Por Matheus Colares do Nascimento
O início do ano de 2025 marca o aniversário de 190 anos da revolução cabana, revolta de cunho popular cuja importância continua a ser de primeira ordem para entender o lugar que o Pará ocupa no cenário político nacional do capitalismo brasileiro dependente e internacional. A despeito da sua desorganização tática, a revolução ainda se destaca, dentre as do período imperial brasileiro, por ter efetivamente tomado e mantido o poder por quase seis anos, entre 7 de janeiro de 1835 a agosto 1840.
Tristemente, a despeito de sua importância, a recuperação da sua memória permanece uma tarefa do dia. A cabanagem, assim como outras revoltas do período imperial, pode ser considerada do ponto de vista da luta anti-colonial. As lutas anti-coloniais são um tema caro ao filósofo marxista italiano Domenico Losurdo, que pensa o colonialismo como um fenômeno político (Losurdo, Colonialismo e luta anti-colonial, 2020). Isso significa pensar a relação colônia-metrópole para além da existência positiva de um domínio político colonial, tal qual existia durante o colonialismo ibérico nas Américas (Séculos XV-XVIII), por exemplo. Isso porque, uma vez constituídas essas relações desiguais, “a exploração internacional pode descansar progressivamente na sua reprodução” (Marini, Dialética da dependência, 2022).
Nesse sentido, a relação colonial se dá, também em termos contemporâneos, a partir da relação de dependência e subdesenvolvimento. Tal como mostra Rui Mauro Marini, teórico brasileiro do desenvolvimento, a dependência funciona como uma relação colonial em que há transferência direta de recursos da colônia para a metrópole.
Na relação de dependência, há transferência de valor dos países subdesenvolvidos para os industriais. No caso dessa última transferência, segundo Marini, ela ocorre a partir do monopólio da oferta de produtos industrializados por parte das nações desenvolvidas, que as possibilita controlar a estrutura da formação de preços desses produtos.
A luta contra o subdesenvolvimento permanece, então, como a luta anti-colonial, um movimento contra a exploração. Por sua vez, o sentido atual da revolta cabana é a luta contra o subdesenvolvimento, pois embora a reivindicação cabana tenha permanecido no âmbito do reconhecimento de direitos democráticos civis, a afirmação desses direitos é um passo na direção da superação dessa relação colônia-metrópole. Em sentido contrário, também a negação desses direitos é uma justificativa para a manutenção dessa relação.
Essa era a tônica do discurso das autoridade para justificar a opressão contra os revolucionários cabanos. O brigadeiro Sousa Soares de Andreia, nomeado presidente da Província pela autoridade central do Brasil, justifica a repressão da revolta a partir da desumanização dos revoltosos, classificando a população sublevada – maioria de descendência fortemente africana e indígena – como bárbaros e incivilizados (Moreira Neto, Índios da Amazônia: da maioria a minoria (1750-1850), 1988). (O brigadeiro chega a comparar a revolta cabana à Revolução Haitiana, uma honra para todos os paraenses!). O discurso de Sousa Soares de Andreia deixa claro que a desumanização dos revoltosos é a justificação para a exploração laboral.
A herança da revolução cabana aparece atualíssima, visto que a relação de subdesenvolvimento em que o Pará – e em menor, mas ainda significativo grau, o Brasil – ocupa na divisão de trabalho internacional é ainda vigente e, nesse sentido, a partir da perspectiva da dependência, o povo paraense ainda sofre com a exploração O fato do PIB do estado do Pará constituir em torno de 40% do PIB da região norte não diz absolutamente nada contra essa interpretação, principalmente quando olhamos para os seus componentes. A principal atividade, indústria extrativista de matérias primas brutas, representou 34,1% do valor nominal do PIB (Relatório do PIB do Pará 2021). Ora, a necessidade real da economia do povo paraense de forma alguma absorve toda essa oferta de minério de ferro e manganês extraídos do nosso território.
A atividade extrativista de forma alguma está ligada ao desenvolvimento de parques industriais ou no desenvolvimento de áreas estratégicas (desenvolvimento de políticas de emprego de salários elevados, erradicação da pobreza e educação, em suma, levantar a população do subdesenvolvimento). A realização do valor dessas mercadorias só acontece em âmbito do mercado externo, onde são vendidas a preço de banana, dada a abundância da sua oferta e a superexploração da força de trabalho. Novamente, isto é uma relação colonial, pois é marcada pela transferência de recursos de um lugar para outro.
REFERÊNCIAS
FAPESPA, Relatório do PIB do Pará 2021. Belém – Pará, Fapespa, 2021. Disponível em: https://www.fapespa.pa.gov.br/wp-content/uploads/2023/11/Relatorio-PIB-Para2021_Final-1.pdf
MARINI, R. M. Dialética da Dependência e outros ensaios. São Paulo, Expressão Popular, 2022.
MOREIRA NETO, C. A. Índios da Amazônia: da maioria a minoria (1750-1850), RJ, Vozes, 1988.
PRADO JR, C. Evolução política do Brasil. SP, Brasiliense, 1966.
SANTOS, S. C. dos. Cabanagem: crise política e situação revolucionária. Dissertação
Campinas, SP : [s.n.], 2004
SILVEIRA, I. B. da. Cabanagem, uma luta perdida para a liberdade. Belém, Secult, 1994