O DIÁRIO NA EUROPA, como já sabes, é história, gastronomia, curiosidades, além de muito bom humor. E se tem uma coisa que o portuense (e também o paraense) gosta é de uma boa anedota. Que tal mandar uma agora, degustando, no balcão da tasca (guarda esta palavra), uma francesinha com pupunha e café?
Lá pelos idos de 1832 D. Pedro I – aqui ele é D. Pedro IV – tava num momento decisivo. Tivera o trono usurpado pelo irmão, D. Miguel, e andava bem longe de Lisboa. Escolhera o Porto como casa.
Uma tropa formada por 7.5 mil liberais embarcou nos Açores e chegou a Pompelido, em Matosinhos, em 8 de julho de 1832. Missão: libertar Portugal do absolutismo. Naqueles ontens, arranjar abrigo pra tanta gente era tarefa difícil. Mas D. Pedro jurou que de tudo faria para sentar no trono.
Vai pra lá, sobe pra cá, puxa daqui, chamada dali e eis que na localidade de Pedras Rubras, entre as cidades do Porto e Póvoa de Varzim, a tropa encontrou onde ficar. Já são 11h da noite e Pedro está faminto.
Deixara a barba crescer e poucos o reconheciam. Entre os raios de luar e as velas que usava para iluminar o caminho deu de cara com uma tasca (pra nós, em Belém, é o famoso boteco).
O Encontro Inusitado na Tasca
Já estourado de um dia exaustivo, por detrás do balcão o jovem empregado praguejou (em voz baixa): “logo agora que eu ia fechar as portas e descansar?”. Mal teve tempo de respirar e o oficial, que acabar de entrar, perguntou: “o que tens para comer”?.
Resposta: “o peixe dos 3 efes”. Curioso, D. Pedro perguntou: “o que vem a ser isto?”. Outra resposta: “fanecas-frescas-fritas”. Faneca é um pequeno peixe, parecido com sardinha.
Já mais descontraído, ao ter a certeza que o jantar tava garantido, D. Pedro pediu duas fanecas e um café. Saboreou o prato após a longa viagem. Levantou-se e já ia em direção à porta quando, ao enfiar a mão no bolso, percebeu que não tinha um tostão.
Virou-se para o tasqueiro e, com bom humor, soltou: “Rapaz, o peixe que comi não é de 3 efes e sim de 4 efes – fanecas, frescas, fritas e fiadas – estou sem dinheiro para pagar-te agora”. Tomou o rumo da rua e sumiu na escuridão.
O tasqueiro viu-se em apuros. O patrão com certeza iria cobrar pela refeição e ele teria que assumir o prejuízo. Vendera fiado para um desconhecido. “Fazer o que? Assim é a vida…”. Já estava se conformando com a má sorte quando o barbudo oficial, cheio de medalhas e insígnias, voltou.
A Recompensa Inesperada
“Rapaz, és o dono desta tasca?”. “Não senhor. Trabalho para o dono e estou noivo da filha dele. Estou juntando dinheiro para casar com ela e falta só mais um bocadinho para realizar meu sonho”.
Ao ouvir aquilo, D. Pedro enfiou a mão no bolso e disse: “gostei da tua franqueza. Vou pagar-te pela refeição e aqui estão mais duas moedas de ouro, para comprares brincos para tua noiva. Sejas feliz”.
O jovem foi dormir cheio de alegria. Mas não conseguia pegar no sono. Toda aquela história era boa demais para ser verdade. Aquelas duas moedas de ouro valiam mais que dois anos de salários. Finalmente estava quase a adormecer quando ouviu um movimento na rua e uma multidão a caminhar.
Levantou e, ao lado do futuro sogro, foi para a porta da tasca. Então lhe falaram que aquela era a tropa liberal e que os milhares de soldados e oficiais já iam deixar a cidade. Qual não foi a sua surpresa ao ver, no alto de um cavalo, em posição de comando, o freguês que servira horas antes?
D. Pedro I passou em frente à tasca e acenou para o rapaz que, orgulhoso, disse ao futuro sogro: “Esse oficial tem mais que cinco estrelas”, enquanto tocava as duas moedas de ouro no bolso.
Imediatamente lhe veio à cabeça a frase que murmurou, irritado, no momento em que D. Pedro disse que não tinha como pagar. “O peixe não é de 4 efes. E sim de 5”.
Os bravos leitores do DIÁRIO NA EUROPA já devem imaginar qual palavra este quinto efe representa….
*Sérgio Augusto do Nascimento é um jornalista paraense que vive em Portugal. Foi repórter e editor e hoje é correspondente do DIÁRIO na Europa.