Belém

Da Belle Époque ao turismo: A evolução de Mosqueiro

Explore as praias de água doce da Ilha de Mosqueiro em Belém. Uma ilha com história rica e paisagens deslumbrantes.

A ilha acompanhou o processo de formação de Belém, iniciando como um local de lazer para estrangeiros, até se tornar um espaço onde os moradores convivem com o turismo nas praias e o clima do lugar
. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará
A ilha acompanhou o processo de formação de Belém, iniciando como um local de lazer para estrangeiros, até se tornar um espaço onde os moradores convivem com o turismo nas praias e o clima do lugar . Foto: Irene Almeida/Diário do Pará

Belém - No momento em que Belém vivenciava as mudanças urbanísticas e culturais impulsionadas pela economia da borracha, ainda no período colonial, as praias de água doce que caracterizavam a Ilha de Mosqueiro chamaram a atenção dos estrangeiros que se faziam presentes para trabalhar na transformação da cidade segundo os moldes europeus. Hoje distrito de Belém, a ilha mantém uma relação direta com o processo de formação da capital paraense.

Ainda que a fundação de Mosqueiro seja comumente relacionada ao dia 06 de julho de 1895, quando houve a elevação do território à categoria de vila, a história da ilha é muito mais antiga do que isso, como lembra o professor de língua portuguesa Claudionor Wanzeller. Filho de Mosqueiro, Claudionor se dedica a fazer um resgate da história da ilha, já tendo escrito alguns livros sobre a bucólica. Das pesquisas desenvolvidas ao longo desses anos, e que envolveram desde fontes bibliográficas, até os relatos dos moradores mais antigos, o professor conclui que a vocação para o turismo acompanha Mosqueiro desde mais de um século atrás.

Filho de Mosqueiro, Claudionor se dedica a fazer um resgate da história da ilha, já tendo escrito alguns livros sobre a bucólica. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará

“Belém tinha vários estrangeiros que trabalhavam na construção do Porto de Belém, ingleses, americanos e outros estrangeiros. Eles vieram na chamada Belle Époque, um crescimento que a cidade teve em prol do chamado ouro branco, a borracha”, contextualiza. “E esse pessoal que veio do estrangeiro tinha esse costume de buscar o momento de lazer no final de semana. Então, eles descobriram Mosqueiro como um recanto paradisíaco, para vir fazer os seus famosos piqueniques”.

O professor conta que, na época, a ocupação de Mosqueiro resumia-se basicamente à área que hoje é conhecida como a Vila, que era uma rústica vila de pescadores. Era ali, inclusive, que os visitantes aportavam em embarcações. Além da própria Vila, que pela maior proximidade com Belém acabou se desenvolvendo mais rapidamente, o outro núcleo de ocupação de Mosqueiro ficava na área que hoje é a Baía do Sol.

“O primeiro núcleo de povoação aqui no Mosqueiro aconteceu na Baía do Sol, com os colonos que vieram de São Luís do Maranhão. Lá, a ocupação foi feita com base na agricultura, então, surgem os sítios agrícolas de Mosqueiro. Hoje ainda tem o sítio Paysandu, o sítio Conceição, que são remanescentes, mas você não tem mais o primeiro, que foi o sítio Fazendinha”, conta.

“Já a outra ocupação aconteceu na Vila, que na verdade era um vilarejo de pescadores, ligado à pesca artesanal. Na Vila houve uma evolução mais rápida pela proximidade de Belém porque a Baía do Sol passou a ter uma ligação mais direta com Belém só depois da construção da Ponte Sebastião Rabelo de Oliveira, em 1976, que liga a ilha ao continente”.

Em meio a esse cenário, os moradores de Belém que tinham uma condição financeira mais confortável começaram a se deslocar para Mosqueiro para ter um momento de lazer em contato com a natureza. Não demorou para que surgisse uma demanda por melhores estruturas na então Freguesia do Mosqueiro, que em 1895 foi elevada à condição de vila e, apenas seis anos depois, em 1901, passou a ser distrito de Belém, como permanece até hoje.

“Então, tudo que apareceu no Mosqueiro foi em função dos visitantes, do turismo, isso é algo histórico. Foi naquela época que surgiu o Mercado Municipal, em 1906; foi feito um novo trapiche já pelos ingleses, inaugurado em 06 de setembro de 1908; foi colocado aqui o Bondinho puxado a burro; foi feito o Primeiro Grupo Escolar do Mosqueiro; Mosqueiro passou a ter uma subprefeitura. E o Cine Guajarino, que é de 1913, foi fundado pelo Arthur Pires Teixeira”, lembra Claudionor Wanzeller.

“Depois, o pessoal que vinha só fazer piquenique achou que deveria ter as famosas casas de praia no Mosqueiro. Então, ao invés de passar só um dia e voltar, queriam ficar mais tempo, inclusive nas férias escolares. Aí começou a ocupação do Mosqueiro do Sudoeste para o Oeste. O pessoal foi começando a construir esses casarões na costa oeste de Mosqueiro, que é onde existiam as praias”.

