Se for verdade a teoria do chef Saulo Jennings de que as formas de se conquistar o mundo são pelo relacionamento ou pela barriga, o sucesso do Brasil na COP 30, conferência climática que será realizado em Belém do Pará em novembro deste ano, está garantido. O paraense é um dos nomes à frente da organização da programação gastronômica do evento e, na missão de definir o que será servido para os chefes de estado esperados, quer que ingredientes como peixe, tacacá, jambu e cacau ajudem o Brasil a conquistar nomes como o dos presidentes da Rússia, Vladimir Putin, da China, Xi Jinping, e, caso confirme presença, dos Estados Unidos, Donald Trump.
Jennings, que em setembro foi eleito o primeiro Embaixador Gastronômico da ONU Turismo no mundo, conta que ainda não há nada definido, não se sabe quem virá para o evento nem quantos almoços e jantares oficiais ficarão sob sua responsabilidade. As únicas certezas que tem são os pedidos que recebeu do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que serão devidamente atendidos: bloquear a sua agenda nos dias do evento, de 10 e 21 de novembro, e deixar seu barco-restaurante que fica atracado em Santarém e comporta cerca de 20 pessoas, à disposição. Lula pode usá-lo para um encontro bilateral com alguma delegação específica, por exemplo.
– Estou há dois anos me preparando para essa COP, fazendo pesquisas sobre a cultura e hábitos das delegações. Mesmo não tendo o calendário definido nem os pratos, já sei que vou fazer um peixe filhote inteiro na brasa, que tem cerca de 50 quilos. Já fiz para o presidente Lula e ele gostou bastante – adianta.
A responsabilidade de comandar a mesa dos “homens mais poderosos do mundo” não será novidade para o chef paraense, que assinou o jantar inaugural da COP 28 em Dubai. No emirado árabe, Jennings serviu pratos como o tacacá, pirarucu assado com farofa de legumes e frutas e húmus de feijão Santarém, e creme de cupuaçu com farofa de castanha do Pará e nibs de cacau (grãos fermentados, secos e descascados).
A maioria dos dirigentes esperados para o evento estava na COP28. A novidade pode ser o americano Donald Trump, que ainda não sinalizou se estará presente na conferência.
– Para ele ainda não cozinhei, mas já chegou no meu ouvido que ele gosta de massa. Se vier, vou fazer uma pasta, um carbonara com bacon de pirarucu, que criei com o peixe da região. Existem duas formas de conquistar o mundo: pelo relacionamento ou pela barriga. O presidente dá o cartão de visita e eu dou a comida. Vai ser casadinha! – brinca o chef.
Chefs de São Paulo na COP30
A ideia de Jennings, no entanto, é de que mesmo tendo status de protagonista, a comida paraense não seja a única a brilhar nos pratos dos visitantes ilustres. Para garantir a visibilidade da cozinha de outras regiões brasileiras, ele convidou outros chefs de destaque de São Paulo para o projeto: Bel Coelho, que comanda os restaurantes Cuia, no térreo do Edifício Copan, e Clandestina, na Vila Madalena, e Jefferson Rueda, à frente do A Casa do Porco, no Centro. Os dois devem assinar seus próprios jantares para as autoridades, além de participar de criações a várias mãos com Jennings.
Bel Coelho ainda não começou a elaborar o cardápio que vai apresentar. Mas já sabe que vai servir pratos tradicionais da culinária brasileira com ingredientes da Amazônia. A inspiração virá do projeto Menu Biomas, que foi servido durante dez anos no Clandestina e tinha pratos inspirados pelas paisagens e territórios brasileiros. Entre os ingredientes que pretende usar estão a castanha-do-pará, os frutos típicos da região cumaru e bacuri, o cacau, o tucupi, a farinha de mandioca e o jambu.
-Penso em fazer um prato com o filhote (peixe), com caldo de tucupi e purê de banana. Talvez uma salada de feijão, outro alimento do Pará, para acompanhar. Para sobremesa, poderia ser o prato que criei com espuma de chocolate, bacuri e farofa de castanha – prevê Bel, que vai aproveitar a conferência para lançar um livro e um documentário que tem como mote a sua pesquisa sobre os ingredientes nativos dos biomas brasileiros.
Sustentabilidade e a Gastronomia na COP30
A pauta da sustentabilidade, um dos pilares das discussões da COP, promete se refletir também nos pratos que serão oferecidos a participantes dos debates. Jennings diz que a preservação dos biomas nativos é uma de suas principais preocupações na hora de desenvolver um prato.
– Uma das ênfases é ter consciência na escolha dos ingredientes. Não pode ter nada que está em proteção ou extinção. A gastronomia tem um papel importante no clima. Ela é bioeconomia, e é importante saber extrair na natureza de forma correta . Tem que ter política pública voltada para o setor – defende o chef, que também deve participar de algum painel do evento e tem usado a visibilidade dada pela COP para negociar a implementação de centros de pesquisa na Amazônia onde seriam trocadas experiências na área de gastronomia entre profissionais locais e do exterior.
Além da preocupação com os eventos oficiais da COP30, o chef também aperfeiçoa seus restaurantes no Pará, com treinamento em inglês para os colaboradores, a elaboração de louça personalizada com artesãos da região para os pratos e implementações de vídeos que mostrem a origem dos alimentos consumidos. Jennings está montando ainda uma casa-cozinha em Belém, que vai atender a algumas delegações em eventos privados. Ele já negocia parceria com os grupos de Suíça, Dinamarca e União Europeia.
Thiago Castanho e a Culinária Paraense
Outro nome de destaque da culinária paraense, o chef Thiago Castanho tem sido procurado por delegações em busca de consultorias que querem fechar seu restaurante em Belém do Pará, o Puga, para eventos de embaixadas ou empresas que vão participar do evento. No cardápio, a aposta de Castanho é que sua criação de atum cru, tucupi, chuchu, castanha-do-pará e nampla (um molho para peixe tailandês) seja o grande sucesso entre os turistas que vão estar em Belém para a COP30.
– Ainda não temos nada criado para a conferência. Mas temos alguns carros-chefes no restaurante, como é o caso do nosso atum. Com o evento, muita gente está entendendo ou tentando entender como a Amazônia funciona e é uma ótima oportunidade da gente derrubar estereótipos. O que o paraense e o amazônida querem é realmente serem vistos – avalia Castanho.
Texto de: Fernanda Alves