A aprovação do Kisunla (donanemabe) pela Anvisa nesta terça-feira (22) foi recebida com entusiasmo por médicos e especialistas. O medicamento, produzido pela farmacêutica Eli Lilly, é o primeiro desenvolvido especificamente para o tratamento de Alzheimer e atua na remoção das placas de proteínas beta-amiloides que se acumulam no cérebro dos pacientes. Ele será comercializado sob o nome de Kisunla.
Para Mychael Lourenço, membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esse é um marco importante para o país. “É o remédio mais recente que temos contra o Alzheimer e com os melhores benefícios para os pacientes.”
O medicamento, que já está em uso nos Estados Unidos desde o ano passado, apresentou resultados positivos em testes clínicos. Os estudos mostram que, com 76 semanas de uso, há uma redução significativa do avanço do quadro clínico de pacientes com demência leve. No Brasil, poucos pacientes conseguiam acesso por meio da importação, que encarece o produto. A aprovação deve aumentar a disponibilidade e a popularidade dessa alternativa terapêutica.
Limitações e Desafios do Donanemabe
Por outro lado, os especialistas concordam que o uso do donanemabe ainda tem um escopo muito limitado. Em primeiro lugar, ele traz poucos benefícios para pacientes com quadros moderados ou graves. Seu uso em larga escala revelou que a remoção das placas amilóides não é suficiente para reverter os quadros de demência, e apenas desaceleram a progressão da perda cognitiva.
Além disso, seu uso pode provocar desde efeitos adversos leves, como dores de cabeça, até efeitos graves, como sangramentos, edemas ou óbito. Por isso, o paciente precisa passar por uma bateria de exames, que inclui testes genéticos e exames de PET amilóide, que permitam que uma triagem cuidadosa seja feita pelos profissionais de saúde.
A acessibilidade deve ser outra barreira para a difusão do medicamento entre a população brasileira. Não só os exames necessários para traçar o quadro clínico do paciente com precisão são caros, como o próprio remédio também deverá ser. Atualmente, nos Estados Unidos, o custo anual do tratamento é de quase 32 mil dólares, mais de R$ 150 mil.
Experiências Anteriores e o Futuro do Donanemabe no Brasil
Eduardo Zimmer, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e apoiado pelo Instituto Serrapilheira, lembra da experiência nacional com a memantina, último fármaco aprovado pela Anvisa para o tratamento do Alzheimer, em 2011.
Mesmo com custo significativamente mais baixo e menor demanda por exames de monitoramento, foram necessários seis anos até sua incorporação ao SUS. “Os próximos anos serão decisivos para compreendermos o real impacto do donanemabe no Brasil“, afirma o professor.
Diogo Haddad, neurologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e professor da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo, destaca que o medicamento também pode ter um impacto positivo na busca por diagnósticos cada vez mais precoces. Drogas antiamilóides, como o Kisunla, são indicadas para pacientes com comprometimento cognitivo leve ou Alzheimer em estágios iniciais.
Por isso, o especialista prevê que médicos e pacientes devem se interessar, a partir de agora e cada vez mais, pela busca do diagnóstico precoce. Assim, a população pode passar a prestar mais atenção aos sinais iniciais da doença.
“O medicamento joga uma nova luz sobre o que especialistas já afirmam há muito tempo: é preciso se importar com queixas cognitivas de pacientes idosos. É hora de deixar de lado aquela história de que esquecimento é normal”, declara o especialista.
A Importância da Prevenção
Diante do cenário de novidade e incerteza quanto ao futuro dessa droga no país, os especialistas concordam que a prevenção do Alzheimer e de outras demências ainda é o melhor caminho. Paulo Caramelli, professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, destaca que 60% dos casos de demência podem ser prevenidos por meio da prevenção de nove fatores de risco.
Boa parte desses acometem uma parcela significativa da população nacional: pressão alta, tabagismo, diabetes, sedentarismo, obesidade, alimentação não saudável, consumo de álcool, depressão e baixo nível de engajamento intelectual. “Tudo o que é passível de ser evitado ou retardado é muito melhor do que tratamento“, diz o professor.
*Texto de Acácio Moraes