Cintia Magno
No momento em que se adentra a avenida embalado pelo ritmo frenético da bateria, o calor que emana da arquibancada abraça os brincantes que seguem desfilando. A emoção sentida por quem se dedica durante meses para colocar o Carnaval na avenida é apenas uma das saudades deixadas pelos dois anos em que a pandemia impossibilitou a aglomeração do público e que, neste ano, poderá ser novamente vivenciada pelas escolas de samba de Belém, que retomam o tradicional desfile a partir do próximo dia 10 de fevereiro.
No último ano em que foi possível realizar o desfile das escolas de samba, em 2020, a Associação Recreativa e Cultural Escola de Samba Piratas da Batucada vivenciou a experiência de conquistar, pela primeira vez, o título de campeã do Primeiro Grupo das Escolas de Samba de Belém.
Depois da pausa de dois anos, a expectativa para colocar a escola na avenida novamente é grande. “Para quem gosta de Carnaval foi angustiante ficar sem Carnaval esses dois anos e a nossa expectativa é de fazer um excelente desfile”, espera Milton Neto, diretor de barracão da Piratas da Batucada, localizada no bairro da Pedreira.
Nas últimas semanas que antecedem o desfile, os trabalhos se intensificam nos barracões, tanto no de chapelaria e adereços, quanto no dos carros. Cada detalhe é preparado com o maior esforço para que tudo saia como esperado no momento de entrar na avenida.
“A última semana é sempre de correria, dia e noite trabalhando para ficar tudo pronto. São 40 dias de trabalho mais intenso, mas estamos dentro do cronograma”, aponta, ao concordar que, para quem gosta do Carnaval, todo o esforço vale a pena.
“Eu sempre gostei de Carnaval. Sou paulista e sempre fui de escola de samba, então, quando eu vim para Belém visitei todas as escolas. Como eu sempre morei na Pedreira, das três escolas que têm no bairro, eu me identifiquei mais com a Piratas”.
A identificação de Kleber Oliveira com o Carnaval e, mais especificamente com a sua escola do coração, a Associação Carnavalesca Bole-Bole, começou ainda aos oito anos de idade. Desde então, o diretor de harmonia e de barracão da agremiação nunca mais saiu de lá e guarda também a grande expectativa pelo retorno dos desfiles das escolas de samba neste ano de 2023.
“Eu chego na minha escola de samba com oito anos de idade, hoje estou com 46 anos, e nunca saí daqui. Eu cresci no Bole-Bole, foi do Carnaval que eu fiz a minha profissão, fui fazer artes visuais, cenografia. A escola de samba é a minha vida, dela eu projetei o meu futuro”, lembra, sem esconder a emoção que o retorno dos desfiles lhe desperta.
“A nossa expectativa é chegar na avenida e fazer o que sempre a gente sempre faz, mostrar o melhor do Guamá, que é o seu talento, a sua cultura. A expectativa é de fazer um grande espetáculo na avenida para contagiar e emocionar todo mundo”.
BATERIA
A primeira amostra do poder contagiante da bateria já foi vivenciada pela escola durante os ensaios prévios realizados tanto na quadra da agremiação, quanto nas próprias ruas do bairro do Guamá, que abriga a Bole-Bole. Kleber conta que, durante a pandemia, a escola conseguiu adiantar os trabalhos já pensando no retorno do Carnaval, estocando material e realizando oficinas que possibilitaram criar os protótipos de fantasias antecipadamente.
Agora, na reta final da preparação, segue o planejamento para que a escola apresente tudo o que preparou da melhor maneira possível. “Esse ano o diferencial foram os ensaios com a escola toda completa. Cada ala trazia de 20 a 30 pessoas da comunidade que vem ensaiar duas vezes na semana, então, foi como um pré-ensaio técnico na quadra e nas ruas do Guamá”, conta.
“Então, tivemos esse reencontro com o público no primeiro arrastão, em setembro. Vem pessoas de outros bairros e até de outros municípios para ver a bateria da Bole-Bole na rua e é uma emoção grande, é o pagamento por todo o esforço que é feito”.
A emoção também é sentimento certo na quadra de outra escola que integra o primeiro grupo do Carnaval de Belém, a Associação Cultural Recreativa Carnavalesco Império de Samba Quem São Eles, do bairro do Umarizal. Depois de dois anos sem poder vivenciar a alegria de ver as escolas de samba de Belém desfilarem na Aldeia Cabana, o vice-presidente da Quem São Eles, Luiz Carlos Ramos Costa, não esconde que a vontade de ir para a avenida novamente é enorme.
Vontade essa que não é apenas da direção da escola, mas de toda a comunidade. “No último ensaio que nós fizemos na Doca (avenida Visconde de Souza Franco) a gente já sentiu essa saudade das pessoas, a comunidade abraçou mesmo e compareceu”, lembra. “A expectativa é a melhor possível. Esperamos colocar 1.200 brincantes na avenida esse ano, é a nossa expectativa”.
Para que todos os adereços, fantasias e carros alegóricos estejam prontos no dia do desfile, os trabalhos no barracão se intensificaram a partir de novembro e dezembro do ano passado. Nas últimas semanas antes do desfile, o ritmo de trabalho segue desde 8h até as 22h, com revezamento de turnos, e muita boa vontade dos voluntários que não medem esforços para colocar o Carnaval na avenida.
“Nós vamos para brigar pelo título, com recursos próprios e com a vontade dos voluntários”, aponta o vice-presidente. “Nós seremos a quinta escola a desfilar no dia 12, devemos terminar o desfile por volta de 2h de segunda-feira já, mas independente do horário, o sangue grená e branco corre nas veias e supera todas as dificuldades”.
As dificuldades enfrentadas para se colocar o Carnaval nas ruas também vêm sendo superadas, com garra, pelo Grêmio Recreativo Esportivo Beneficente Jurunense Rancho Não Posso Me Amofiná, agremiação do bairro do Jurunas. Reunindo mais de 20 títulos de campeã do primeiro grupo do Carnaval de Belém ao longo dos seus 89 anos de história, o Rancho também está com uma boa expectativa para o reencontro com o público.
“As expectativas são as melhores possíveis. A gente vem nesse empenho, trabalhando muito ao longo do ano. Com toda a dificuldade de se fazer Carnaval, a gente conseguiu preparar tudo e vamos dar o melhor”, aponta Jackson Santarém, presidente do Rancho Não Posso me Amofiná. “Vamos mostrar um belíssimo Carnaval. Não só o Rancho, mas todas as escolas que integram o primeiro grupo”.
Há 42 anos na escola, Jackson não esconde a emoção despertada pelo Carnaval. Só de pensar e falar no desfile que se aproxima, o arrepio pelo corpo vem. “São 42 anos de escola, amando o Carnaval. Depois da minha família, o Rancho é a minha vida”, considera, ao destacar a importância que o Carnaval tem não apenas para a cultura, mas também para a economia e para o próprio bem-estar da comunidade e da população em geral.
“O Carnaval é o bem-estar social da família brasileira. Naquele momento de Carnaval é quando as famílias esquecem as dificuldades, os problemas no trabalho, os problemas de saúde. Naquele período ali do Carnaval, tudo isso desaparece”.