DIÁRIO NA EUROPA

Conheça as várias “Pessoas” que habitam esta casa

Entenda a genialidade de Fernando Pessoa através de seus heterônimos e a riqueza de sua obra, que ressoa até hoje.

Entenda a genialidade de Fernando Pessoa através de seus heterônimos e a riqueza de sua obra, que ressoa até hoje.
Entenda a genialidade de Fernando Pessoa através de seus heterônimos e a riqueza de sua obra, que ressoa até hoje.

Por Sérgio Augusto do Nascimento

Ele foi (ou ainda é?) vários em um só. Ao mesmo tempo que era um “fingidor”, também era um “guardador de rebanhos”. Por outro lado, dizia-se “o vassalo e o rei” para logo em seguida sentir-se um “nada”, que tinha dentro de si “todos os sonhos do mundo”.

Uma coisa é certa e real: Fernando Pessoa é um dos grandes nomes da literatura universal. O poeta, hoje celebrado em dezenas de idiomas, publicou apenas um livro em vida (Mensagem). Vida esta que, fisicamente, teve um ponto final há 90 anos, em um hospital de Lisboa.

Mas o criador de heterônimos intensos que traduziram a angústia da alma, deu vida a estes personagens criando suas personalidades, certidões de nascimento e mesmo o mapa astral de cada um deles. Desafiou a metafísica ao encará-la como a “consequência de estar mal disposto”.

Pessoa é tão complexo, que é preciso mencioná-lo sempre usando aspas. E esta é uma das impressões de quem visita a Casa Fernando Pessoa, no lisboeta Campo Ourique. A casa abrigou o poeta em seus últimos 15 anos de uma vida comum, antes que entrasse para a imortalidade.

O poeta certamente se sentiria lisonjeado por saber que a última casa onde viveu é nada convencional. Para começar, não é uma casa, é um prédio inteiro. Na verdade, ele morou com a família em um dos apartamentos.

E, desde 1993, o imóvel de vários andares foi transformado em um museu para celebrar vida e obra daquele que tratava as palavras como “tu” e mantinha com a escrita uma intimidade tão profunda que não permitia haver segredos entre os dois.

Já dentro da Casa Fernando Pessoa, o deleite para os apreciadores de literatura é equivalente a uma viagem transcendental: ali é possível encontrar o baú onde legou à posteridade centenas de textos inéditos, a cômoda original onde – dizia ele – teve um “dia triunfal” e de onde nasceram milhares e profusas palavras de seus heterônimos.

Mais uns passos e chegamos à cama onde dormia e sonhava à luz das estrelas, e que hoje recebe seus manuscritos sobrepostos em luzes; viramos à direita e encontramos o “Sonhatório”, uma sala multimídia onde é possível adentrar ainda mais no universo em que aquela alma vagava enquanto criava.

À frente, deparamos com a biblioteca particular e suas obras em vários idiomas, do português, ao inglês e francês. Um dos livros tem dedicatória feita à mão por outro grande nome da literatura lusa: Mário de Sá Carneiro.

Há ainda fotos, objetos de uso pessoal, como uma máquina datilográfica, pares de óculos, e uma sala com a última frase dita por ele em vida e desenhada na parede em formato manuscrito, em inglês: I know not what tomorrow will bring (Eu não sei o que trará o amanhã).

A moradia é hoje o abrigo de várias manifestações culturais. Ali acontecem seminários, saraus, espetáculos, debates e ainda dispõe de uma loja com souvenirs relacionados a Pessoa. Enfim, a memória do bardo está muito bem conservada.

O pai de Álvaro de Campos, Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Bernardo Soares estava equivocado, pois parece que estava sim adivinhando o que estava por vir quando escreveu:
“…Janelas do meu quarto…dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente…para uma rua inacessível a todos os pensamentos…”.

*Sérgio Augusto do Nascimento é um jornalista paraense que vive em Portugal. Foi repórter e editor e hoje é correspondente do DIÁRIO na Europa.