INCLUSÃO

Dignidade e inclusão: TRT-8 receberá estagiários trans a partir de 2026

As entidades comprometeram-se em realizar discussões internas e organizar evento temático sobre o assunto.

Dignidade e inclusão: TRT-8 receberá estagiários trans a partir de 2026 Dignidade e inclusão: TRT-8 receberá estagiários trans a partir de 2026 Dignidade e inclusão: TRT-8 receberá estagiários trans a partir de 2026 Dignidade e inclusão: TRT-8 receberá estagiários trans a partir de 2026
As entidades comprometeram-se em realizar discussões internas e organizar evento temático sobre o assunto, a realizar-se na semana entre 19 e 23 de agosto de 2025, no auditório do Tribunal
As entidades comprometeram-se em realizar discussões internas e organizar evento temático sobre o assunto, a realizar-se na semana entre 19 e 23 de agosto de 2025, no auditório do Tribunal

Atendendo a um pedido administrativo feito pelo desembargador Gabriel Napoleão Veloso, o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT-8) fará a contratação e estagiários transgêneros a partir de 2026. A decisão foi comunicada pela presidente Sulamir Monassa a um grupo de representantes e ativistas da comunidade LGBTQIA+ em reunião realizada na corte no último dia 30, entre os quais Nicolas Tourinho (IBRAT), Emily Cassandra Bonifácio (GRETTA) e Marcelo Freitas e Jéssica Silva (SPDDH) e o advogado Hugo Mercês.

Ao acolher o pleito do desembargador e das entidades de defesa da população transgênero e de Direitos Humanos, a presidente do TRT-8 concordou em receber a contribuição da sociedade, em 60 dias, para formular regras para regulamentar a criação de cotas.

As entidades comprometeram-se em realizar discussões internas e organizar evento temático sobre o assunto, a realizar-se na semana entre 19 e 23 de agosto de 2025, no auditório do Tribunal. “O resultado de toda a nossa mobilização social foi amplamente positivo uma vez que, finalmente, o Tribunal adotará ações concretas para a inclusão da população trans”, comemora Gabriel Veloso.

Após relacionar vários pontos que mostram dados e números da opressão contra a população transgênero na sociedade atual, tanto a nível local como nacional, o desembargador Gabriel Veloso afirma em seu recurso direcionado à presidência do TRT-8 que quem acompanha os canais e redes oficiais de comunicação do Tribunal não tem dúvidas que a corte defende a valorização da população trans e que atua em favor de sua inserção no mercado de trabalho, citando matérias jornalísticas que citam debates e eventos onde o Tribunal participa ou promove a diversidade no mundo do trabalho e a empregabilidade trans.

Gabriel Veloso afirma que a população trans precisa de posições concretas que possam contribuir para a modificação da sua situação. “Não é apenas realizando seminários e rodas de conversa, que poderá ser vencido o preconceito e o ódio. É preciso adotar políticas públicas e medidas concretas, que vão além do simbólico”, dispara.

Ele destacou que uma das iniciativas oficiais para formular política oficial para promover emprego e renda para pessoas LGBTQIA+, chamada de “Estratégia de Trabalho Digno”, promovida pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, tem como parceiras entidades como Central única dos Trabalhadores (CUT), Ministério Público do Trabalho (MPT), Tribunal Superior do Trabalho (TST) e Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Se há apoio oficial do Tribunal Superior do Trabalho, não deveria haver problemas para a admissão de estagiário(a)s trans na Justiça do Trabalho”, arremata.

O desembargador defende que a necessidade de inserir empregabilidade trans dentre as políticas dos Tribunais brasileiros “é uma decorrência inafastável dos princípios constitucionais e de direito internacionais aos quais está sujeito o Brasil”, lembrando que segundo a Constituição Federal, “são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a igualdade e a não discriminação (CF, art.3º); e que o direito ao trabalho ‘é um direito humano fundamental (CF, art.6º, caput). Cita ainda que o combate à discriminação contra a população LGBT+ é também um dos objetivos da agenda 2030, como consta de apelo do Secretário-geral da ONU, Antônio Guterres.

