterias dos cinemas na última década. Isso fez brilhar os olhos dos executivos do estúdio rival, a DC, que aproveitou o humor do diretor ele escreveu os live-action de “Scooby Doo”— para tirar do limbo o grupo de anti-heróis desbocados Esquadrão Suicida, que havia ganhado um filme esquecível em 2016. Assim, há quatro anos o cineasta lançou sua própria versão da equipe, com doses potentes de comédia escrachada e sangue.

Agora Gunn é quem encabeça a nova fase da DC no cinema, que nos últimos anos amargou os fracassos de “Aquaman 2” e “Adão Negro” na bilheteria e na crítica. A ideia é que agora, a partir de “Superman”, surja um novo universo, com versões atualizadas dos personagens.
Da fórmula de sucesso da Marvel, Gunn diz querer reproduzir a ideia de um universo compartilhado, em que os personagens existem numa mesma realidade. Mas ele ainda não mira uma superreunião como a de “Os Vingadores” e diz que seu modelo vai se aproximar mais daquele adotado por “Star Wars”, com histórias que coexistem, mas não necessariamente se cruzam.

Gunn promete também apostar em tons e gêneros diferentes. “A série do Pacificador é para maiores de idade. Teremos uma série dos Lanternas Verdes para a HBO. E o filme da Supergirl, por sua vez, será uma ópera espacial”, adianta.

O próprio Super-Homem apareceu de maneiras variadas no cinema. Eternizado por Christopher Reeve, seus quatro filmes, lançados de 1978 a 1987, ajudaram a popularizar as histórias de super-heróis, até então consideradas infantis e bobas. O primeiro longa ganhou um Oscar de efeitos visuais com suas cenas de voo, que foram consideradas um avanço tecnológico na época. A música-tema do herói, composta por John Williams, virou uma das mais emblemáticas do cinema.

Ele só foi ressuscitado na tela duas décadas depois, em 2006, com “Superman: O Retorno”, na pele de Brandon Routh. O filme foi bem, mas não o suficiente para emplacar continuações. Anos mais tarde, Henry Cavill vestiu a capa vermelha em “O Homem de Aço”, de 2013, criticado por pesar a mão no drama e em cenas de ação megalomaníacas.

Era uma época em que valorizados eram os filmes sisudos, pesados, encorpados. Agora Corenswet e Gunn tentam o melhor dos dois mundos. Eles constroem um herói politizado e sagaz, mas que volta a usar cueca vermelha sobre a calça, numa tentativa de reaver a inocência que faz falta no caos.


SUPERMAN

Direção James Gunn

Quando Qui., dia 8, nos cinemas

Classificação 14 anos

Elenco David Corenswet, Nicholas Hoult e Rachel Brosnahan

Produção Estados Unidos, 2025

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