LITERATURA

'Profissões para mulheres', de Virginia Woolf ganha edição ilustrada

O clássico ensaio ganha vida com ilustrações de Marilda Castanha e tradução da escritora Adriana Lisboa.

Da esquerda para a direita: capa do livro, Adriana Lisboa e Marilda Castanha. Foto: Divulgação
Da esquerda para a direita: capa do livro, Adriana Lisboa e Marilda Castanha. Foto: Divulgação

A Editora Maralto apresenta neste mês de dezembro uma edição singular do ensaio Profissões para mulheres, de Virginia Woolf, enriquecida pelas ilustrações da premiada artista Marilda Castanha e com tradução de Adriana Lisboa. Publicado postumamente, o texto lido por Woolf em 1931, durante uma palestra, é uma reflexão poderosa e atemporal sobre as barreiras enfrentadas pelas mulheres no mundo profissional e intelectual, bem como a necessidade de desafiar o ideal opressor da feminilidade consagrada no Anjo do Lar, expressão cunhada por Coventry Patmore em seu poema The Angel in the House.

Para ilustrar o texto, Marilda Castanha fez uma profunda imersão na obra e na vida de Virginia Woolf. Suas pesquisas abrangeram desde citações do próprio ensaio – incluindo autoras mencionadas por Woolf – até elementos biográficos e culturais que pudessem ampliar o entendimento visual e simbólico da narrativa. Marilda explorou fotos de uma das casas onde Woolf viveu, seu estilo de vestir e as pessoas com quem convivia, registrando até mesmo seus gostos literários.

“Foi especialmente inspirador descobrir que Woolf amava Alice no País das Maravilhas e que, certa vez, em um baile à fantasia, vestiu-se como a Lebre de Março”, explica Marilda. “Essa descoberta resultou em uma das imagens do livro. A leitura de Orlando – cuja personagem desafia o tempo, vivendo trezentos anos e passando pela experiência de mudar de gênero, também teve um impacto significativo, inclusive para minha decisão de usar imagens de relógios”.

Todas as referências coletadas por Marilda a orientaram na escolha de elementos que compõem as ilustrações, como pedras, xícaras, gaiolas, sapatos, etc., todos cuidadosamente integrados à técnica mista empregada por ela. Utilizando colagens, tinta acrílica, aquarela, gesso, estêncil e lápis, a artista criou uma paleta restrita e simbólica: cinzas, azuis-escuros, preto e sépia, com toques de ocre e vermelho para acentuar elementos específicos.

Entre as representações mais marcantes está a figura surreal de uma mulher com rosto de relógio, segurando um guarda-chuva para proteger um peixe – uma metáfora para a constante necessidade de inventar formas de resistência e sobrevivência. Rostos masculinos vendados em grupos de três como uma muralha, aparecem como outra maneira de ilustrar a opressão, dominação e sujeição histórica a que as mulheres foram (e infelizmente ainda são) submetidas.

“Traduzir Virginia Woolf é um desafio, porque seu texto é tão sofisticado quanto preciso”, reflete a escritora e tradutora Adriana Lisboa. “Como mulher, é comovente encontrar ali um texto que inclui, que não se vale da autoridade da oradora que foi convidada a dar uma palestra sobre o papel da mulher na sociedade, mas que propõe que as próprias mulheres tenham curiosidade, criatividade e ousadia para fazer a si mesmas essa pergunta. Seria fácil, para a autora, abraçar esse lugar de poder, o que em suma não questionaria nenhuma estrutura, mas o que ela faz é se irmanar às outras mulheres, suas ouvintes e hoje leitoras, desbancando assim do modo mais cabal a hierarquização do mundo proposta e sustentada pela ordem patriarcal”.

Virginia Woolf escreveu sobre o árduo processo de libertar-se do “Anjo do Lar”, ao mesmo tempo que reconhecia como esse ideal vitoriano estava profundamente arraigado na mente das mulheres e na cultura de sua época. Apesar de escrito há quase um século, Profissões para mulheres permanece assustadoramente atual. O ensaio é uma reflexão não apenas sobre as desigualdades enfrentadas pelas mulheres – incluindo questões como misoginia e disparidade salarial –, mas também sobre o poder de quem se posiciona como detentor do saber e impõe sua visão ao outro.

“É triste concluir que, sim, ainda andamos, esbarramos e tropeçamos em ”anjos do lar”, explica a ilustradora. “Fomos, somos cercadas por avós, mães e tias, muito abnegadas, que encarnavam o anjo do lar. Mas, ao mesmo tempo, em algum momento de suas vidas, essas mulheres também reagiram, e deram testemunhos de extrema coragem. Acho que as últimas frases do ensaio ‘eu ficaria aqui de bom grado para discutir essas perguntas e respostas, mas não hoje. Meu tempo acabou, e devo parar por aqui’ finalizam de uma forma genial o livro, pois ela afirma que o tempo – dela e de certa forma de cada uma de nós (de pensar, de questionar, de refletir) – uma hora termina. Mas virão outras.

