O desenvolvimento econômico que é gerado como consequência de um trabalho centrado na preocupação ambiental e social é o foco de um modelo de negócio que tem despertado cada vez mais o interesse dos empreendedores paraenses, o empreendedorismo sustentável. Adaptáveis a diferentes áreas de atuação, os chamados negócios verdes já vêm transformando a realidade local através de soluções inovadoras e alinhadas com as melhores práticas ambientais.
Nascido e criado em uma família ribeirinha que, como tantas outras espalhadas pelo Pará, tem no açaí uma grande fonte de renda, o biólogo e empreendedor Mauricio Pantoja decidiu pensarfora do comum para mudar não apenas a sua realidade, como também a das comunidadesque atuam em cooperação com o negócio criado por ele e pelo Jonathan Machado.
Observando os entraves que a monocultura do açaí gerava para quem dependia exclusivamente da economia gerada pelo fruto, Mauricio e Jonathan consideraram que a solução poderia vir da diversificação de culturas, ideia que foi a origem da Tribo Superfoods, startup que foi vencedora da 11ª edição do Startup Day Belém na categoria bioeconomia. “A Tribo surgiu muito como um manifesto porque a gente está localizado em Igarapé-Miri, que é conhecida como a capital mundial do açaí. O açaí sempre foi dado como um dos principais frutos da bioeconomia para o nosso estado. Mas, aqui, a gente tem um problema que está se agravando com bastante frequência que é a monocultura do açaí”, explica Mauricio. “Todos os pequenos e grandes agricultores estão expandindo a plantação única de açaí, derrubando a floresta e deixando de cultivar outras culturas”.
O empreendedor observou que, com o tempo, a monocultura do açaí passou a gerar um impacto tanto econômico para as famílias, na medida em que em algumas épocas do ano o fruto tinha a sua produtividade reduzida, quanto também ambiental, a partir do momento em que algumas localidades começaram a relatar que o açaí acabava secando mais rápido porque não tinham outras árvores maiores para fazer o sombreamento, árvores essas que haviam sido retiradas ao longo dos anos justamente para expandir a monocultura do açaí.
Já formado em biologia e ciente da perda de biodiversidade que esse cenário também poderia causar, ele considerou fazer algo que pudesse contornar a situação.
“O açaí produz no nosso verão amazônico, então, são seis meses de açaí e nos outros seis meses grande parte dos produtores, principalmente os pequenos, não tem açaí para vender. E se eles estão vivendo na monocultura, ou seja, se eles só produzem açaí, são seis meses que eles ficam sem renda”, destaca. “Então, a gente criou a Tribo Superfoods como uma alternativa para inovar na associação de culturas nativas, para que a gente possa resgatar culturas que foram desvalorizadas ao longo do tempo e possa associar a esse trabalho das comunidades, principalmente na região do Baixo Tocantins, para que elas possam trabalhar tanto com açaí, como com o cupuaçu, com o cacau e fazer com eles possam ter renda durante o ano todo”.
Tribo Superfoods e a diversificação de culturas
Comprando a produção dessas comunidades e cooperativas locais, hoje a startup atua com a comercialização de açaí e cupuaçu em polpas congeladas e em pó, além do cacau, outra cultura nativa da região que estava perdendo espaço, mas que passou a ser mais uma alternativa de ganho para as comunidades durante a época de entressafra do açaí. “Temos o objetivo de fazer com que os produtos que a gente vende aqui na Tribo sejam produtos de alto valor, que a gente consiga agregar valor para essas comunidades, que a gente consiga pagar mais do que os outros compradores locais e que a gente consiga entregar para o consumidor final produtos com super qualidade, certificados, orgânicos. Então, a comunidade acaba ganhando da mesma forma que a gente, como startup, e que os nossos clientes também ganham”.
Mauricio aponta, ainda, que o negócio gira em torno da ideia central de que, se o que se deseja é proteger a floresta, é preciso proteger as pessoas que vivem nela. “As pessoas que moram na floresta, que moram na Amazônia, são as que protegem ela. Então, a nossa principal preocupação é fazer com que essas comunidades, que são os nossos fornecedores, os nossos parceiros, estejam bem e que consigam ver na floresta em pé valor para continuar protegendo”.
