Cintia Magno
É muito bom estar de volta. O tema escolhido para embalar o bloco As Virgienses neste ano traduz um sentimento que já é visível nas ruas de Vigia de Nazaré semanas antes do Carnaval 2023. Com a perspectiva do retorno da folia às ruas após dois anos de restrições em decorrência da pandemia da Covid-19, a expectativa é grande entre os brincantes e moradores do município.
Marcado por ruas estreitas e construções históricas que datam ainda do período da colonização portuguesa no Brasil, o município de Vigia de Nazaré vê a rotina e o clima se transformarem no período do Carnaval, quando a presença de pessoas nas ruas da cidade chega a ser o dobro da população do município, que segundo projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) chegou a mais de 54 mil habitantes em 2021. Chegados de Belém, de outros municípios do interior paraense e mesmo de outros Estados, o que tais visitantes buscam é conhecer uma das folias mais tradicionais do Pará.
O escritor, pesquisador e memorialista vigiense Raul Lobo, conta que durante muito tempo o carnaval de Vigia foi famoso pelas tradicionais festas de salão. A partir dos anos 2000, porém, quando já existiam as Escolas de Samba e os blocos de rua, a festa passou a ganhar outra proporção e passou a atrair um público cada vez maior.
“Esse carnaval atual de Vigia teve o pontapé inicial a partir dos anos 2000. Já tinham as escolas de samba, a Caprichosos do Bairro de Arapiranga, a Grande Família, a Estação Primeira de Vigia que desfilavam; sempre teve os blocos de empolgação, com as Virgienses, os Cabrassurdos, o Gaiola das Loucas, que continuaram e, a partir de 2000, começaram a chegar também os blocos de abadá”, rememora.
“A partir daí se inaugurou uma nova etapa do Carnaval de Vigia, o Carnaval de micaretas, com trio elétrico, shows de bandas no Espaço Cultural, mas Vigia sempre teve a preocupação de não perder a essência do carnaval e, com essa diversidade de atrações, o carnaval foi crescendo até uma proporção em que se perdeu o controle de quantas pessoas vinham para o carnaval em Vigia”.
Raul conta que já chegou uma época em que mais de 100 mil a 200 mil pessoas estiveram nas ruas de Vigia para aproveitar o carnaval, sendo a segunda-feira o ponto alto da folia. “É um carnaval muito diversificado, em termos de escolha de som, qualidade de bandas que você quer dançar, não perdendo a essência das nossas bandinhas, aquela bandinha de frevo que sempre tem”, considera ele, que também é membro da Academia Vigiense de Letras. “E a apoteose do carnaval em Vigia é na segunda-feira, quando saem os blocos de empolgação, sendo que As Virgienses é o maior bloco de rua de Vigia”.
Caracterizado pela presença de homens vestidos com roupas femininas, o bloco As Virgienses tem a sua história iniciada ainda na década de 1980. Na época, a união despretensiosa entre grupos de amigos da Rua das Flores e da Rua de Nazaré deram início à tradição que tornou o carnaval de Vigia conhecido em todo o Estado. A idealização do nome partiu do grupo de amigos da Rua das Flores e, depois, parte desses amigos passaram a se apresentar no bloco que já existia na esquina da Rua de Nazaré, com a avenida Marcionilo Alves. A esquina é até hoje ponto de concentração do bloco.
“As Virgienses surgiu aqui nessa esquina. Eu peguei a roupa da minha namorada, que era minha namorada na época, e a gente começou com um grupo de amigos. Fazíamos aqui aquela brincadeira, pega um instrumento aqui e outro ali, e as Virgienses foi surgindo”, lembra o comerciante Paulo Costa, que não apenas viu essa história iniciar, como também fez parte.
“Hoje em dia, o bloco As Virgienses é falado em todo o Brasil e a gente tem orgulho de ter participado disso. Eu já não saio mais, praticamente sou uma ‘virgem aposentada’, mas a gente sempre se reúne, ou subo no trio. As Virgienses não pode nunca morrer, a gente quer que continue”.