“Outras mulheres que continuarão essa tarefa de questionar, criticar e enfrentar todos esses
fantasmas. Uma forma, também, de afirmar que há sempre esperança!”, finaliza Marilda Castanha. “No caso de Profissões para mulheres, seria interessante ressaltar ainda que a estratégia retórica de Virginia Woolf é, de certa maneira, abdicar de seu lugar de poder como oradora e entregar a autoridade sobre o assunto em questão a suas ouvintes – aquelas mulheres que darão a resposta final às próprias perguntas. O que ela faz, em última instância, é questionar o lugar da mulher na sociedade moderna”, conclui Adriana Lisboa.

Essa edição, com estrutura luxuosa e em capa dura, com texto e ilustrações que se complementam de forma visceral, é mais do que um livro: é um convite à reflexão e ao debate sobre os desafios que as mulheres ainda enfrentam no século XXI. A obra já está disponível nas livrarias parceiras e faz parte do Programa de Formação Leitora Maralto, uma iniciativa voltada para escolas de todo o país.

Sobre a autora

Virginia Woolf (1882-1941) é considerada uma das mais importantes escritoras do século XX, reconhecida tanto por sua ficção inovadora quanto por sua vasta produção ensaística. Nascida em Londres, enfrentou uma adolescência marcada por perdas familiares, incluindo a morte de sua mãe, Julia, e de sua meia-irmã, Stella. Educada em casa, Virginia teve acesso à rica biblioteca de seu pai, o crítico Leslie Stephen, o que influenciou profundamente sua formação literária.

Após a morte de seu pai, em 1904, mudou-se para o centro de Londres com seus irmãos e se integrou ao grupo Bloomsbury, formado por artistas e intelectuais. Em 1912, casou-se com Leonard Woolf, com quem fundou a Hogarth Press, editora responsável pela publicação de autores como T.S Eliot e E.M. Forster, além das primeiras traduções de Freud para o inglês.

Woolf publicou romances emblemáticos como Mrs. Dalloway (1925), Ao farol (1927) e Orlando (1928), explorando técnicas narrativas inovadoras e temas como identidade, memória e a experiência feminina. Sua produção ensaística também foi notável, com obras como Um teto todo seu (1929) e Três guinéus (1938), em que reflete sobre literatura, história e os desafios enfrentados pelas mulheres.

Ao longo de sua vida, Woolf buscou novas formas de relacionar a vida íntima às forças coletivas da sociedade. Apesar de sua trajetória literária brilhante, enfrentou problemas de saúde mental e faleceu em 1941, aos 59 anos. Suas obras permanecem relevantes, inspirando leitores e estudiosos em todo o mundo.

Sobre a ilustradora

Marilda Castanha nasceu em Belo Horizonte e cresceu desenhando. Cursou Belas Artes na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde atualmente desenvolve pesquisa de mestrado sobre livros ilustrados. Em 1992, lançou seu primeiro livro ilustrado, Pula, gato!, que venceu o prêmio Encouragement do Concurso Noma, no Japão, e foi indicado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) para a Lista de Honra do IBBY (International Board on Books for Young People).

No Brasil, entre outros prêmios, recebeu, por duas vezes, o Jabuti de Ilustração, com os livros Pindorama: terra das palmeiras e Mil e uma estrelas. Em 2017, com o livro Sem fim, publicado pela Maralto, Marilda foi premiada na categoria Purple Island do prêmio Nami, na Coreia do Sul. Hoje vive e trabalha na sua “casa-ateliê”, em Santa Luzia, Minas Gerais.

Sobre a tradutora

Adriana Lisboa nasceu no Rio de Janeiro em 1970. Ficcionista, poeta, ensaísta e tradutora, publicou, entre outros livros: os romances Sinfonia em branco (Prêmio José Saramago), Azul corvo (um dos livros do ano do jornal inglês The Independent), Hanói (um dos livros do ano de O Globo) e Os grandes carnívoros; os poemas de Pequena música (menção honrosa no Prêmio Casa de las Américas) e O vivo; o ensaio Todo o tempo que existe (um dos livros do ano da Folha de S.Paulo). Também é autora de obras para crianças e jovens, entre as quais Língua de trapos (prêmio de Autor Revelação da FNLIJ) e O coração às vezes para de bater (selo Cátedra 10 Unesco, categoria Distinção), esta publicada pela Maralto em 2022. Seus livros foram traduzidos em mais de vinte países. É tradutora da poesia de Margaret Atwood e Anne Carson, e da prosa de Emily Brontë, Charlotte Brontë, Marguerite Duras e Maurice Blanchot, entre outros autores.