O futebol, via de regra, premia quem busca o jogo, trata a bola com o carinho que ela exige. Ao mesmo tempo, pune momentos de indecisão e quem entra pensando apenas em não perder. Confesso que via a decisão do Parazão se encaminhando para coroar o Paysandu. O roteiro era clássico. Time alviceleste em má fase, em desvantagem, mas aguerrido, que fez o seu gol para igualar o placar agregado diante de um Remo implorando para ser vice, com erros atrás de erros e postura vacilante. Finalzinho de partida, pênalti para o Remo. Se a vida é mesmo imprevisível e extremamente irônica, imagine o futebol.
Pedro Rocha na bola. Craque azulino, artilheiro, que havia perdido três gols feitos anteriormente. Era a redenção. Opa, espera aí. Adailton pede para bater. Temos um desalinho, um distúrbio na ordem natural. Cá pra nós, era óbvio o que ia acontecer. Adaílton erra. Não que ele seja um mau batedor de pênalti. Converteu alguns neste ano, inclusive. Mas ele interrompeu o fluxo. Brincou com a coisa mais séria do futebol: a superstição. Imperdoável.
O destino da taça estava praticamente traçado. O Paysandu poderia chegar ao título até mesmo antes do apito final. Se algum jogador do time tivesse a presença de espírito de ao menos chutar para o gol… Uma bola, apenas uma. Tenho certeza de que ela entraria. Da forma que fosse. Um golaço no ângulo, desvio no meio do caminho, montinho artilheiro, um frango, alguma força sobrenatural qualquer ajudaria. Sei lá. Mas a bola ia para o fundo das redes. O universo todo estava conspirando. Só que ninguém tentou. Tudo bem. Decisão por pênaltis. Tudo ainda pendia para o lado bicolor, afinal o time terminou o jogo em alta, moral lá em cima.
Em que momento o jogo virou? Que me perdoem Marcelo Rangel, gigante na hora certa, e Reynaldo, o cara do último e decisivo gol. Mas o grande plot twist desse Re-Pa foi a audácia de dar à Adaílton a quinta cobrança. A última da série inicial, normalmente reservada para aqueles de sangue congelante e confiantes no seu taco. O fato do camisa 15 do Remo se dispor a andar até a marca da cal e cobrar aquele pênalti mostrou o seu espírito inquebrantável. Se ele perdesse, o jogo terminaria e o Paysandu seria campeão. Adaílton se tornaria o cara que perdeu o gol do título no tempo normal e o que entregaria a taça ao rival.
O futebol gosta dessas ousadias. Ali, quando Adaílton desafiou o destino e estufou as redes, o Remo foi campeão. O que veio depois foi só mera confirmação. Sorte daqueles que estavam no Mangueirão. Testemunhas privilegiadas das peripécias desses sempre brincantes deuses da bola.