O fato de o próprio CEO da startup também ser oriundo de uma comunidade tradicional ribeirinha acaba gerando um outro significado para o negócio. “Quando, por exemplo, eu vou fazer um alguma reunião com alguma cooperativa local, eles me conhecem e falam: ‘Ah, é o filho da dona Orlandina, que é da cooperativa’. Então, a gente tem essa relação muito próxima com as cooperativas que faz com que seja uma cobrança diferente e uma cobrança boa porque eles sabem o que esperar da gente, eles sabem que a gente conhece a realidade”, considera. “Então, existe esse lado social e também essa preocupação ambiental que vem desde a minha formação. No final, a parte econômica é uma consequência”.
Ver-o-Fruto e o impacto social e ambiental
O olhar voltado para o social e o ambiental também norteia o trabalho da Ver-o-Fruto, empresa criada pela engenheira de produção Ingrid Teles. Através da venda de produtos de higiene e cuidados com a pele desenvolvidos a partir de insumos locais, o empreendimento leva água de qualidade para comunidades ribeirinhas do entorno da capital paraense. “A Ver-o-Fruto nasceu de dois incômodos grandes, que era a grande quantidade de caroços de açaí que nós temos em Belém e o segundo foi que, depois de participar do Círio Fluvial, me deparei com um senhor tomando banho no rio e me questionei, naquele momento, qual seria a qualidade da água que aquelas pessoas tinham acesso?”.
Com esse questionamento em mente, Ingrid foi até a faculdade e, conversando com uma professora, surgiu a ideia de usar um desses problemas como a solução para o outro. “Nós iniciamos com a pesquisa, fizemos alguns testes e conseguimos comprovar que o que nós tínhamos feito, naquele momento, conseguia deixar a água livre de impurezas, principalmente de bactérias e de coliformes”.
A pesquisa ganhou uma premiação de inovação e empreendedorismo, e o negócio ganhou seis meses de incubação no Parque de Ciência e Tecnologia do Guamá. Foi lá que Ingrid passou a ser, além de pesquisadora, também empreendedora. Ao fazer a sua primeira pesquisa de mercado, ela percebeu que precisaria mudar um pouco os rumos do negócio que, inicialmente, tinha como produto o sistema de tratamento de água desenvolvido por sua pesquisa. “Foi quando eu fiz outra pesquisa de mercado e entrei no mercado de higiene e cuidados com a pele”, lembra. “Naquele momento, eu tinha que considerar o que eu tinha de tecnologia, mas principalmente o que eu tinha no bolso, que era R$20. Com R$20 dava para iniciar uma produção de sabonetes artesanais pelo menos para validar a minha proposta, a minha ideia”.
Hoje, a empresa tem como objetivo central conseguir levar água de qualidade para as comunidades ribeirinhas, sem deixar de lado a paixão que surgiu pelo mercado de higiene e produtos de cuidados com a pele. “Eu participei de alguns programas de aceleração, como o Inova Amazônia, do Sebrae, como o BNDES Garagem – Negócios de Impacto e através de todas essas acelerações eu consegui casar os dois modelos de negócio que eu tenho”, explica Ingrid. “Então, hoje, com a venda de cada produto meu – que não é mais só um sabonete, temos hidratante, temos shampoo e condicionador em barra – a gente consegue levar até 5 litros de água para comunidades ribeirinhas amazônicas que não podem pagar por esse bem”.
Esse abastecimento é possível através do sistema de tratamento de água da Ver-o-Fruto, que foi totalmente remodelado. Cada produto de higiene feito com insumos amazônicos que é vendido pela empresa, tem parte do dinheiro destinado para financiar o projeto que leva água de qualidade para comunidades ribeirinhas. “No ano passado nós participamos de uma ação junto ao Sebrae, onde eles compraram os nossos produtos para dar de brinde dentro de um stand em uma feira deles. Com essa ação, nós vamos conseguir levar acesso à água tratada e segura para 10 famílias durante um ano, aqui na Ilha do Combu”, exemplifica a empreendedora. “Então, toda vez que uma pessoa compra os nossos produtos, ela não está fazendo bem só para a sua pele, ela está colaborando com o meio ambiente e causando impacto positivo na Amazônia”.
