Apesar de toda a propaganda sobre um grande “mutirão” de limpeza, o prefeito de Ananindeua, Daniel Barbosa Santos, continua a não pagar a Recicle e Terraplena, que coletam o lixo da cidade. Segundo o portal municipal da Transparência, a dívida da Prefeitura com as duas empresas já alcança cerca de R$ 34 milhões, só deste ano. Até agora o prefeito só quitou os serviços que elas realizaram nos meses de janeiro e fevereiro.
O mês de março foi pago apenas parcialmente, e estão totalmente em aberto os pagamentos de abril a outubro, ou seja, de 7 meses. Se isso continuar, a dívida atingirá mais de R$ 42,5 milhões, em 31 de dezembro. E a população continuará a sofrer com a coleta irregular e o acúmulo de lixo. Porque é improvável que se consiga quitar essa dívida milionária, sem atrasar os pagamentos também no ano que vem.
Mas, apesar do calote, o prefeito insiste em atribuir a conspirações políticas a culpa pela sujeira que tomou conta da cidade. Em vídeos e entrevistas nas redes sociais, ele afirma que a crise do lixo só começou neste ano eleitoral. No entanto, basta uma busca no Google para constatar que o problema vem crescendo desde o ano passado, quando também começaram os sucessivos calotes da Prefeitura.
Muitos dos serviços que as duas empresas realizaram em 2023, só foram pagos neste ano. E, possivelmente, ainda não na totalidade: em uma lista de contas a pagar, no portal da Transparência, consta que a Prefeitura ainda deve à Terraplena cerca de R$ 3,5 milhões, por serviços do ano passado. Mesmo assim, o prefeito jurou, nas redes sociais, que “uma das empresas” suspendeu os serviços “do nada”, “misteriosamente”, às vésperas das eleições. Só se “esqueceu” de dizer, é claro, que as duas empresas não vêem a cor do dinheiro da Prefeitura desde o mês de março.
Dívida era de quase R$ 30 milhões
Como você leu no DIÁRIO de 5 de outubro, a dívida Prefeitura de Ananindeua com a Recicle e a Terraplena já atingia, em setembro, mais de R$ 29,4 milhões. Janeiro e fevereiro, os únicos meses quitados, foram pagos “às prestações” e com atrasos de até 7 meses. A maioria dos pagamentos deste ano foi para quitar dívidas do ano passado, sempre sem juros ou correção monetária, apesar da inflação.
Com isso, é provável que a coleta de lixo tenha sofrido o impacto dos sucessivos calotes do prefeito. Afinal, empresas têm contas a pagar, como o combustível de seus carros e os salários de seus funcionários. Segundo o Diário Oficial do Município (DOM), de 27 de dezembro do ano passado, página 16, os contratos das duas empresas somam quase R$ 77 milhões, para um ano: de dezembro do ano passado até o mês que vem.
O contrato da Recicle, de número 060/2023, tem o valor (aparentemente, estimado) de R$ 35,240 milhões, o que daria R$ 2,936 milhões por mês. Mas a sua média mensal de serviços tem sido de R$ 2,138 milhões. Segundo a Nota de Empenho (NE) 002006 e a Nota Fiscal (NF) 889, os serviços da Recicle, no mês de janeiro, no valor de R$ 2,196 milhões, foram pagos em 4 parcelas, nos dias 12, 23 e 30 de abril e 10 de maio.
Já os serviços do mês de fevereiro, no valor de R$ 2,082 milhões, dizem a NE 004285 e a NF 1377, foram pagos em 5 parcelas, nos dias 10 e 15 de maio, 21 de junho e 9 e 13 de agosto. Quanto ao mês de março, cujos serviços somaram R$ 2,188 milhões, só foram pagos R$ 762.675,10, incluindo R$ 262.675,10 de impostos retidos. Ou seja: o que a empresa recebeu realmente do dinheiro de março foram apenas R$ 500 mil, e mesmo assim pagos em 30 de julho. Já do mês de abril, cujos serviços somaram R$ 2,085 milhões, só foram “pagos” R$ 250.225,96 de impostos retidos, dizem a NE 06581 e a NF 2048.
Isso significa que a dívida da Prefeitura de Ananindeua com a Recicle, só neste ano, já chega a mais de R$ 16 milhões. Que é o que falta quitar de março e abril, somado aos meses de maio, junho, julho, agosto, setembro e outubro, para os quais foi considerada uma média mensal de R$ 2,138 milhões, calculada pelo DIÁRIO com base nos meses anteriores.
A empresa também vem penando para receber pagamentos de serviços do ano passado, ou até de anos anteriores. Segundo a NE 014010 e a NF 3551, só neste ano é que a Prefeitura pagou à Recicle R$ 1,936 milhão do reajuste da coleta de lixo, concedido para o período de janeiro a junho de 2022 de seu contrato anterior. Mesmo assim, o pagamento foi realizado em parcelas, nos últimos 20 de maio e 13 e 21 de junho.
