“No dia de hoje, quero convidar a todos para não lamentarmos, mas realizarmos um ato de entrega. E repito o que já disse a várias pessoas: ele já chegou. Essa é a nossa fé e a nossa convicção”, declarou Dom Alberto Taveira, arcebispo de Belém, nesta segunda-feira, 21, durante coletiva de imprensa no Colégio Santo Antônio, ao se pronunciar sobre o falecimento do Papa Francisco, aos 88 anos.
O arcebispo relembrou que o Papa Francisco esteve à frente da Igreja por quase 13 anos, sendo o primeiro latino-americano a ocupar o cargo de Sumo Pontífice.
“Marcou esses quase 13 anos de forma indelével para a história da Igreja e da humanidade. Penso que Deus teve um carinho muito especial com ele, pois teve a possibilidade de estar com o povo reunido na Praça de São Pedro no dia de ontem (Páscoa). São incontáveis os gestos de Papa Francisco a serem lembrados: seus escritos, suas viagens, sorrisos. Ontem mesmo ainda cumprimentou crianças na Praça de São Pedro. Faleceu em paz. E posso dizer que, ao receber a notícia nesta manhã, me veio ao coração: um papa santo!”, afirmou Dom Alberto.
Na ocasião, o arcebispo também destacou o legado deixado por Francisco: o de manter a Igreja unida, aberta ao diálogo com o mundo e com a diversidade do tempo presente, mantendo viva a missão evangelizadora da Igreja, que vai aos confins da Terra.
“A Igreja, com Papa Francisco, se tornou mais missionária. Ele usava uma expressão ainda em Buenos Aires, que repetiu muitas vezes como papa: ‘uma Igreja em saída’. E a Igreja continuará em saída, indo ao encontro das situações mais difíceis e desafiadoras”, pontuou.
Francisco defendeu, com firmeza, os fundamentos cristãos do amor, da tolerância e da solidariedade.
“Nosso Senhor ama a todos, não discrimina ninguém. Qualquer um que seja eleito papa terá que amar a todos. Esse amor universal, essa responsabilidade total… É só olhar para a história da Igreja nos últimos tempos: todos os papas foram ao encontro dos mais sofredores, dos que passam maiores dificuldades. Esse é um dos legados de Francisco: a universalidade do amor, a capacidade de diálogo, a disposição de ir ao encontro do mundo inteiro, das situações mais difíceis, sem medo”, afirmou Dom Alberto, ressaltando também a coragem do pontífice.
“Era um homem de extrema coragem, ousadia, prontidão, liberdade. Nada o oprimia, nenhuma dificuldade, nem os problemas de saúde. Penso que qualquer pessoa, nas condições dele, teria desanimado, mas ele manteve o vigor até o fim”, declarou.
O Olhar de Papa Francisco para a Amazônia
Papa Francisco também teve um olhar especial para a Amazônia e seus povos. Fez apelos pela preservação do bioma e foi uma das vozes mais ativas contra o desmatamento ilegal na região.
“Quando o Papa veio ao Brasil, me apresentei como arcebispo de Belém, na Amazônia. Ele me olhou, segurou meus braços e disse: ‘Sejam ousados. Se vocês não forem ousados, já estarão errando desde o princípio’. Depois, quero lembrar de algo que é para nós motivo de orgulho: quando houve um encontro dos bispos da Amazônia Legal, aqui em Belém, em Icoaraci, enviamos uma carta ao Papa pedindo a realização de um sínodo para a Amazônia. Essa ideia nasceu aqui. Ele colocou a Amazônia sob as luzes do amor de Deus e fez com que o mundo inteiro a reconhecesse”.
Em 2017, quatro anos após o início do seu pontificado, Francisco surpreendeu os fiéis ao convocar, pela primeira vez na história, um Sínodo dedicado à Amazônia. O encontro ocorreu em Roma, dois anos depois, e reuniu representantes de todos os países da Amazônia Legal.
“Recordo-me de um encontro no Vaticano com representantes de novas comunidades. Eu era o assistente dessas comunidades e cabia a mim apresentar ao Papa. Assim que terminei de falar, ele não esperou, saiu do seu lugar e veio me dar um abraço fraterno. Ele era assim: tomava iniciativas, sorria, ajudava. Mesmo com a saúde debilitada, na semana passada ainda visitou um presídio. Pequenos gestos que diziam muito sobre ele. Tive muitas oportunidades de estar com ele e sempre senti essa delicadeza e firmeza”, relatou Dom Alberto.
Relação com o Círio de Nazaré
Todos os anos, desde que chegou a Belém, o arcebispo enviava ao Papa um pedido de bênção para o Círio de Nazaré.
“Muita gente queria trazê-lo ao Círio. Eu dizia: ‘Não, senão faremos uma loucura. O Brasil inteiro viria atrás do Papa, além do povo que já vem para o Círio’. Mas ele tinha um carinho especial. Lembro de quando dei a ele uma imagem da padroeira dos paraenses. Ele olhou e disse: ‘É para mim?’. E eu respondi: ‘Claro, Santidade’. Ele agradeceu como quem recebe um presente precioso. Essa delicadeza ele sempre teve conosco”.
Recentemente, Dom Alberto esteve com o Papa para convidá-lo para um evento pré-COP, iniciativa do governo do Pará. “Sabíamos que a saúde dele já não permitiria, mas ele ficou muito agradecido. Sempre demonstrava um carinho imenso quando o assunto era a Amazônia ou o Círio”, contou o arcebispo.
“Continuamos nosso trabalho com atenção aos mais pobres, serviço às pessoas e consciência do valor da Amazônia. Isso é continuidade. Não precisamos começar algo novo agora”, reforçou Dom Alberto. Questionado sobre o sucessor de Francisco, foi categórico:
“O maior milagre da Igreja é ter alguém para ser Papa. Mas não sabemos quem será. Acho precipitado falar sobre sucessão. O Papa acaba de falecer, seria indelicado fazer conjecturas. A Igreja não tem descontinuidade, tem progresso. Basta conhecer sua história: ela nunca deu um passo atrás. Sempre seguiu adiante, respondendo às necessidades de cada época”.