As mudanças climáticas têm sido motivo de preocupação entre oncologistas desde que estudos recentes apontaram a relação entre fatores como a poluição ambiental e o aumento de casos de alguns tipos de câncer.
A apreensão já foi endereçada em uma declaração da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco, na sigla em inglês), que afirmou que uma variedade de mecanismos estão relacionados a um maior risco de câncer, incluindo aumento da exposição a raios ultravioleta, exposição à poluição e a produtos químicos tóxicos, calor extremo e acesso reduzido ao rastreamento da doença.
As evidências mais robustas até agora relacionam a maior poluição do ar decorrente de eventos climáticos extremos à maior incidência de câncer de pulmão, diz Angélica Nogueira, presidente da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica).
As mudanças climáticas estão associadas ao aumento de poluentes com partículas finas Catarina Pignato A imagem mostra a silhueta de um corpo humano em um fundo amarelo.
Dentro do corpo, há um desenho de raízes que se estendem a partir do pescoço, simulando um pulmão. No curto prazo, esse é um dos tumores com os quais mais temos que nos preocupar, acrescenta. Apesar de a principal causa desse câncer ser o tabagismo, poluentes ambientais também influenciam. “As mudanças climáticas estão associadas ao aumento de poluentes com partículas finas, que podem contribuir com o aumento de casos”, afirma Nogueira.
Um dos estudos usados como base para reforçar o argumento analisou dados de mais de 2 milhões de canadenses por cerca de 20 anos e concluiu que a exposição a incêndios florestais foi associada a uma incidência 4,9% maior de câncer de pulmão do que populações não expostas, e, surpreendentemente, a uma incidência 10% maior de tumores cerebrais.
Uma segunda estimativa mencionada pela Asco e, também, pela Associação Internacional de Estudos de Câncer de Pulmão em 2022, é de que a poluição do ar seja responsável por aproximadamente 14% dos casos de câncer de pulmão no mundo.
A mesma meta-análise, envolvendo estudos de coorte de câncer de pulmão dos últimos 25 anos, encontrou que uma maior exposição ao material particulado fino -cujas partículas só podem ser vistas com microscópio- está associada a um aumento médio de 14% na mortalidade por este tipo de tumor. As partículas finas são categorizadas como um carcinógeno do grupo 1 pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer.
O que se acredita é que essas partículas prejudicam os mecanismos de reparo do DNA do nosso organismo, afirma Daniel Musse, oncologista clínico da Rede D’Or. “O câncer acontece devido a um dano no DNA das células. Depois disso, as células começam a se multiplicar. O nosso organismo possui esquemas de reparo, mas, a princípio, acredita-se que essas partículas prejudicam esse mecanismo de defesa antioxidante.”
Há também evidências que apontam a relação das mudanças climáticas com o câncer de pele. Em editorial da The Lancet Oncology publicado em 2023, a prestigiada revista diz que o aumento das temperaturas, a degradação da camada de ozônio e a maior exposição ao sol são um número crescente de ameaças à saúde, e que as ondas de calor extremas tornaram-se um fator de risco significativo para esse tipo de câncer. Uma revisão de literatura anterior concluiu ainda que a exposição à radiação UV é o maior fator de risco para esse tumor.
A médio e longo prazo, é possível considerar que os desastres naturais resultantes da mudança climática, como inundações e incêndios, podem ocasionar a liberação de substâncias cancerígenas e metais pesados que podem contaminar o solo, a água e aumentar a incidência da doença, afirma Nogueira.
Esses eventos também dificultam o cuidado ao câncer, doença que requer acesso consistente aos serviços de saúde. Dados históricos e emergentes demonstram que interrupções relacionadas ao clima estão associadas a piores prognósticos.
O acesso à radioterapia é de particular preocupação durante catástrofes devido à sua programação de tratamento geralmente diária e à dependência de energia elétrica, diz Musse.
Embora as pesquisas ainda sejam escassas, essa é uma área emergente de estudo. A dificuldade, segundo o oncologista, acontece porque descobrir se um fator de risco é ou não causador de câncer é um trabalho difícil, uma vez que deve-se considerar uma gama de fatores de risco associados à doença, incluindo fatores genéticos.
O câncer de pele é o mais frequente no mundo, seguido do de pulmão. No Brasil, o Inca (Instituto Nacional do Câncer) estimou 220.490 novos casos de câncer de pele não-melanoma no triênio 2023 a 2025, 8.980 novos casos de câncer de pele melanoma e 32.560 novos casos de câncer de traqueia, brônquio e pulmão.
“O fato é que está acontecendo um aumento da incidência de vários tipos de câncer, mesmo em pessoas jovens, por exemplo, e não está havendo uma mudança da parte genética. Então, provavelmente, é por causa de um fator externo e ambiental”, afirma Musse.