O potencial do empreendedorismo sustentável no Pará
A possibilidade de causar impacto ambiental e social positivo na Amazônia, ao mesmo tempo em que se promove a geração de renda, é potencializada pela própria vocação da região. Mais do que isso, a gerente de Sustentabilidade e Inovação do Sebrae-PA, Renata Batista, destaca que os empreendedores do Estado têm conseguido aproveitar muito bem esse potencial.“O Pará tem um enorme potencial para o empreendedorismo sustentável, os negócios verdes, e isso muito em função da nossa vocação enquanto território, da nossa biodiversidade, dos recursos naturais que nós temos”, avalia. “E nos últimos anos o nosso Estado vem se destacando na promoção desses negócios muito em função do impulsionamento de políticas públicas, de iniciativas que equilibram o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental, projetos que fortalecem e estimulam a criação desses negócios, que são negócios que prezam, para além do desenvolvimento econômico, pela preservação ambiental”.
Renata explica que uma economia que exemplifica muito essa prática é a bioeconomia. Segundo a especialista, esse segmento tem apresentado um potencial e um crescimento muito significativo no Estado do Pará. “É a associação de um negócio que tem como característica o lucro, o desenvolvimento econômico, a geração de renda, mas sem prejudicar os nossos recursos naturais, sem prejudicar a preservação ambiental”.
E quando se pensa nas possibilidades que estão à disposição de quem deseja empreender, Renata lembra que todos os segmentos de negócio podem ter essa característica de preocupação com o meio ambiente.
“Hoje, há um crescimento da economia circular, por exemplo, que são os negócios de moda sustentáveis que tem a preocupação com a destinação dos seus resíduos ou que trabalham com upcycling, que é a reestruturação desse insumo em outros produtos; temos o segmento da construção civil, que talvez não seja muito diretamente relacionado a essa temática, mas que também já temos negócios preocupados com a destinação de resíduos, com a reutilização desses resíduos, com o desenvolvimento de peças, produtos, materiais produzidos a partir de resíduos sólidos que iriam para descarte; quando a gente fala de bioeconomia a gente fala dos fármacos também, que estão associados à economia verde, a negócios sustentáveis”, cita. “Então, há uma variedade, uma diversidade de opções em que esses negócios podem estar inseridos”.
Renata aponta que, nos últimos anos, o próprio Sebrae tem percebido o crescimento do interesse de empreendedores locais por modelos de negócios que tenham a preocupação com a sustentabilidade como foco. Não à toa, ela aponta que o Sebrae-PA desenvolveu, ao longo dos últimos anos, programas voltados especialmente para essa demanda.
“Nós temos percebido esse aumento desde os últimos anos. Inclusive, o Sebrae se posicionou como uma instituição que fomenta esse tipo de negócio, elaborando programas específicos para trabalhar a sustentabilidade e negócios verdes, como, por exemplo, programas de fortalecimento de negócios inovadores da bioeconomia, como o Inova Amazônia; programas de aceleração de negócios de impacto socioambiental, que são negócios que já são criados dentro dessa lógica de preocupação com a conservação de recursos naturais e benefícios sociais, além da lucratividade”, enumera.
“Nós temos trabalhado também com a implementação de práticas sustentáveis em negócios tradicionais, através de consultorias, cursos, suporte e mentorias, onde a gente aborda como adaptar e melhorar negócios tradicionais, trazendo para dentro da gestão essa preocupação com a sustentabilidade, com retorno para o meio ambiente e também para o social. Então, são exemplos de alguns programas que já foram criados justamente para fortalecer e acompanhar essa tendência de mercado, que são os negócios verdes”.