Belém e Pará - O caso da secretária executiva Flávia Cunha Costa, de 43 anos, que morreu no último dia 19 de junho em Belém após anos de maus-tratos praticados por um casal de “profetas”, precisa ser analisado sob as óticas criminal e de gênero. A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) deixa claro que esse tipo de violência não ocorre apenas entre casais ou no interior de uma família tradicional. Ela também se aplica a situações dentro da chamada “unidade doméstica”, ou seja, qualquer espaço de convivência permanente entre pessoas.
“Flávia morava com o casal que se dizia enviado de Deus e, mesmo sem laços familiares formais, vivia sob o controle direto deles. A convivência contínua era marcada por manipulação emocional, controle espiritual e isolamento — o que se enquadra como violência psicológica, moral e até patrimonial”, explica a advogada Gabrielle Maués, especialista em questões de gênero e direitos das mulheres.
A ideia de que Flávia morava na casa de seus aliciadores por vontade própria não anula o fato de que ela estava submetida a um ambiente altamente controlador, típico de seitas ou grupos religiosos autoritários.
“Muitas mulheres como ela são levadas a acreditar que obediência, silêncio e submissão são virtudes. Discordar, duvidar ou sair do controle masculino é visto como pecado. Esse tipo de narrativa, quando usado para silenciar, dominar e apagar a autonomia feminina, é profundamente violento”, pontua Gabrielle.
Análise do Caso Flávia Cunha Costa sob a Perspectiva da Violência Doméstica
Além dos crimes já evidentes — como cárcere privado e a possibilidade de feminicídio —, o que aconteceu com Flávia deve ser enquadrado também como violência doméstica, pois foi praticado dentro de um lar e dentro de uma relação contínua de dominação baseada no gênero.
O caso também se encaixa no crime de violência psicológica, previsto no Art. 147-B do Código Penal, que ocorre quando se provoca dano emocional à mulher, prejudicando ou perturbando seu desenvolvimento, ou buscando degradá-la ou controlar suas ações, crenças e decisões. Isso é feito por meio de atitudes que afetam sua saúde psicológica e sua autonomia.
“Foi exatamente o que ocorreu neste caso. Acreditando nos supostos líderes religiosos, Flávia prejudicou sua integridade física e mental, até atingir um estado de desnutrição que levou à morte”, conclui a advogada.
Prisão dos Acusados e Implicações Legais
A prisão preventiva do casal Marcelle Débora Ferreira Araújo, de 51 anos, e Ronnyson dos Santos Alcântara, de 50, autodenominados missionários do “Ministério Torre do Poder de Deus”, foi decretada pela 1ª Vara de Inquéritos Policiais de Belém. Eles aliciaram Flávia para a igreja, que funcionava dentro da própria residência. A prisão, realizada na última sexta-feira, foi acompanhada de mandados de busca e apreensão, sob acusações de violência psicológica, maus-tratos e exploração financeira, cujas práticas teriam levado Flávia à morte.