Wagner Moura, que não atuava em um filme nacional desde 2014, conversou durante quase quatro anos com Kleber Mendonça Filho sobre uma colaboração entre os dois. Quatro é o número de participações de KMF no Festival de Cannes como cineasta: com “Aquarius” e “Bacurau”, na competição oficial, “Retratos Fantasmas”, numa sessão especial, e a volta à competição com “O Agente Secreto”, tendo o ator baiano como protagonista.
Um dos nomes de maior destaque do cinema brasileiro mundo afora, ao lado de Wagner Moura, Walter Salles, Fernando Meirelles, Alice Braga, Sônia Braga, Gabriel Leone e Karim Aïnouz, o cineasta pernambucano, após levar para o Brasil o Prêmio do Júri de Cannes, agora é um sério candidato à Palma de Ouro, segundo a crítica especializada.
Resta esperar até o anúncio da decisão do júri – que tem Juliette Binoche na presidência – neste sábado, 24.
Enquanto o momento não chega, o cineasta de 56 anos, nascido no Recife e casado com a produtora Emilie Lesclaux, que morou na Inglaterra durante a adolescência, dirigiu seu primeiro curta-metragem em 1992 e foi, durante quase 20 anos, crítico de cinema, reflete, em entrevista ao DIÁRIO DO PARÁ, sobre o seu momento pessoal e o do cinema do Brasil, após a conquista do Oscar com “Ainda Estou Aqui”.
P: Você cobriu esse festival durante muitos anos. Como é estar na posição de ser julgado, criticado, premiado?
R: Eu tenho uma relação muito forte com o Festival de Cannes, comecei cobrindo como crítico de cinema e depois passei para realização cinematográfica e consegui um ótimo espaço para meus filmes aqui.
Talvez seja um pouco cedo para entender para onde esse filme está indo, mas talvez as pessoas que ficaram apaixonadas pelo filme também ficaram impressionadas com o Brasil como um país de território histórico… O filme se passa nos anos 1970, durante a ditadura brasileira, num momento em que o mundo acabou de conhecer um filme chamado “Ainda Estou Aqui”, então isso tem gerado uma curiosidade em torno da história recente do Brasil.
P: Sendo crítico de formação, ainda acha que a crítica de cinema cumpre um papel importante?
R: Ontem um determinado crítico me pediu para confirmar se um determinado filme era uma referência para esse filme (O Agente Secreto) e eu disse que a questão da referência fala mais sobre ele do que de mim e do meu filme, então posso dizer que não é uma referência nesse caso. Eu leio muita crítica e fico curioso em identificar a pessoa que está escrevendo aquilo, que está se expondo, se colocando numa posição propositiva ou então negativa. Acho importante e ainda relevante.
P: Você entende que um filme como “O Agente Secreto” enfrenta dificuldades de entendimento para quem não é brasileiro?
R: É um desafio com o qual eu lido relativamente bem. Sou brasileiro, faço filmes no Brasil, sou do Nordeste e tenho um ponto de vista a partir de Pernambuco. Não me preocupo se determinado filme será compreendido a partir do Brasil. Todos nós passamos anos da nossa vida consumindo expressão artística que vem de outros países e eu quero mesmo colaborar com a minha parte, dar a minha parte para que meus filmes tenham voz fora do Brasil e façam parte desse caldo cultural enorme.
P: Acredita que o brasileiro, após o fenômeno “Ainda Estou Aqui”, tem orgulho do cinema nacional?
R: Espero que “O Agente Secreto” tenha um alcance muito grande no Brasil para além da carreira internacional que ele já está tendo. O cinema feito em língua inglesa, especialmente o cinema algo americano, o audiovisual que é feito a partir de Hollywood, domina e o cinema brasileiro é tratado como estrangeiro dentro do próprio país.
P: Como vê a fortuna crítica, o legado desse filme “O Agente Secreto”? Como ele deve ser lembrado daqui a uns anos dentro e fora do país?
R: A fortuna crítica de um filme fala muito do momento do mundo em que a gente está vivendo. E eu acho que de uns 10 anos para cá, a fortuna crítica de um filme tem uma nota de rodapé muito estranha, pois não é sobre um filme como expressão artística, mas também as impressões, agressões e declarações de amor que aparecem nas redes sociais. Acho que essas reações não devem ser descartadas como um termômetro possível sobre como uma obra como um filme é capaz de provocar.
Partindo das reações descabeladas das redes sociais, o Letterboxd (rede social de cinéfilos) tem uma mistura disso, um termômetro estranho para entender a saúde de um filme diante da sociedade.
* LORENNA MONTENEGRO
Paraense, é jornalista com atuação na área cultural, curadora, professora, roteirista e crítica de cinema e realiza a cobertura do Festival de Cannes 2025, direto da cidade francesa, em parceria com o DIÁRIO e diariodopara.com.br.
Formada em Produção Audiovisual, é especialista em Cinema e Linguagem Audiovisual e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Audiovisual na Universidade Anhembi Morumbi. Ela dá aulas de roteiro na Academia Internacional de Cinema-SP, além de coordenar o Festival As Amazonas do Cinema e manter o site kinemacriticas.com.
Atualmente radicada em São Paulo, Lorenna integra o Coletivo Elviras, a Abra- Associação Brasileira de Autores Roteiristas e a Abraccine-Associação Brasileira de Críticos de cinema, além do Forcine- Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual. Ela está entre os profissionais do audiovisual brasileiro votantes do Globo de Ouro.