Dia 26/06, durante a cerimônia de hasteamento da bandeira do orgulho LGBTQIAPN+ em frente à sede do TRT-8, Gabriel Veloso vestiu uma toga na cor rosa em homenagem à diversidade e pela inclusão social dessa população. A cerimônia solene, que acontece há cinco anos fez alusão ao Dia do Orgulho LGBTQIAPN+, celebrado dia 28/06.

Cota para a população trans já é realidade no judiciário de outros Estados

Segundo Gabriel Velloso, outros órgãos e entes estatais adotaram cotas para a população trans como o Estado do Rio Grande do Sul, o Banco do Estado do Rio Grande do Sul, a Defensoria Pública de São Paulo, o Ministério Público da União e o Ministério Público do Trabalho, com destaque para a unidade que atua perante o TRT-14, que fixou cota em 10%.

No poder judiciário, prossegue o recurso, a política de cotas para trans é adotada pelo Tribunal da Justiça da Bahia desde 2023. De forma semelhante o Tribunal Federal da 1ª Região (TRF1) reserva 5% das vagas para candidatos que se declararem trans (transsexual ou travesti) em seus editais de seleção e estagiários, ressalvando expressamente que a cota é baseada na Resolução CNJ 351 de 2020, “que considera princípios como dignidade da pessoa humana, a isonomia, a igualdade material e a não discriminação”.

Ele destaca ainda que não existe lei prevendo cotas para estagiários negros no poder judiciário, por exemplo, mas que os tribunais brasileiros possuem autonomia para desenvolver sua política judiciária. “A ausência de norma expressa dos Conselhos Superiores prevendo a reserva de cotas para pessoa trans não seria impedimento para que o Tribunal adotasse política de inclusão a cotas para essa população”, lembra.

O magistrado ressalta que o TRT8, por muitos anos, “foi reconhecido como um tribunal e ponta, capaz de decisões corajosas e que inspiraram a justiça social no Brasil” e que a corte deve “seguir na vanguarda e provocar as instâncias administrativas superiores para que possam ter a sensibilidade de atender às reivindicações sociais”. Caso contrário, segundo Gabriel Veloso, “quem sofrerá as consequências dessa alienação judicial não serão os magistrados, mas a população”.

O recurso apresentado pelo desembargador Gabriel Napoleão Veloso reacendeu o debate sobre a necessidade de atualização das práticas administrativas dos Tribunais, trazendo à tona discussões urgentes sobre a necessidade de modernização das práticas institucionais e de uma leitura mais abrangente dos editais públicos à luz dos direitos humanos e da igualdade de oportunidades. Mostra ainda que os órgãos púbicos precisam se alinhar com as diretrizes nacionais de inclusão e com o compromisso social do Judiciário.

Nicolas Ravi Filomeno, homem trans e coordenador do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades Pará (IBRAT/PA) e do Cursinho Popular João W. Nery, primeiro cursinho pré-vestibular voltado exclusivamente para pessoas trans na Amazônia 21, avalia que o reconhecimento de cotas para pessoas trans nos estágios do TRT-8 não é apenas um avanço jurídico ou institucional, mas também uma afirmação política de que os nossos corpos e as nossas trajetórias importam para além de um discurso.

“São ações concretas que podem mudar vidas, como já temos visto acontecer, por exemplo, na UFRA, que após muita luta do movimento trans aprovou as cotas trans e realizou um PSE trans, garantindo a entrada de mais de 10 pessoas trans no ensino superior”, avalia.

Como ativista no campo da educação, Nicolas a conquista no TRT-8 também como um gesto pedagógico, um ensinamento para o próprio sistema de justiça, para o Estado e para a sociedade de que quando se há comprometimento com as camadas sociais e diálogo com os movimentos sociais, é possível promover reparações concretas, que têm potencial de mudar realidades e distanciar corpos trans das estatísticas que são postas para essa população.

“As cotas são mecanismos de reparação para com populações marginalizadas – como é o caso da comunidade LGBTQIA+ -, seja em esferas estruturais, sociais ou institucionais. Cotas abrem portas, a história nos mostra isso. Espero que essa grande conquista seja também um incentivo para outros órgãos e instituições”, afirma Ravi, que também é assessor parlamentar e graduando de Ciências Sociais da UEPA.