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Entenda os riscos dos 'brisadeiros', ou doces de maconha, para a saúde

A venda pode levar à prisão, como a da ex-candidata a vereador do PSOL Brunella Hilton no carnaval - quando eles contumam ser mais oferecidos

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Hospital HSM Acessar site

A venda pode levar à prisão, como a da ex-candidata a vereador do PSOL Brunella Hilton no carnaval – quando eles contumam ser mais oferecidos. A punição, no entanto, é incerta, pela pouca quantidade droga que costuma entrar nas receitas, hoje ensinadas nas redes sociais. O efeito é inexpressivo em adultos, segundo pesquisadores. Mas são um risco para crianças e adolescentes: na semana passada, quatro alunos de uma escola pública de Salvador passaram mal ao ingeri-los. Os doces com maconha, conhecidos como “brisadeiros”, se disseminam nas praias, festas e destinos turísticos alternativos, enquanto não se define se são uma forma de tráfico ou de consumo mais brando da cannabis.

As receitas vêm sendo disseminadas em publicações nas redes sociais e sites dedicados a “culinárias canábicas”. Normalmente, a quantidade de maconha usada não passa de três gramas, abaixo da quantidade de 40 gramas fixada pelo Supremo Tribunal Federal para diferenciar usuários de traficantes em julgamento no ano passado em que se descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal.

Isso não significa que o seu consumo ou distribuição seja livre de riscos.

Na Bahia, a ingestão de um doce feito com maconha levou quatro alunos ao hospital há uma semana. Um deles teria preparado a receita em casa. No carnaval, Brunella Hilton, ex-candidata a vereadora pelo PSOL de São Paulo, foi presa com os produtos em um desfile. Da mesma forma, uma dupla foi detida em novembro passado, em uma área de bares de Brasília enquanto vendia brigadeiros recheados de maconha.

Em São Thomé das Letras (MG), no sábado, a polícia apreendeu cerca de 400 guloseimas “batizadas”. No início do mês, a prefeitura da cidade mineira, famoso destino turístico, emitiu um alerta para que visitantes ficassem atentos à venda de “brisadeiros”, “brownies mágicos”, “brigaconha” e “doces mágicos”.

Segundo os médicos, o consumo desses doces batizados é um risco para crianças e adolescentes, cujos sistemas nervosos ainda estão em desenvolvimento. Mas especialistas no tema defendem que o aparato policial voltado a esse tipo de apreensão é, normalmente, inócuo, porque pouca quantidade de droga é usada nas receitas e estudos não indicam problemas relevantes no uso recreativo entre adultos.

Após as apreensões, a dificuldade técnica para identificar a quantidade da planta usada em um doce é um fator que afasta as sentenças por tráfico de drogas, explica Emílio Figueiredo, advogado da Rede Reforma, coletivo que atua em casos de política de drogas.

– Em boa parte dos casos, embora a pessoa seja presa, no decorrer do processo há uma dificuldade de as autoridades comprovarem a existência de substâncias nos doces, servindo os casos mais para uma espetacularização da atividade policial que gostam de anunciar que prenderam vendedores de doces – afirma Figueiredo, que destaca que os comestíveis de cannabis são realidade em muitos países. – Inclusive com mercado regulado, com especificidade desta forma de consumo e informações de redução de danos e doses.

Figueiredo relembrou uma sentença de 2018, do Tribunal de Justiça do Rio, quando uma mulher foi absolvida após ser detida com uma caixa de brigadeiros na Lapa. Após recurso, o desembargador decidiu que o caso era “bastante frágil para comprovação” de tráfico, porque a quantidade da droga não foi especificada.

Em São Paulo, Brunella Hilton também se tornou ré por tráfico, depois de ser detida pela polícia com cerca de 100 brisadeiros na Avenida São João, no carnaval. Brunella é travesti e fez parte da candidatura coletiva Bancada dos LGBTQIA+, do PSOL no ano passado. Ela vai responder em liberdade.

Segundo sua defesa, a situação não se caracteriza como tráfico porque Brunella sequer tinha dinheiro quando foi detida. Além disso, alegou, o relatório da Polícia não especifica a quantidade de substância nos doces. Os advogados também sustentam que ela tem autorização médica de importação de canabinoides para tratamento de ansiedade.

Em Minas, a Polícia Militar deflagrou a Operação Fake no sábado e apreendeu 200 brisadeiros, 70 brownies, 40 cookies, 70 cogumelos e 15 palhas italianas de cannabis em São Thomé das Letras. Dez pessoas foram detidas, mas liberadas. A Polícia Civil de Minas explicou que não havia elementos suficientes para a ratificação da prisão em flagrante, mas que um inquérito foi instaurado.

A operação veio após a prefeitura ter emitido um alerta aos turistas para que ficassem atentos à venda dos alimentos, como noticiou a coluna de Ancelmo Góis. Uma nota da Vigilância Sanitária municipal dizia que o consumo pode causar intoxicação severa, sintomas psiquiátricos graves e, em casos severos, até a morte.

Para Pablo Nunes, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), essas apreensões ilustram os problemas da criminalização da maconha. No ano passado, o Cesec divulgou um estudo que estimava custo anual de R$ 7,7 bilhões no combate às drogas, somando os gastos das polícias, sistemas penitenciários e Judiciário da Bahia, Distrito Federal, Pará, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo.

– A apreensão dos comestíveis é o quadro mais bem acabado do quão insana é essa escolha por criminalizar essas substâncias. Alocamos a corporação policial para lidar com algo que não necessariamente tem impactos nas questões reais de segurança pública que a sociedade vive, enquanto outros crimes mais importantes seguem sem a atenção devida – explica Nunes, que defende que esses recursos seriam melhor empregados em outros setores, como educação e saúde. – Principalmente se tratando de Brasil, onde há déficits importantes em serviços públicos essenciais.

Segundo o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, professor da Unifesp e ex-consultor do Ministério da Saúde e da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça, as pesquisas não indicam problemas graves para adultos no consumo de comestíveis de cannabis. Mas ele alerta que o consumo por crianças e adolescentes é “altamente contraindicado”.

Há uma semana, quatro alunos de uma escola pública de Salvador passaram mal após ingerirem um doce de maconha. A Secretaria estadual de Educação informou que uma das estudantes admitiu ter preparado o doce em casa.

– Existe vulnerabilidade muito grande do sistema nervoso nessa idade – afirma Xavier, que acrescenta que os comestíveis têm efeitos mais imprevisíveis, pela falta de identificação da quantidade e da substância exata. – O consumo por doce demora muito para fazer efeito. Tanto que quem quer se entorpecer, usa o cigarro. Mas, com o doce, a pessoa pode achar que ainda não fez efeito e aí comer mais.

Fonte: Agência O Globo