No atual cenário da cidade de Belém, desde as placas que identificam os nomes das ruas, até os casarões históricos que enchem os olhos guardam uma informação importante e que ajuda a compreender o processo que levou a capital paraense a chegar aos 409 anos com a atual configuração. Essas memórias e fatos históricos estão entranhados em cada canto de uma cidade cuja riqueza cultural e patrimonial se destacam, mas para que tais informações possam ser acessadas e, sobretudo, não esquecidas, é possível contar com a dedicação de pesquisadores e historiadores que tomam para si a missão de resguardar a memória de Belém.
Para além das salas de aula, os conteúdos sobre história e memória de Belém têm alcançado cada vez mais outros canais de divulgação, incluindo as redes sociais mais acessadas nos dias de hoje. Em grande parte, essa presença se dá pelas mãos de pesquisadores que se dedicam a compartilhar a paixão que eles próprios têm pela área.
Nascido e criado em Belém, o acadêmico do curso de história Henrique Coelho, de 27 anos, conta que o amor pela sua cidade o acompanha desde a infância. Ao acompanhar o pai no trabalho, ele sempre acabava envolvido pelos espaços de memória da cidade. “Eu sempre estive em passeios com o meu pai que trabalhava na feira e me trazia sempre no Ver-o-Peso com ele para comprar as frutas, as verduras e eu olhava para a Baía e ficava me perguntando sobre aquilo. Como o meu pai não teve acesso a esse tipo de história, ele não sabia me responder, ele só dizia que era assim porque já estava há muito tempo assim, então, isso foi fomentando em mim essa curiosidade de criança até de ir atrás dessas histórias”, recorda.
“Passaram-se os tempos e eu fui tendo, cada vez mais, aquela vontade de conhecer sobre a minha história, o meu povo e a minha cidade. Então, nasceu junto com isso a vontade pela pesquisa e pela história”.
Inicialmente, quando se viu diante da necessidade de escolher a profissão que desejaria seguir, Henrique conta que sempre optou por fazer vestibular para o curso de arquitetura. Tudo mudou, porém, depois de uma boa conversa com um professor. “Quando eu tive o contato e uma boa conversa com um professor, nasceu a vontade de lecionar e o amor pela história. Então, daí eu comecei a pesquisar sobre a história do Pará e há cerca de dois anos eu criei uma página no Instagram e no Facebook, a Historiando Belém do Pará”.
Além de abordar a história oficial de Belém e do Pará, o objetivo da página é resgatar também a história das periferias da cidade, de agentes políticos históricos, populares, que vêm das periferias e que, muitas vezes, acabam não tendo as suas histórias contadas. “Principalmente neste contexto em que estamos muito visados pelo mundo, as pessoas precisam passar por aqui e precisam saber o que cada elemento histórico significa para a população e para o mundo”, considera Henrique, que acabou encontrando em outros dois apaixonados pela história de Belém uma parceria para o trabalho desenvolvido nas redes.
Aos 67 anos de idade, o historiador e professor Rudivaldo Souza ainda guarda o mesmo entusiasmo que o fez se interessar pelo campo da história ainda durante a infância. “A história sempre teve introjetada em mim. Eu sempre gostava de ler jornais e a minha paixão sempre foi a história. E o que vai me interessar pela história de Belém, ainda acompanhando o meu pai, na minha infância, era os nomes das ruas. Eu ia perguntando e ia anotando num caderno o nome das ruas e me interessou verificar isso e ir vendo os nomes mudavam. A gente vê que a Praça da República já foi Largo da Pólvora, já foi Praça do Imperador, então, essas coisas sempre me chamaram a atenção”.
Além da colaboração no Historiando Belém, o professor Rudivaldo também mantem um projeto próprio, o canal Historicidade que, como o nome remete, tem como objetivo contar a história da cidade. Ao longo do tempo em que ele já se dedica a pesquisar e divulgar a história de Belém, ele observa que as pessoas se interessam, sobretudo, por histórias que despertam memórias.
“É interessante porque a gente percebe que as pessoas acompanham. Eu faço os meus escritos que me seduzem, me interessam. É muito interessante a gente resgatar essa história e memória”, considera. “Agora mesmo tem uma matéria na RBA em que eu falo sobre a história Pedro Miranda e da Tavares Bastos. Os que moram lá sabem que é Tavares Bastos, mas o que vai seduzir eles é que na esquina da Almirante Barroso com a Tavares Bastos ficava a Casa Natal, é o Olê Olá, a Palhoça, o Cine Paraíso na Pedro Miranda, algumas coisas que já não existem mais e que seduzem quando você resgata essas questões”.
Também durante a atuação como educador, o professor conta que também busca levar os seus alunos para os espaços de memória e museus da cidade.
‘Estamos tentando um bem comum: produzir história’
Da mesma forma, o historiador Márcio Neco, 46 anos, vivencia a missão difícil, mas prazerosa, que é manter viva a memória de Belém. Ele compartilha com Henrique e Rudivaldo o encantamento pela história Belém desde muito cedo e ao lado dos colegas também tomou para si a missão de salvaguardar e difundir aquilo que é a maior riqueza da cidade, sua memória. “Nós esbarramos em muitos desafios. Em projetos, seja com professor Rudivaldo, seja com o acadêmico Henrique, às vezes nos deparamos com problemas bem básicos, como adquirir uma fonte, ter acesso a algum lugar. E nós estamos tentando um bem comum, produzir história, deixar um legado para as pessoas. E eu desde pequeno também tenho em comum com eles esse amor por Belém”.
O professor conta que também vem da periferia de Belém e que sempre observou o quanto a periferia precisa ser olhada como centro porque é cheia de potencialidades e de manifestações culturais que precisam ter suas memórias preservadas. “Desde pequeno também esse amor pela cidade me fazia procurar entender, é claro que de uma maneira bem limitada dentro, talvez, do que o meu pai e a minha mãe pudessem passar para mim ou aos acessos que eu tinha a um jornal ou algo parecido. Mas depois, me deparando na faculdade com o curso de história, eu pude tomar uma decisão de realmente focar na história da nossa cidade”.
Ruas de Belém são uma ‘sala de aula’
Ao mesmo tempo em que muita gente se motiva e demonstra interesse pelos assuntos da história da cidade, Márcio Neco também sente a angústia de ver um grande número de pessoas que transita pelas ruas, que participa dos espaços, que frequenta os logradouros sem saber a mínima origem do local. “Isso me angustiava muito, então, mais do que nunca eu me senti na responsabilidade de me somar a isso e eu fico pensando que hoje nós temos as documentações e percebemos o quanto Manoel Barata, Arthur Viana e Ernesto Cruz enfrentaram dificuldades, na época deles, para nos deixar um legado.
Nos 300 anos da cidade de Belém nós sequer tínhamos a data precisa de quando Belém havia sido ocupada pelos portugueses. Se não fosse um esforço deles nós não teríamos, talvez, muita informação”, considera.