Uma nova técnica de cirurgia cerebral tem transformado o tratamento de bebês com hidrocefalia, uma condição que provoca o acúmulo excessivo de líquido cefalorraquidiano no cérebro. A doença pode aumentar a pressão intracraniana e levar ao crescimento anormal da cabeça, comprometendo o desenvolvimento psicomotor das crianças. Hoje, o procedimento no Brasil é realizado na Santa Casa de São Paulo e na Santa Casa do Pará.
A cirurgia combina dois métodos: a ventriculostomia endoscópica do terceiro ventrículo (ETV) e a cauterização do plexo coroide (CPC). Os resultados obtidos com essa abordagem têm se mostrado seguros e eficazes.
O procedimento combinado é conhecido como Método de Warf, em homenagem ao neurocirurgião Benjamin Warf, do Boston Children’s Hospital e Harvard Medical School, que desenvolveu a técnica há cerca de uma década. A inspiração veio de uma viagem a Uganda, em 2000, quando Warf ficou impressionado com o número elevado de crianças com hidrocefalia.
Ele percebeu que muitos implantes de válvulas falhavam ou causavam infecções e, a partir disso, adaptou duas técnicas existentes para criar um método que gerasse resultados mais consistentes e seguros.
O tratamento tradicional para hidrocefalia, introduzido nos anos 1960, consiste na implantação de uma válvula que drena o líquido acumulado no cérebro para a cavidade abdominal. Apesar de eficaz, o método apresenta limitações, como risco de infecções, falhas no dispositivo e necessidade de revisões frequentes, exigindo múltiplas cirurgias e acompanhamento ao longo da vida.
O Método de Warf se destaca como uma solução definitiva, com menos complicações e menor necessidade de infraestrutura médica ou manutenção pós-cirúrgica. Essa abordagem também oferece benefícios socioeconômicos significativos, especialmente para sistemas públicos de saúde, como o SUS (Sistema Único de Saúde).
No Brasil, a técnica foi introduzida pelo Projeto Neurokids, uma ONG criada por Warf que busca melhorar a vida de crianças com deficiência. A organização treina equipes médicas em diversos países, ampliando o acesso ao tratamento. O Brasil foi o primeiro país da América Latina a adotar o Método de Warf, onde a neurocirurgiã Giselle Coelho foi selecionada para receber este treinamento e, consequentemente, realizar esta cirurgia.
Desde o início do projeto no Brasil, em 2022, mais de 70 crianças já foram submetidas à cirurgia. O treinamento de novos neurocirurgiões está em andamento, e segundo Coelho, a previsão é que, até 2025, o país tenha mais dez centros de treinamento, expandindo a capacidade de realizar o procedimento principalmente em áreas mais remotas, como regiões amazônicas.
Globalmente, o Método de Warf apresenta uma taxa de sucesso de aproximadamente 76%. Só na Santa Casa de São Paulo, a eficácia é de 93%. No outro centro que realiza esta cirurgia, a Santa Casa de Belém do Pará, a taxa de sucesso foi de 82% após 1 ano do início do projeto, devido a desafios sociais, como o maior número de crianças prematuras e desnutridas.
A hidrocefalia, junto com a espinha bífida — uma malformação congênita da medula — está entre as condições neurocirúrgicas mais comuns em crianças em todo o mundo. Sem tratamento adequado, essas doenças podem ser fatais.
Mesmo quando sobrevivem, os pacientes frequentemente enfrentam incapacidades permanentes. Em muitos casos, bebês com hidrocefalia não chegam a completar dois anos de vida.