O bilionário Elon Musk recebeu como contrapartida de seu esforço para eleger Donald Trump o cargo de chefe do novíssimo Departamento de Eficiência Governamental. A indicação, porém, é carregada de conflitos de interesses e de potenciais divergências de opinião que observadores do mundo político preveem como possíveis pontos de tensão entre os dois no futuro.
Analistas apontam que os negócios de Musk com a China -o bilionário produz metade dos seus carros elétricos da Tesla no país asiático-, eventuais discordâncias sobre tarifas aplicadas a produtos importados e o protagonismo por si só do dono do X são aspectos capazes de produzir fissuras na aparente amizade de hoje.
Em outra frente, Musk, que virou uma espécie de sombra de Trump desde a noite da eleição, em 5 de novembro, acumulou nos últimos 10 anos mais de US$ 15 bilhões em contratos com o governo americano, divididos entre os departamentos de Transportes, Justiça, Defesa e outros.
Apenas o acordo com a Nasa, a agência espacial americana, vale cerca de US$ 11,8 bilhões.
“Seu envolvimento com o governo federal é bastante pervasivo, e há muito envolvimento em quase todas as agências significativas”, diz Danielle Caputo, conselheira jurídica da Campaign Legal Center, um think tank que tem se debruçado sobre os eventuais conflitos de interesses numa nomeação de Musk.
Esses acordos por si só barrariam a chance de o homem mais rico do mundo ser nomeado para um cargo efetivo no governo e pago pela administração federal. Para isso, ele precisaria abrir mão de tratar de temas específicos ou renunciar a certos negócios -o que ele não fará.
Por isso, a solução que parece ter sido arranjada é que o Doge -a sigla do departamento feito sob medida para Musk-, que tem o papel de reduzir os gastos governamentais, seja consultivo. Poderia existir, por exemplo, como um comitê na Casa Branca, mas os detalhes do cargo ainda não foram divulgados.
Em recente artigo para o jornal The Wall Street Journal, no entanto, Musk e Vivek Ramaswamy (que foi pré-candidato republicano e vai chefiar o Doge ao lado do bilionário) afirmaram que não serão contratados. “Serviremos como voluntários externos, não como funcionários ou servidores federais. Ao contrário das comissões governamentais ou comitês consultivos, não vamos apenas escrever relatórios ou cortar fitas. Vamos cortar custos”, escreveu a dupla.
A presença constante de Musk ao lado de Trump tem incomodado aliados próximos do republicano que participam da transição governamental.
O bilionário doou mais de US$ 100 milhões do próprio dinheiro para o comitê que cuidou da campanha de Trump. Sua indicação foi vista como uma coroação do seu empenho para elegê-lo. O empresário também participou de comícios e foi ativo na sua rede social a favor do presidente eleito.
Musk esteve ao lado de Trump na noite da contagem de votos da eleição e depois permaneceu com ele. O empresário tem passado a maior parte dos dias em Mar-a-Lago, onde o republicano conduz a transição. Na última semana, acompanhou o republicano em uma luta de UFC e o convidou para a assistir ao lançamento de um dos foguetes da Space X.
Comentários feitos pelo bilionário nas redes sociais nas últimas semanas foram lidos como inconvenientes por aliados de Trump, segundo os veículos americanos. Antes de o republicano anunciar que Howard Lutnick fora escolhido seu secretário de Comércio, Musk publicou uma mensagem no X sugerindo que Lutnick seria uma ótima escolha para o Departamento de Tesouro, que estava vago. A publicação foi lida como uma forma de pressão de Musk sobre Trump, que não aderiu à sugestão do aliado.
O bilionário também elogiou recentemente na rede social uma medida do argentino Javier Milei de reduzir tarifas. “Boa jogada. Reduzindo impostos de importação”, disse Musk, em reação a uma publicação do próprio Milei. Uma das principais propostas de Trump durante a campanha, porém, foi justamente a de aumentar essas tarifas de importação, sobretudo para produtos chineses.
Ao jornal The New York Times, especialistas em negócios com a China avaliaram que o país pode tentar usar Musk para obter uma interlocução com Trump. Por outro lado, também houve a leitura de que se Washington subir demais o tom contra Pequim pode haver uma retaliação aos negócios da Tesla na China.
“Os dois maiores egos do mundo em algum momento terão uma desavença”, disse ao jornal Tu Le, diretor-gerente da Sino Auto Insights, uma empresa de consultoria de Detroit especializada no setor automotivo da China.
Há quem acredite, por outro lado, que Trump também possa tomar medidas que acabem por beneficiar os negócios de Musk, justamente ao dificultar a entrada de produtos chineses nos EUA, já que são competidores das empresas do bilionário aliado. Isso reforça o conflito de interesses, avalia à reportagem Donald P. Moynihan, professor de políticas públicas da Universidade de Michigan.
Para Caputo, da Campaign Legal Center, os negócios de Musk no país asiático são um ponto de atenção. “É curioso ver se isso vai causar tensão; talvez eles não se alinhem”, avalia. Ela destaca ainda outro potencial ponto de conflito: Musk é dono do X, e Trump é muito mais ativo em sua própria rede, a Truth Social.