Ainda na década de 80, Paulo lembra que o número de brincantes no bloco chegava a cerca de 20 pessoas, hoje a multidão é embalada por dois trios elétricos. Para este ano, o presidente do bloco, Tiago Palheta, conta que a expectativa é maior ainda.
“A expectativa é muito grande. As Virgienses é o maior bloco do carnaval de Vigia e um dos maiores do Estado. Sempre na segunda-feira, praticamente duplica ou triplica a população da cidade com brincantes e turistas que vêm só para curtir tanto As Virgienses, com os homens vestidos de mulheres, quanto Os Cabrassurdos, que são as mulheres vestidas de homens, e a Gaiola das Loucas, que é o bloco LGBTQIA+”, conta, ao lembrar que neste ano o bloco As Virgienses completa 28 anos de existência. “Ter ficado esses dois anos fora do circuito foi muito triste, tivemos amigos que nos deixaram durante a pandemia, então foi difícil. Mas nesse ano decidimos trazer um tema que remete ao momento atual que é ‘As Virgienses 2023: É muito bom estar de volta’”.
Tiago conta que não é incomum a organização do bloco receber mensagens de brincantes já na expectativa para este ano, contando que o bloco será ‘gigante’ este ano. Com isso, já fica a perspectiva de as ruas de Vigia, de repente, receberem um público até maior do que o habitual neste ano.
“Esse ano nós vamos estar com dois trios elétricos, como todos os anos, e já estamos cogitando um terceiro trio, valorizando as bandas locais, como todos os anos acontece, trazendo a nossa tradicional boneca, que é o abre alas do bloco”, planeja. “Esse ano a gente vai estar de volta às ruas, vamos dar alegria para todo mundo. O Carnaval movimenta a cidade toda, então, as avós, as mães, as irmãs, as namoradas, as esposas também se movimentam para maquiar, emprestar roupa para os homens, essa energia da segunda-feira na cidade da Vigia é única”.
Energia também as escolas de samba na ‘cidade que não dorme’
A energia de viver o carnaval novamente também é sentida pelo artista plástico Carlos Alberto de Oliveira Cardoso, o Bino, que vivencia outra vertente do carnaval de Vigia, a das escolas de samba. Carnavalesco da Escola de Samba Pra Samba, fundada em 1978, ele também não vê a hora de ver o carnaval nas ruas novamente.
“A escola está com uma expectativa para esse ano muito grande, de um carnaval bom, devido a pandemia com dois anos parados. Se Deus quiser, tudo vai dar certo. Já começamos o trabalho aqui no barracão, com várias alegorias e carros alegóricos que também ficaram durante muito tempo parados e a Escola vem com uma expectativa grande”, conta, ao falar que essa mesma espera é sentida no restante da cidade.
“A gente tira pela procura de casas, as pessoas estão chegando mais cedo aqui em Vigia procurando casa para se abrigar durante o carnaval e eu creio que vai ser um dos melhores carnavais aqui da Vigia”.
VIGIA DE NAZARÉ
Tomando cerca de cinco quarteirões da cidade de Vigia de Nazaré ainda na concentração, o bloco “As Virgienses” é uma das principais atrações do carnaval no município, quando os brincantes se fantasiam de mulher. A brincadeira já se repete há 38 anos e, em 2023, tem como tema “As Virgienses 2023: É muito bom estar de volta”. Logo em seguida, a ordem é para as mulheres se fantasiarem como homens, na saída do bloco “Os Cabrassurdos”.
Abrilhantando ainda mais a festa, também há espaço para a irreverência do bloco LGBTI+, o “Gaiola das Loucas”. Desfiles de escolas de samba, trio elétrico, blocos tradicionais e blocos de micareta também compõem a extensa programação do carnaval de Vigia de Nazaré.