Francisco Cuoco, um dos maiores galãs da televisão brasileira, morreu nesta quinta-feira (19), aos 91 anos. A informação foi confirmada pela família do ator, que o acompanhava em idas e vindas ao hospital nos últimos meses.
O ator estava internado no Albert Einstein, em São Paulo, há cerca de 20 dias, e estava sedado desde então. Ele sofria complicações de saúde causadas pela idade e por um ferimento que infeccionou, segundo sua irmã, Grácia, com quem morava. A causa da morte, porém, não foi informada.
Há dois meses, Cuoco afirmou à Folha de S.Paulo que estava orgulhoso da própria trajetória. “Sei que não foi à toa. Foi baseado em empenho, em entrega, em busca de igualdade. Passaram-se anos e experiências foram acumuladas. Eu perdia tempo, mas depois obtinha resultado”. Agora, disse depois, queria mesmo era só “tocar o barco”.
Ele atendeu a reportagem no apartamento onde morava com a irmã nos últimos anos. Estava acompanhado dela e de duas cuidadoras. Pesava cerca de 130 quilos, tinha problemas de locomoção e já não conseguia ficar de pé sozinho.
Lembrava pouco dos próprios personagens precisou de ajuda, por exemplo, para recordar os feitos do seu Herculano Quintanilha, da novela “O Astro”, de 1977, que ajudou a consolidá-lo como um dos maiores de sua geração.
Cuoco não se destacou exatamente como um daqueles intérpretes virtuoses capazes de grandes transformações em cena. Ao contrário, construiu sua carismática identidade com uma galeria de personagens parecidos uns com os outros, sempre marcados pela voz grave e rouca, olhares sedutores, virilidade e um leve traço noir no jeito de falar.
Esse perfil fez de Cuoco um dos grandes nomes da história da TV brasileira, com forte presença em novelas da Rede Globo, sobretudo no final do século 20.
Início da Carreira e Reconhecimento
O ator nasceu em novembro de 1933 em uma família pobre do Brás, bairro que foi reduto de italianos na capital paulista. Seu primeiro emprego foi como feirante, ajudando o pai. No início dos anos 1950, começou a intercalar essa atividade com o curso da Escola de Arte Dramática, hoje ligada à USP.
Cuoco estreou profissionalmente no teatro em 1958, ao lado de Fernanda Montenegro e Sérgio Britto (1923-2011). Fazia, na peça “A Muito Curiosa História da Virtuosa Matrona de Éfeso”, com direção de Alberto D’Aversa, um gladiador que já entrava morto em cena. Não tinha falas.
No ano seguinte, acompanhou Montenegro e Britto na formação do Teatro dos Sete, companhia que contava ainda com o diretor Gianni Ratto (1916-2005) e o ator Ítalo Rossi (1931-2011), entre outros profissionais.
Paralelamente ao trabalho nos palcos, começou a fazer teleteatro na TV Tupi e, em 1964, estrelou sua primeira novela, “Marcados Pelo Amor”, de Walther Negrão e Roberto
Freire, na TV Record. Foi um papel importante para que fosse reconhecido como um dos galãs mais populares da televisão brasileira.
“Eu era especial. Tenho fotografia da época e vejo que era um galãzura mesmo”, disse ele, em sua última entrevista em vida.
Parcerias e Novelas de Destaque
Em 1966, Cuoco protagonizou a novela “Redenção”, de Raimundo Lopes. Dois anos depois, fez pela primeira vez par romântico com a atriz Regina Duarte em “Legião dos Esquecidos”, do mesmo autor, na TV Excelsior. Os dois reapareceram como casal em outros títulos, entre elas, “Selva de Pedra” (1972), um dos maiores sucesso de audiência da Globo, com enredo dramático e policialesco.
Outros personagens carismáticos de Cuoco incluem Carlão, taxista de “Pecado Capital” (1975), bem como o charlatão Herculano de “O Astro” (1977), ambas de Janete Clair.
O ator tinha uma relação especial com ela foi considerado uma espécie de pupilo da novelista, que deu a ele uns dos seus papéis mais emblemáticos.
Marco da teledramaturgia, “O Astro” ganhou nova versão em 2011, com Cuoco assumindo papel secundário na trama. Herculano, na segunda edição, foi interpretado por Rodrigo Lombardi, que chama Cuoco de herói. “Se botar os grandes atores no liquidificador, o elixir que goteja é Francisco Cuoco”, diz.
O ator também fez jornada dupla em outra novela de grande sucesso, “O Outro” (1987), de Aguinaldo Silva, na qual interpretava dois papéis: o empresário Paulo Della Santa e seu sósia, Denizard de Mattos. Um não sabia da existência do outro até certo ponto da trama, e a possibilidade do encontro criava suspense.
Retorno aos Palcos e Últimos Trabalhos
Por conta do trabalho na TV, nos anos 1990, Cuoco passou longo período longe dos palcos, mas reaproximou-se das artes cênicas em 2004, com “Três Homens Baixos”, de Rodrigo Murat, um besteirol em que amigos debochavam dos próprios problemas sexuais e das crises derivadas da maturidade.
O ator voltou a subir ao palco em “Circuncisão em Nova York” (2008), com texto de João Bethencourt. Depois, em 2009, ao lado de Fernanda Torres, fez “Deus é Química”. Em 2013, protagonizou “Uma Vida no Teatro”, com texto de David Mamet e direção de Alexandre Reinecke, espetáculo com rasgos de comicidade.
No cinema, nas últimas décadas, Cuoco fez “Traição” (1998), filme de José Henrique Fonseca e Arthur Fontes, “Gêmeas” (1999), de Andrucha Waddington, e “Um Anjo Trapalhão” (2000), de Alexande Boury e Marcelo Travesso, e “Cafundó” (2005), de Clóvis Bueno e Paulo Betti.
Em sua trajetória, também arriscou-se como cantor, gravando o disco romântico “Solead” (1975). Gravou ainda o CD “Paz Interior”, com 16 orações católicas.
Cuoco deixa três filhos, Rodrigo, Diogo e Tatiana, que mora em Londres e veio visitar o pai no hospital, mas quando ele já estava sem consciência.
GUSTAVO FIORATTI E GUILHERME LUIS