Atravessado pelo rio Tucunduba e margeado por outros igarapés, o bairro da Terra Firme, carinhosamente chamado de TF, é o oitavo bairro mais populoso de Belém, com 46 mil habitantes, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se antes o bairro era visto com preconceito e estigma por conta da violência urbana, hoje o local é uma vanguarda de produção cultural, empreendedorismo e projetos de impacto social que beneficiam jovens, crianças e adultos.
Segundo um artigo publicado na revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, liderado pela professora e pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Helena Barbosa, a origem de nome do bairro remete ao fato de que, quando foi ocupado, a área era quase toda alagada, com apenas uma pequena parte considerada de “terra firme”, onde foram construídas as primeiras ocupações. Os registros não delimitam uma data exata para origem do bairro, mas existem pistas que indicam que a ocupação iniciou na década de 1960.
Como parte deste recorte histórico, foi no início da década de 1990 que Raimundo Corrêa, 65, iniciou a jornada no local. “A chegada por aqui é um pouco emocionante para mim. Eu morava no Guamá, mas conheci uma menina que morava aqui e estamos juntos até hoje”. Ele e a esposa construíram uma casa, tiveram filhos e hoje aproveitam a companhia do neto. Seu Raimundo trabalha na paróquia de São Domingos Gusmão, no centro da TF e acompanhou mudanças consideráveis, principalmente na segurança. “Andar com um celular aqui era impossível, tinha que esconder, hoje não, está muito melhor de morar aqui”.
A história e a fé no bairro da Terra Firme
A origem da paróquia remete ao contexto de formação de bairro. Foi em 1971, que o então arcebispo de Belém, Dom Alberto Gaudêncio Ramos, deu o título de paróquia, desligando a comunidade da Igreja de Queluz, em Canudos. São Domingos também empresta o nome a uma das principais vias do bairro, que conecta a avenida Perimetral à avenida Tucunduba. A via é um símbolo do empreendedorismo na Terra Firme, com açougues, lojas de roupa, calçados, óticas e outros pontos de venda.
É nesta via que Helen Alves, 38, tem um depósito de bebidas. Ela chegou no bairro quando tinha 8 anos de idade e nem pensa em sair. “Aqui é muito bem localizado, está perto da rodoviária, do aeroporto, da UFPA, da UFRA e dos melhores hospitais universitários públicos”, diz, orgulhosa. Para empreender, o cenário é ainda mais promissor. “Para ganhar dinheiro é um local excelente. Conheço pessoas de outros bairros que vem para Terra Firme abrir negócios, pois é um bairro com muitos clientes”. Devido às oportunidades, a empresária ampliou a abrangência do negócio e também comercializa óleos para veículos.
Aliás, a venda de peças, acessórios e materiais para carros e motos é um dos atrativos que movimentam o comércio da TF. Karla Carneiro, 45, veio da cidade de Breves, no Marajó, e mora no bairro há 20 anos. “Eu vim para estudar administração e comecei a trabalhar brevemente com venda de roupas, mas como já atuava no interior com peças de bicicleta, iniciei esse segmento aqui”. A loja começou pequena e hoje é uma referência quando o assunto é componente para bike e moto. “O bairro tem um grande potencial. Antes pesava essa questão do preconceito por conta da violência, mas hoje está muito melhor, graças a Deus”.
Cultura, transformação social e futuro
A Terra Firme também se tornou um espaço privilegiado de produção, divulgação e ativismo cultural. Francisco Batista é idealizador do Tela Firme, um coletivo de comunicação popular que mostra, por meio do audiovisual, a complexidade da periferia. Ele também fundou o Chalé da Paz, espaço que desenvolve oficinas e ações de cidadania para crianças e jovens. Juntos, os projetos desenvolveram uma Cartografia Social que mostra o cotidiano e a diversidade do bairro. “O movimento cultural foi fundamental para mostrar que esse território tem talentos de toda ordem. A TF foi um dos berços do movimento hip hop em Belém e é forte na arte cênica, dança, esporte e já exportou o Rui Marinho, que fez parte da seleção brasileira de ginástica rítmica”. O esportista disputou os Jogos Pan-Americanos de 2011 em Guadalajara, no México.
A tradição da cultura popular do Estado faz parte do encontro de gerações no bairro. Criado em 2007, o grupo cultural Boi da Terra completa 18 anos em 2025 e movimenta as ruas da TF durante o mês de junho com arrastões e arraial. O folguedo foi fundado por Maria Terra, antiga moradora do bairro, hoje com 87 anos. A neta, Letícia Terra, assumiu a missão de coordenar as atividades. Para ela, “o boi quebra esse estigma da violência com a Terra Firme. O nosso bairro pulsa cultura, pulsa resistência e grita para Belém essa esperança para a comunidade “. A temporada junina do Boi da Terra segue até o dia 26 de junho, sempre aos domingos, a partir de 16h, na passagem Comissário, nº 121.
A janela de oportunidades para transformação social foi o que motivou a construção da Usina da Paz (UsiPaz) na Terra Firme. O complexo multifuncional do Governo do Pará, auxilia na redução da violência e na chegada de serviços de cidadania mais próximos da população. “A usina trouxe à comunidade serviços que até o momento eram de difícil acesso. É um lugar onde a comunidade tem uma relação de pertencimento, de afeto, isso também alinhando com uma gestão do espaço que contribui para essa dinâmica”, avalia Francisco.
A Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup), aponta que, em 2024, os casos de roubos registrados no bairro sofreram uma redução de 22,5%, índice atribuído à presença do Estado, por meio da UsiPaz. “Apesar dos desafios, somos orgulhosos de morar aqui, gostamos da nossa quebrada, gostamos das pessoas, das nossas ruas, da nossa cultura e não desistimos daqui. Vamos seguir sonhando que aqui essa Terra será um lugar cada dia mais Firme”, finaliza o ativista cultural.
Infraestrutura e serviços da Usina da Paz
A UsiPaz Terra Firme fica localizada na Passagem Belo Horizonte, entre Avenida Perimetral e a Passagem do Arame, ao lado do terreno da Eletronorte. O complexo oferece mais de 70 serviços gratuitos e dispõe de salas para atendimentos médicos e odontológicos, espaços para a emissão de documentos, quadra poliesportiva, bibliotecas, piscina, entre outros. O morador pode se dirigir a Usina da Paz Terra Firme para verificar a disponibilidade de vagas e fazer a inscrição presencialmente na recepção da unidade. O horário de funcionamento é de segunda a sexta, de 8h às 22h; aos sábados, de 08h às 14h e aos domingos, de 8h às 18h.