Já o contrato da Terraplena, de número 059/2023, tem o valor de R$ 41,628 milhões, também para 12 meses, o que daria R$ 3,469 milhões mensais. Segundo a NE 002066 e a NF 4094, a empresa só recebeu o pagamento dos serviços de janeiro, no valor de R$ 2,275 milhões, em duas parcelas, nos dias 12 e 30 de julho. Já o mês de fevereiro, no valor de R$ 2,167 milhões, foi pago em 3 parcelas, nos dias 13 e 24 de setembro e 1 de outubro, dizem a NE 004287 e a NF 4095.
Quanto ao mês de março, no valor de R$ 2,284 milhões, a Prefeitura só pagou até agora os R$ 282.318,78 de retenção de impostos. Assim, a dívida da Prefeitura com a Terraplena já alcança, só neste ano, R$ 17,7 milhões. São 7 meses (abril, maio, junho, julho, agosto, setembro e outubro) com média mensal calculada em R$ 2,242 milhões, mais os R$ 2 milhões ainda não pagos do mês de março. Ela também contabiliza serviços do ano passado, que só estão sendo pagos neste ano, com até 7 meses de atraso.
Em 4 de outubro, o DIÁRIO enviou emails à Recicle e à Terraplena, perguntando o valor total da dívida da Prefeitura, incluindo anos anteriores; quando começaram os atrasos de pagamentos e se isso tem relação com o acúmulo de lixo em Ananindeua, mas até hoje não obteve resposta.
No entanto, é bastante improvável que esses pagamentos picotados, com atrasos consideráveis e sem correção monetária, não tenham afetado a qualidade dos seus serviços. Mas também é bastante improvável que elas venham a falar publicamente dessa situação, já que isso poderia levar à perda de seus contratos, aumentando ainda mais os prejuízos.
Até porque, em vídeos na internet, o prefeito Daniel Santos garante que prepara uma licitação emergencial, para contratar novas empresas para a coleta do lixo. Mas a reportagem não conseguiu localizar, nos diários oficiais de Ananindeua, nenhum anúncio de nova licitação para isso. O que pode significar que tudo não passa de uma estratégia do prefeito, para convencer a população de que as duas empresas é que são responsáveis pelo acúmulo do lixo, e não os calotes que ele vem aplicando.
E a taxa do lixo?
O mais impressionante em toda essa história malcheirosa é que o prefeito até criou uma taxa do lixo e aumentou em 300 por cento o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), o que deveria garantir, ao menos, o pagamento em dia da coleta do lixo. Pior: em uma edição extra do Diário Oficial do Município, que teria sido colocada no ar em 3 de outubro, o prefeito aprovou uma lei aumentando o próprio salário em 67 por cento. Ele, que recebe hoje R$ 12 mil mensais, passará a ganhar R$ 20 mil mensais, a partir do próximo 1º de janeiro.
O aumento é mais que o dobro da correção monetária de 25,8 por cento, do IPCA entre janeiro de 2021 e o último mês de setembro. Além disso, também foram reajustados os salários do vice-prefeito, de R$ 10 mil para R$ 17 mil; dos secretários municipais, de R$ 11.275,23 para R$ 15 mil; e dos secretários adjuntos, de R$ 7.618,20 para R$ 10.322.
E como desgraça pouca é bobagem, também os vereadores aumentaram os próprios salários de R$ 11 para R$16 mil. Tudo isso em uma cidade que acumula uma dívida de quase R$ 34 milhões com as empresas que coletam o lixo. E que é o segundo município brasileiro com o maior percentual de moradores de favelas (60 por cento), segundo o censo de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pobre Ananindeua.
Lixo para todo lado
- Em 7 de outubro, logo após as eleições municipais e a reeleição de Daniel Santos, a Prefeitura anunciou que contratara dezenas de homens e caminhões, para um grande “mutirão” de limpeza. Mas a verdade é que tudo continua como dantes, em várias áreas da cidade: é lixo, mato e lama para todo lado.
- Nos dias 16 e 17 de outubro, a repórter do DIÁRIO Ana Laura Costa constatou lixo acumulado no Coqueiro, na Cidade Nova, no Icuí-Guajará, nas ruas, nas calçadas, à porta de casas, escolas, clínica de saúde, repartições públicas. Em algumas áreas, a falta da coleta de lixo já emplacara mais de um mês.
- Na SN 22, na Cidade Nova 6, até a entrada do Centro de Referência e Assistência Social (Cras) estava tomada por sacolas de lixo. Idem para a travessa WE 45, na Cidade Nova 4, bem atrás do prédio da Seurb, a secretaria de Serviços Urbanos.
- Sacos de lixo e entulhos de todo tipo também foram vistos na alameda Vila Nova, no bairro do Coqueiro. E também em frente à escola Manoel Fernandes, na praça da alameda Vila Nova. E também na travessa SN 17, na lateral de uma escola da Cidade Nova. E também na travessa WE 42, na Cidade Nova 4, na rua da escola fundamental União e Fraternidade.
- Na BR 316, ao lado do Hospital Metropolitano, as lixeiras da passagem São Pedro transbordavam de tanto lixo, sinal de que o “mutirão” do prefeito também não chegara naquelas bandas. Ao longo de todas essas reportagens, o DIÁRIO procurou a Prefeitura, mas nunca obteve resposta.
Por Ana Célia Pinheiro