As belas praias de Mosqueiro. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará

Não à toa, muitas das construções erguidas em Mosqueiro, na época, atendiam aos padrões europeus. Mas o professor destaca que é possível observar, também, uma adequação ao clima amazônico. Ainda que muitas dessas construções tenham se perdido com o tempo, algumas ainda resistem no cenário da ilha.

“Interessante é que como havia todo aquele movimento da Belle Époque, o pessoal procurava fazer esses casarões aliando a arquitetura europeia com as condições climáticas da ilha. Então, você observava que os casarões eram sempre altos, com porões, geralmente com aberturas para circular ventilação porque os assoalhos eram de madeira, as janelas eram duplas e as portas grandes para abrir para a circulação do vento e atenuar o calor”.

Processo de ocupação esteve ligado às diferentes formas de acesso ao distrito

As formas de acesso à Ilha do Mosqueiro também foram se transformando ao longo dos anos e tiveram impacto no próprio processo de ocupação do distrito. A professora da Faculdade de Geografia da Universidade Federal do Pará (UFPA) e coordenadora do projeto de extensão Roteiros Geo-turísticos da UFPA, Maria Goretti Tavares, explica que, inicialmente, Mosqueiro era habitada por indígenas Tupinambá. Posteriormente, já no século 18, teve início o primeiro processo de ocupação, que se deu através das fazendas instaladas onde hoje está a Praia do Paraíso e a Baía do Sol.

Já no início do século 20, os barões enriquecidos pela borracha começam a frequentar Mosqueiro em busca de lazer, favorecendo a ocupação a partir da área da Vila. “Então, o processo de ocupação começa a partir desse núcleo, naquela ponta onde está hoje a Praia do Areião. E ao longo das praias, até mais ou menos a praia do Murubira, onde vão fazer esses chalés de modelos europeus que ainda hoje temos alguns na Praia do Murubira, na Praia do Farol, no Porto Arthur, na Praia do Chapéu Virado”, explica Goretti. “Isso era no início do século 20, quando se tem o início do processo de ocupação, tendo a ilha como área de lazer. E é lógico que nesse momento a circulação era pelo rio, se fazia através da circulação de navios de Belém até Mosqueiro, coisa que vai perdurar até o início da década de 70”.

Foto: Irene Almeida/Diário do Pará

A professora conta que, na época, o navio batizado com o nome de ‘Presidente Vargas’ fazia o percurso entre Belém e Mosqueiro em cerca de 1h30 a 2h. Ele saía do Porto de Belém e chegava aonde está hoje o trapiche da Vila do Mosqueiro, que recentemente foi refeito. Esse processo de ocupação, que se concentrou muito na orla desde a Ponta do Farol até o Ariramba, acabou refletindo na arquitetura que ainda hoje guarda remanescentes.

“Essa arquitetura que reflete essa história da transformação é a arquitetura do início do início século 20, esses chalés com modelos europeus, porque vários desses comerciantes eram estrangeiros que vieram trabalhar também na Pará Electric, que foi a primeira usina de energia, e também os comerciantes que enriqueceram com a economia da borracha”.

Esse cenário só vai mudar, segundo aponta a professora, a partir da década de 70, quando se constrói uma estrada que faz o circuito de Ananindeua, Marituba, Benevides, entrando no que hoje é Santa Bárbara até o Furo das Marinhas.

“Aí nós entramos numa circulação, no final da década de 60 até 76, por uma balsa. Era uma travessia que durava mais ou menos de 30 a 40 minutos, dependendo se a maré estava cheia ou baixa. A partir daí tem um segundo momento, então, do processo de expansão de Mosqueiro como ilha de lazer. Começam a surgir as primeiras ‘segundas residências’ de uma classe média alta de Belém e começa um processo de ocupação para além da orla”.

Maria Goretti aponta que como a estrada chegava inicialmente ao Carananduba, é a partir dali que inicia outro momento do processo de ocupação, desta vez adentrando para o interior do território da ilha, para além da orla. Já o terceiro processo de ocupação ocorre a partir da construção da ponte que atravessa o Furo das Marinhas, inaugurada, inclusive, no dia do aniversário de Belém no ano de 1976.

Foto: Irene Almeida/Diário do Pará
“Aí vai ser o processo acelerado de ocupação, desse crescimento da valorização como área de lazer, mas agora também do turismo, então há a expansão dessas segundas residências com grande incidência. Isso nas décadas de 70, 80 e 90. E aí a circulação vai deixar de ser feita pelo rio com a travessia de balsa, vai ter uma linha de ônibus que durante muito tempo dominou esse circuito”.

E um quarto momento, na década de 90, ocorre a abertura de uma linha urbana de ônibus para Mosqueiro e é neste momento que a professora aponta uma ocupação muito intensa do processo de expansão da periferia de Belém. “A população de mais baixa renda passa a frequentar a ilha do Mosqueiro e a gente vai ter uma mudança dessa configuração do processo de ocupação da ilha. A partir de 2000 para cá há uma popularização desse acesso à área de lazer, de turismo, que é o que ainda caracteriza hoje a ilha que é uma área de expansão também dessa periferia urbana de Belém”.