O 13 de maio marca, oficialmente, a abolição da escravidão no Brasil com a assinatura da Lei Áurea, em 1888. Mas quatro anos antes, um pequeno município do Pará já havia dado seu grito de liberdade. Em 30 de março de 1884, Benevides, a apenas 34 km de Belém, libertava oficialmente os escravizados que viviam em seu território, tornando-se o primeiro da Amazônia e o segundo do Brasil a tomar essa atitude histórica.
A iniciativa nasceu no seio de uma colônia agrícola, instalada ao longo da antiga Estrada de Ferro de Bragança. O plano inicial era receber imigrantes franceses, mas a seca que assolou o Nordeste atraiu migrantes cearenses para a região. Com eles, vieram também os ideais abolicionistas que já ganhavam força no Ceará — o primeiro estado a abolir completamente a escravidão.
Segundo a historiadora Ana Carolina Trindade Cravo, doutoranda em História Social da Amazônia, esses migrantes mantinham uma forte ligação com sua terra natal. “Havia uma troca constante de pessoas e ideias entre Benevides e o Ceará, o que fortaleceu os laços com a causa abolicionista”, explica.
Inspirada pela cidade de Redenção (CE), Benevides criou sua própria Sociedade Libertadora, conectada à organização cearense. E foi essa articulação que levou à libertação dos seis escravizados que viviam na colônia — um número pequeno, mas com enorme valor simbólico. A data foi celebrada como uma verdadeira festa da liberdade, com ampla repercussão na imprensa da época, inclusive em jornais conservadores como o Constituição.
Aos poucos, Benevides se tornou um farol de esperança. Escravizados de outras regiões começaram a fugir para a cidade, atraídos pela possibilidade real de liberdade. A cidade não apenas acolheu esses fugitivos, como também os empregava em condições de contrato formal. Os salários, intermediados pela Sociedade Libertadora, permitiam que essas pessoas reconstruíssem suas vidas com dignidade.
Mas a ousadia de Benevides teve um preço. A crescente presença de ex-escravizados passou a incomodar as autoridades provinciais. Em 1884, o conflito eclodiu com a tentativa de prisão de uma mulher chamada Severa, considerada livre por estar sob proteção da Sociedade Libertadora. Houve resistência armada e um processo criminal se estendeu até 1890, com prisões e perseguições.
Notícias Relacionadas
Apesar disso, a memória da liberdade conquistada permaneceu viva. Em 2012, o Governo do Pará reconheceu oficialmente Benevides como a “Terra da Liberdade”, transformando a data de 30 de março em Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Estado.
Vestígios da Liberdade em Benevides
Vestígios físicos da abolição resistem em Benevides, mantendo viva a lembrança da luta por liberdade:
- Estação da Estrada de Ferro de Bragança: Hoje descaracterizada, foi rota de fuga para muitos escravizados.
- Praça da Liberdade: Abriga um monumento em bronze de um homem negro com algemas rompidas.
- Monumento da Entrada da Cidade: Representa uma mão atravessada por um pássaro em voo — símbolo da liberdade.
- Prefeitura Municipal: Em frente, um monumento define Benevides como o “Berço da Liberdade”.
Casarão que guarda histórias
Na Praça Nossa Senhora da Conceição, no distrito de Benfica, um antigo casarão serviu como cartório e guarda registros históricos da escravidão e libertação. O local abrigou o Cartório Travassos, que ainda conserva documentos como o registro de penhora de um escravizado chamado Justino. “Muitos pesquisadores ainda nos visitam em busca desses arquivos”, relata Aldenora Travassos, filha da última tabeliã a atuar no casarão.
Números que contam uma história
- 1884: Ano da abolição da escravidão em Benevides.
- 1888: Data oficial da abolição da escravidão no Brasil com a assinatura da Lei Áurea.
- 6: Escravizados libertados oficialmente no ato simbólico em Benevides.
- 2012: Ano em que Benevides recebeu, oficialmente, o título de “Terra da Liberdade”.
