REGULARIZAÇÃO

Burocracia e mudanças em legislação deixam imigrantes em limbo em Portugal

A saga da brasileira é típica da situação dos imigrantes em Portugal, vítimas da lentidão burocrática e das constantes mudanças de rumo na legislação.

Burocracia e mudanças em legislação deixam imigrantes em limbo em Portugal Burocracia e mudanças em legislação deixam imigrantes em limbo em Portugal Burocracia e mudanças em legislação deixam imigrantes em limbo em Portugal Burocracia e mudanças em legislação deixam imigrantes em limbo em Portugal
Reprodução/montagem/canva
Reprodução/montagem/canva

Patrícia (nome fictício), 31, vive em Cascais desde 2016. “Estávamos com dificuldades financeiras no Brasil e achamos que em Portugal teríamos mais oportunidades”, disse à Folha de S.Paulo. Nascida no nordeste brasileiro, Patrícia veio com o marido e uma filha, então com quatro anos de idade. O marido logo conseguiu emprego na construção civil e uma autorização de residência. Patrícia tenta há nove anos regularizar seus documentos. Em março deste ano, soube que seu pedido havia sido indeferido -e que poderia engordar um contingente de 5.000 brasileiros convidados a sair do país europeu.

“Tomara que eu não seja mandada para fora. Mesmo com o custo de vida alto, vivo melhor aqui do que no Brasil”, afirma Patrícia.

Ela diz ter tentado se regularizar de todas as maneiras. Primeiro, por reagrupamento familiar: pessoas casadas com residentes em Portugal têm o direito de permanecer no país. Fez a solicitação, mas a fila era enorme, e ela nunca foi chamada para a entrevista. Recorreu então ao mecanismo da manifestação de interesse: imigrantes capazes de comprovar trabalho e renda tinham, até recentemente, o direito de morar em Portugal. Patrícia trabalha com limpeza doméstica. Novamente entrou na fila e não foi chamada.

Em março de 2023, ela fez ainda uma terceira tentativa, pleiteando uma autorização de residência destinada a imigrantes da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). O processo era para ser simples: preencheu um formulário na internet, imprimiu um certificado e ficou esperando por uma entrevista, que deveria ser dali a no máximo 90 dias.

Foi chamada em março de 2025, dois anos depois. Em abril, recebeu a notícia do indeferimento. “Eu estou trabalhando, tenho como comprovar rendimentos, mas não por 12 meses ininterruptos, pois tive que parar um tempo para cuidar de meu bebê”, diz Patrícia, que ao longo de seu périplo deu à luz uma segunda filha.

A saga da brasileira é típica da situação dos imigrantes em Portugal, vítimas da lentidão burocrática e das constantes mudanças de rumo na legislação. Em 2007, o país aprovou uma das leis mais liberais de imigração do continente. A recomendação da União Europeia era que os países só admitissem imigrantes com visto consular, obtidos nos países de origem. Por meio da manifestação de interesse, Portugal se tornou um dos poucos lugares a permitir, a posteriori, a regularização de imigrantes que entrassem sem visto.

Após sucessivas regulamentações, entre 2017 e 2024 o número de estrangeiros em Portugal quase quadruplicou, de 400 mil para 1,5 milhão, de acordo com os dados oficiais. Em junho do ano passado o governo português extinguiu, porém, a manifestação de interesse, um esforço para adequar o país às normas da UE. A medida, no entanto, não era retroativa. O governo precisou criar uma força-tarefa para zerar a fila -pessoas que, como Patrícia, haviam se cadastrado, mas não foram chamadas para a entrevista.

Na semana passada, o governo apresentou um balanço da força-tarefa. Dos 440 mil pedidos, 184 mil foram analisados. Destes, 150 mil receberam autorização e 34 mil foram, ou serão, chamados a sair do país. O maior índice de recusa foi de cidadãos indianos (46,4%). Entre os brasileiros foram 7,3%, o que significa que 5.386 brasileiros terão que deixar Portugal.

Patrícia faz parte de outro contingente, o dos 210 mil estrangeiros que tentaram se regularizar em Portugal usando o Visto CPLP. A medida gerou um constrangimento internacional. Como o pleito pela internet gera um documento provisório -uma folha A4 com um QR Code-, muitos imigrantes acharam que poderiam ir a outros países da UE portando o papel e acabaram barrados na fronteira.

“A manifestação de interesse, criada pelo governo socialista, era um caminho muito alternativo, que deixava as pessoas por muito tempo numa espécie de limbo”, diz o advogado brasileiro Wilson Bicalho, referência na área e responsável pelo recurso de Patrícia. “O que o novo governo social-democrata está fazendo não é nada comparável ao que ocorre nos Estados Unidos. Estão apenas zerando a fila, com a aplicação de regulamentos que existem há muito tempo, como a exigência de comprovação de renda e de trabalho”.

Ana Paula Costa, presidente da Casa do Brasil de Lisboa, organização de apoio aos imigrantes brasileiros, tem uma crítica ao governo. “Aplicar regras para a imigração é prerrogativa de todos os países. O que não aceitamos é a relação que vem sendo feita, no discurso político, entre imigração e segurança pública, como se os imigrantes trouxessem criminalidade e violência”, diz.

Em seu discurso de posse na quinta-feira (5), o primeiro-ministro Luís Montenegro, que acaba de ser reeleito, disse: “Vamos manter o mesmo rumo nas políticas de imigração e segurança. Portugal é um país seguro, mas vale ouro preservar esse valor como um dos países mais seguros do mundo”. E acrescentou: “Uma política migratória responsável, regulada e humanista é um elemento fundamental para o sucesso econômico e a estratégia de criação de riqueza, como é, igualmente, a segurança”.

Patrícia, que preferiu não ser identificada nesta reportagem com o nome verdadeiro, vive agora uma terceira gravidez. “Assim que cheguei ao país, em 2016, vi na televisão que os portugueses precisavam de bebês, pois a população está envelhecendo e a taxa de natalidade aqui é muito baixa”, diz. “Posso dizer que, nestes quase dez anos em Portugal, estou dando minha contribuição.”